quinta-feira, 2 de setembro de 2004

"A música é a única arte que não constrói o pensamento"

Uma aula, uma frase e o estrago está feito.

Fatos soltos:

1) O argentino Jorge Luiz Borges sempre disse que a única regra que deveria ser respeitada na construção de uma poesia era a necessária busca pela música dentro das palavras. Citava que, dentre as sete (seis + cinema) principais categorias do que é comumente chamado 'arte', a música era a mais perfeita.

Em suas palavras: "(...) Reconheço que, nos poemas, as palavras devem ser musicais; às vezes vacilo entre duas possibilidades para completar um poema: uma é lógica, a outra e musical. É claro que prefiro a musical" (La Nacion, 7/8/85).

ou

"Tenho ouvido para a música oral, mas não entendo a música. Se não entendo minha própria vida nem o universo... Contudo, consigo conceber um universo que se expresse em música. Um universo do tempo... e a música daria a mais grata das formas do tempo, porque a música flui com o tempo." (idem ao anterior)
ainda:

"Sinto a música como algo infinito" (igual às outras duas citações)

2) Em seu "O nascimento da tragédia no espírito da música" (1871), Friedrich Nietzsche tenta refutar o pensamento socratiano o qual argumenta que as formas de arte que devem existir são somente as cerebrais.

Na introdução a esta obra está escrito: "(...) Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções 'indígnas de filósofos' (Nietzsche, Obras Incompletas págs 9 e 10).

Para argumentar contrário ao grego, o alemão compara a tragédia à música. Diz que ambas são da ordem do impalpável, onde não podemos alcançar a lógica, porque esta não há e, assim, talvez, cheguemos o mais próximo possível de uma explicação para toda a existência (certamente um pensamento bombardeado de metafísica). Para comparar ambas as formas artísticas, Nietzsche cita um conterrâneo que define belissimamente a música e que funcionava para ele como uma espécie de tutor na época: Arthur Schopenhauer.

"(...) a música, como foi dito, difere de todas as outras artes por não ser cópia do fenômeno, ou mais corretamente, da objetividade adequada da vontade, mas cópia imediata da própria vontade, e portanto apresenta, para tudo o que é físico no mundo, o correlato metafísico, para todo fenômeno, a coisa em si". (A. Schopenhauer, Mundo como vontade e representação vol I, 309).

novamente, o mesmo autor:

"(...) o mundo fenomênico, ou a natureza, e a música, como duas expressões diferentes da mesma coisa, a qual, por sua vez, é portador único da mediação de ambos. (...) A música é, portanto, se considerada expressão do mundo, um linguagem universal em sumo grau (...)" (idem anterior).

Assim, de acordo com os germânicos, a música seria a forma mais fácil de explicar o inexplicável porque não era uma cópia de uma pensamento sobre o absurdo, mas a cópia do próprio absurdo, diretamente, sem meneios, ou entraves.

3) Isto tudo só porque eu voltei às aulas e escutei de um professor de estirpe conservadora, numa aula que ainda citava (como novidade) a escola de Frankfurt e as definições 'alta cultura e baixa cultura', uma frase que batucou durante dias na minha cabeça: "A música é a única arte que não constrói o pensamento". Ele dizia que, se não considerarmos as letras, as notas sozinhas não, necessariamente, te fornecem uma idéia forte sobre o que deseja passar. Assim, você deve criar o seu próprio raciocínio, a sua própria imagem mental sobre o som que escuta. Não é nem necessário dizer que achei bem interessante.

4) Por último, cito o Zé. Lembro dele ter dito, da sua maneira e em variadas oportunidades, que, apesar de gostar de cinema, livros (um pouco menos), muito de imagens (de pinturas clássicas a grafites nos muros), o que mais mexia com ele era a música. Inexplicavelmente, ou à sua maneira, perdido em várias explicações prolixas, o moçoilo dizia a mesma coisa que todos os outros aí de cima.

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