Argentina 4, Brasil 2
Cometários sobre uma coincidente superioridade hermana em um campo literário.
Há um sebo de livros na rua Buarque de Macedo - primeira à direita na Rua do Catete, não me perguntem o número - espetacular.
Faz merecer tal acunha por:
a) se organizar como um livraria moderna, com sessões tanto de filosofia grega antiga e literatura russa quanto de livros sobre regiões desaparecidas (como Atlântida e coisas do gênero) e de ficção científica;
b) a organização: tem uma variedade absurda de assuntos, num pequeno espaço, sem que para isso fique entulhado;
c) ser possível encontrar livros que pareciam pertencer somente ou às livrarias de novos ou às edições antigas já esgotadas.
Nas minhas duas últimas incursões, em semanas intermitentes, deixei dois chequinhos que, apesar do número de obras adquiridas, me quebraram no meio do mês. Foram quatro argentinos: 'Livro de areia', Borges; 'Histórias de amor' Adolfo Bioy Casares; 'Octaedro' e 'História de Cronópios e Famas' do Cortázar - este algo raro. E dois tupiniquins: 'E com você, Antônio Maria', crônicas do pernambucano-carioca publicadas no Última Hora nas décadas de 50 e 60; e um livro compilação de outros dois, de contos, do Otto Lara Resende: 'As Pompas do mundo' e 'Retrato na Gávea'.
De todos estes, li apenas os dois primeiros e duas faces do terceiro.
O borgeano mostra um pouco mais do mesmo. Entretanto, ao considerarmos que o JLB estava há mais de cinco obras sem enxergar nada além de pequenos lapsos do amarelo e do azul, e ter voltado ao fantástico com maestria em alguns contos (ex.: 'O outro' e o que titulou o livro), já valem a pena. Inclusive é muito válido ressaltar a constante oralidade dos seus textos. Parece que estamos conversando com o velho. E, de certa forma, foi mais ou menos isso que aconteceu.
O Bioy Casares foi, de certa forma, uma decepção. Não que ele seja ruim, mas depois de ter lido a 'Invenção de Morel', o seu primeiro romance, a minha expectativa era altíssima. Nesta coletânea de contos em questão, ele não trafega, em nenhum momento no absurdo, nas linguagens cifradas, numa imaginação carregada, na fantasia. É quase um diário de um protagonista - quase sempre o mesmo - que narra suas conquistas, perdas, sacanagens, ironias, jogos de relacionamentos homem-mulher, essas coisas. Fica um tom acima das 'Comédias da vida privada' e um abaixo de Nelson Rodrigues. Mas nada que não tenhamos já visto algumas vezes. O talvez melhor escrito é aquele em que Bioy Casares tenta decifrar o que as mulheres desejam, num título sugestivo e discutível: 'Todas as mulheres são iguais'. Em sua argumentação, ele defende que, independente de formação, gênio, criação ou índole, todas as fêmeas da espécie só procuram uma coisa: segurança. A conferir.
'Octaedro' de Júlio Cortázar foi o responsável por todo esta enrolação até agora. O primeiro conto é, sem medo do exagero, perfeito. O segundo também está acima da média. Por cronologia:
'Liliane chorando' é escrito por um homem desenganado. Ele imagina como será a vida de todos que ele detém alguma afeição depois de morrer. Fala do seu enterro, como se comportarão os amigos, a mãe, Liliane - sua mulher, Alfredo, o quase-irmão. Descreve as coisas impregnado de uma emoção genuína, como se tivesse uma saudade, uma tristeza por não poder participar da vida de todos os que ficarem. Leva toda a narrativa, com várias brincadeiras quanto ao formato (há um momento que ele escreve 'fotograficamente' - sensacional!) até quando há um final que não pode ser chamado de surpreendente, mas em que você diz 'Não...' na tentativa de evitar o que não dá mais. Impressionantemente bom.
'Os Passos no rastro' começa com um comentário explicativo asssim: 'Crônica um pouco tediosa, estilo de exercício mais que exercício de estilo de um, digamos, Henry James que tivesse tomado chimarrão em qualquer pátio portenho ou platense dos anos vinte'. Por isso, comento-o outro dia, quando falar de um dos maiores ingleses nascidos nos EUA em todos os tempos.
Orelhadas sobre os brasileiros, só no futuro.
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