terça-feira, 31 de julho de 2007

Cinema incomunicável

Nunca fui um fã de Antonioni. Havia visto três filmes e um terço. Gostava de dois: "Blow up", o primeiro a que assisti, por causa simplesmente da inspiração em um conto de Cortázar, e "Profissão repórter", com Jack Nicholson e aquele travelling famoso. Desisti dele com o terceiro, "Deserto vermelho". Vi "Eros", em que seu terço é totalmente esquecível - pelo menos para mim.

A coincidência incrível da morte de Antonioni um dia após Bergman, além do fato óbvio, é por ambos serem considerados cineastas da "incomunicabilidade", termo em moda até a década de 1970 e que quer dizer muitas coisas e nada, ao mesmo tempo.

As semelhanças entre o italiano e o sueco eram quase nenhuma - para exagerar para cima. Mas fico impressionado com tanta gente boa que citava Michelangelo como um de seus cineastas de cabeceira. Gente como Walter Salles e Ricardo Calil. Acho que vou dar outra chance a ele.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Homenagem inconsciente

A minha primeira reação ao saber que Bergman havia morrido foi parecida com a do Calil ("De tanto repetirmos que certos artistas são imortais, acabamos por acreditar"). A segunda foi mais estranha. Fiquei triste, como se fosse com a morte de um sujeito próximo. Mesmo que eu lide bem com a morte, fiquei para baixo, de luto mesmo.

Percebi que todos os caras que admiro e que ainda estão vivos vão morrer antes de mim. Se a "ordem natural das coisas" acontecer, vou acompanhar o enterro, sem ordem, de Woody Allen, do Veríssimo, do Chico Buarque. Vou passar novamente por esse sentimento de perda.

Bergman, que tinha uma fixação pela morte e pela psicologia, me fez sentir uma espécie de vazio com a sua própria. Uma justa homenagem inconsciente.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

'O Pan engorda'

A frase-título, do Hélio de la Peña, do Casseta e Planeta, condiz inteiramente com a verdade. O ser humano retrocede se transformando num vegetal da família das samambaias, com raízes muito bem fincadas em frente à TV. Todos os esportes são bem-vindos, sem preconceito de origem, cor ou classe social. Neste momento, inclusive, a televisão passa aqui atrás a semi de futsal - uma de nossas medalhas certas.

Por isso, essa demora em abordar os resultados da natação nos Jogos Pan-americanos. É inegável que as seis medalhas de ouro, e as outras de prata e bronze, do Thiago impressionam. Também é um fato que ele é o mais completo nadador em atividade no Brasil. O apelido de "Phelps do Pan" é 100% factível. Mas, já que citamos o coisa-ruim, Thiago tem esse calo a superar. Suas provas são as mesmas de Phelps.

Há apenas duas que o americano nada e o brasileiro, não. Os 100 e os 200 borboleta. Exatamente as duas do Kaio. Ou seja, apesar de ter feito ótimos tempos, o paraibano, que foge completamente dos estereótipos do nadador, tem poucas chances.

O que deixa o Cesar Cielo como a nossa maior esperança de medalha de ouro em olimpíada. Em provas que o "nosso" outro calo, o Popov, reinou durante anos.

É quase uma licença poética.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Metafísica

- Moço, me dá um dinheiro pelamordiDeus!

- Eu sou ateu.

- Hein?

- Eu não acredito em deus.

- Mas, então, pelo amor do diabo!

- Essa sua frase não faz sentido.

- Moço, me dá um dinheirinho, to com fome!

- Por que eu deveria te dar dinheiro?

- Porque to com fome!

- Mas eu também to com fome. Logo, eu devo dar dinheiro para mim.

- Mas você tem que dar dinheiro para mim, você é rico!

- Enganou-se. Não sou rico. Nem tenho dinheiro. Tenho cartão de crédito. Aceita?

- Me dá um dinheiro... To com fome... PelamordiDeus!

- Olha, você tá exigindo de mais. Além de querer que eu acredite em deus, quer que eu o veja como um ser dotado de amor... Não dá...

- Moço, deixa pra lá. Vou pedir para outra pessoa.

- Tá bom. Passar bem.

- Passar bem? O que você quer dizer com isso?

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Escritores

Fomos e voltamos de Paraty - quatro horas de distância da minha casa - num mesmo dia (sábado), só por causa da Flip. E obviamente valeu a pena. Infelizmente tive que retornar. Por mim, passaria a semana inteira na cidade que se transforma, nesse período, na sede de uma espécie de Rock in Rio das letras. E Paraty consegue ficar ainda mais bonita com tanta gente andando pelas suas ruas de pedra-paralelepípedo.

Assistimos a quatro mesas, todas as que pudemos. Não creio que uma tenha se destacado mais que as outras. A primeira tratava de Nelson Rodrigues, o qual me considero um ignorante, apesar de ser o dramaturgo a que mais peças assisti e de ter escrito uma pequena monografia; a segunda sobre os limites entre os formatos de ensaio e ficção - tema que me agrada muito, principalmente por ser fãzão de Borges; a terceira com um argentino (Alan Pauls) sobre como funcionaria o amor em seu romance "O Passado" - que apesar do tema específico e romântico foi bem interessante; e o último com dois grandes jornalistas sobre conflitos no Oriente Médio, terrorismo e essas coisas "sérias".

Cada uma com a sua característica, detalhes, momentos altos, frases impactantes, golpes certeiros. Jabor, em vídeo, falando sobre Nelson Rodrigues é uma aula- sempre (apesar de não gostar muito de sua pessoa física). Cesar Airas respondendo a uma pergunta boba sobre como é se sentir argentino e como está a Argentina hoje em dia foi um espetáculo. Ouvir Pauls junto com uma psicanalista transformar suas palestras, que tinha tudo para serem chatas, em algo interessante, foi, bem, interessantíssimo. E por último, acompanhar Robert Fisk, o maior jornalista de guerra vivo, mesmo com toda a sua coloração "vou salvar o mundo", foi tão empolgante como assistir a uma luta de boxe.

Mas o que mais me tocou, o que vou levar para sempre na memória, foi uma frase perdida, dita apenas para contextualizar toda uma idéia, não sendo nem de longe o interesse de nenhuma das mesas, principalmente porque era uma frase que respondia a uma dúvida que não permeia o cotidiano daqueles que subiram o palco, mas que, para mim, mal saído das fraldas literárias, e que talvez nunca saia mesmo, funcionou como um alento, um narcótico para a minha angústia cotidiana, algo como um raio de esperança, como uma iluminação. Leyla Perrone-Moisés, que participava da primeira mesa, sobre Nelson, disse, não exatamente com essas palavras, porque não consegui anotá-las, mas, com certeza, com essa intenção, que escritor seria aquele que processa as palavras.

Na hora fiz relação com aquela crônica do Veríssimo (a base da minha cadeia literária) sobre o gigolô das palavras e senti uma identificação e tranqüilidade. Soube, naquela hora, que havia os que eram dominados pelas palavras e os que as dominavam - e, sem nenhum traço de empáfia, pedantismo ou orgulho, apenas sentindo ser a verdade que me preenche, soube que eu era assim. As palavras, elas vêm para mim e eu faço o que eu quero. E não o inverso. Tenho uma relação de dominação.

Pela primeira vez, pude me considerar, com um pouco de indiferença, mas não esnobismo, com tranqüilidade, calma e, principalmente, segurança, um escritor. E olha que Airas (ou foi Pauls, o outro argentino?) disse que apenas um a cada mil "escritores" consegue sair das brumas da insignificância. Isso, realmente, não importa.