quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Contagem regressiva

Para os homens, filmes violentos devem conter tiros, carnificinas, mortes. A única semelhança com o mesmo conceito para as mulheres é no quesito “morte”. É o que mostra o “4 meses, 3 semanas, 2 dias”, que levou a Palma de Ouro do ano passado. Não quer dizer que o longa romeno não vai ser bem interpretado pelos com cromossomos Y. Afirmar isso seria, no mínimo, sexismo.

A questão é quase biológica. O filme aborda aborto, estupro, discriminação sexual, abandono de grávidas. Fatores que falam mais às mulheres que aos homens. Mas como dito no parágrafo anterior, não é uma produção voltada para elas. E talvez seja essa a sua grande qualidade.

Conseguir comunicar aos homens todas as dores e aflições que elas sentem, ou devem sentir, ao tentar interromper uma gravidez indesejada, num país em que isto é visto como crime. Ao optar pelo “mercado negro”, como, aliás, acontece cotidianamente na Romênia comunista da década de 1980, segundo o filme, estar à mercê de um sujeito que, pior que um carniceiro, se aproveita da fragilidade alheia para destroçar sua dignidade.

Ultrarrealista, capaz de captar diálogos sem a menor importância aparente, reproduzindo cenas perdidas e inócuas, o longa mexe com o estômago e outros órgãos que os homens nem sabiam que possuíam.

sábado, 26 de janeiro de 2008

E quem está?

Todd Haynes não é um sujeito de muitos filmes. Desde 1991, quando estreou na direção, fez apenas cinco. Ficou conhecido com uma cinebiografia sobre um músico inexistente, mas calcado diretamente nos ídolos glam, especificamente David Bowie e, forçando a barra, o seu "relacionamento" com Lou Reed. Era 1998 e o filme se chamava "Velvet Goldmine".

Quase dez anos depois e apenas um filme rodado (o falsamente capriano "Longe do Paraíso"), ele volta a dirigir um longa sobre um ídolo do rock. Mas, como uma antípoda de "Velvet", ele biografa alguém existente usando personagens e histórias inexistentes. Estamos em 2007, o longa se intitula "I'm not There" e o cantor "retratado" é Bob Dylan.

"Eu não estou lá", o estranho título aqui do Brasil, é um filme sensorial, sinestésico até. Não se atem aos fatos, mas às sensações. Não dá resposta, sugere sentimentos. Não é literal, é literário.

Para começar, no começo da projeção, há uma frase que explica que o longa é baseado nas várias vidas de Dylan. Para interpretar cada uma delas, Haynes escolhe seis atores - incluindo um garoto negro e Cate Blanchett - e seis estéticas diferentes. Do falso documentário ao filme dentro do filme, passando pelo século XIX, com Billy the Kid, himself, e uma entrevista tête -à-tête com Arthur Rimbaud, também lui-même.

Com Haynes, as influências de Dylan se transformam em Dylan. O imaginário, as conseqüências abstratas, exageradas ou inventadas de seus atos, as interpretações, adaptações, as figuras de linguagem, tudo que circunavega a vida do cantor, poeta e músico dono de um longo etc. se transforma no próprio Dylan.

Não falta interesse, portanto, sobre o longa. Mas falta cola. Talvez por ser tão sensorial, não se atém ao detalhe que é a necessidade de prender a atenção do espectador 100% do tempo. É possível se pegar flanando para fora da tela, acompanhando um raciocínio que o filme despertou. Talvez seja essa a intenção. Completar os sentidos atingidos pelo cinema, visão e audição, com uma outra característica: a imaginação.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Uma vez é impossível

Sabe o "Antes do amanhecer" e o "Depois do pôr-do-sol"? Tire 60% dos diálogos. Acrescente números musicais, mas nada gratuito, sempre dentro de um contexto e nunca com danças no meio da rua. As canções têm corpo do irlandês Damien Rice, membros de Coldplay, mas sem frescuras, e cabeça do Radiohead da primeira fase, a roqueira seminal, com cabelos ruivos e segunda voz feminina. Pronto, está tecnicamente pronta a fórmula de "Once", longa-metragem escrito e dirigido por John Carney, que agrada até os mais descrentes da fórmula dos musicais.

Claro que "Once" não é aparentado com "Chicago" ou "Moulin Rouge", para citar dois a mão. Ele é primo distante, pelo lado das canções pops mostradas em formato videoclipe, de "Nine songs"; sobrinho neto de "Hedwig", pela parte da independência (ganhou o World Cinema Audience Award em Sundance); e irmão mais novo de "The Commitments": é irlandês, retrata Dublin, também criou uma banda após o fim do filme que excursionou - me diz Carla Meneghini, a responsável por me viciar no filme e conseqüentemente na trilha sonora.

(Mas a maior coincidência é o protagonista, Glen Hansard, que trabalhou no filme do Alan Parker. Era o guitarrista. Ou John Carney, que é amigo de Damien Rice e já foi baixista da The Frames, banda de Hansard, que já excursionou com Rice, como apoio. Se alguém disser que a Irlanda tem sete pessoas - porque o U2 é irlandês - eu acredito. Aliás2, Hansard e Markéta Irglová, a protagonista, que, segundo o wikipédia tem uma diferença de quase 20 anos, estão juntos, dizem as boas línguas.)

Voltando ao assunto principal deste texto: "Once" e sua trilha sonora. O filme seria divertido, leve e até mesmo surpreendente se fosse mudo. Mas com as músicas se torna tentador. É aconselhável ver o filme e "comprar", logo em seguida, as músicas. De preferência, "tenha em casa" o longa também. Porque ver apenas uma vez é praticamente impossível.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Interpretação

Nos filmes de até a década de 1950, diz Luis Fernando Veríssimo, quando um casal estava aos amassos e entrava o fade, tudo era subentendido. Sabíamos o que aconteceria dali para frente. Hoje, se o mesmo acontecer, é provável que achemos muito estranho que o casal, depois de ter passado pela fase dos beijos e abraços não chegue aos finalmente.

Isso quer dizer muitas coisas, mas quero abordar outro tema além do gala-fraquismo. Ficamos menos interpretativos, imaginativos, subjetivos e outros ivos nas últimas décadas. Ou seja, se não virmos, pelo menos, umas peças de roupa sendo tiradas, o fato não está comprovado. E deve haver quem só se conforme com as vias de fato, algo como "9 songs" e adjacências. Motivos para essa mudança devem existir aos montes e vejo já quem diz sobre a falta do hábito da leitura e todas as suas conseqüências.

Curiosamente, esse comportamento é positivo para, pelo menos, uma atividade: o jornalismo. Desconfiar é uma das melhores coisas que um sujeito pode fazer na labuta diária de redação.

Só queria dizer isso.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Alfabetos

O italiano não tem "j". O alemão tem o "j", o "w", o "y", o "k" e o "ß" (lê-se "ess-tset", ou uma mistura curiosa de "ess" - o "s" - e "tset" - o "z"). Provavelmente herança dos tempos anglo-saxônicos. No português temos o "ç", e, junto com o espanhol, temos o "~", que é uma corruptela do "n", assinalando a nasalidade da sílaba.

O "w" é dois "u" (no inglês) ou dois "v" (no alemão). O islandês usa ainda o "þ" (thorn) e o "ð"(eth). As duas letras foram substituídas nas outras línguas anglo-saxãs por "th". Ainda havia "ƿ", (wynn), que foi substituído em todos os lugares por "w".

Outras curiosidades aqui.