segunda-feira, 18 de abril de 2011

Seriedade e passividade humana

Às vezes uma obra pede uma segunda visita. E as suas ideias, que tinham apenas aparecido sutilmente na primeira audiência, se tornam tão óbvias que nos perguntamos onde é que estávamos quando a assistimos na vez anterior. Aconteceu comigo ontem, ao rever "A serious man" dos irmãos Coen. Tinha visto o longa ainda empolgado com os seus filmes anteriores: o faroeste contemporâneo "No country for old men" e a comédia nervosa "Burn after reading", ambos belíssimos exemplares de arrebatamento à primeira vista. "O homem sério" não é assim.



O filme não é tão claro como os anteriores [ia escrever óbvio, mas não é questão de obviedade]. Não vi toda a filmografia de Ethan e Joel, mas dos que assisti, é, certamente, o mais pessoal e enigmático, contando uma história que pode ser quase autobiográfica, ao retratar uma família judia disfuncional do interior dos EUA. Não que eles tenham se retratado na trama, mas porque, imagino, tenham retirado grande parte da construção da história de elementos pessoais.

O principal tema abordado é a religião: como o judeu deve se comportar frente às intempéries da vida. Desde a epígrafe, que cita que o homem deve receber o destino de braços abertos, e o incrível curta que antecede o longa, que mostra a divisão de um homem entre o sobrenatural e o natural, estamos forçados a acreditar no caráter contemplativo e pouco crítico desse protagonista.

Larry, personagem Michael Stuhlbarg, não desfaz essa impressão. Sua vida segue sem grandes sobressaltos, mas logo é sacudida por um pedido de divórcio da mulher e uma tentativa de suborno de um aluno. Após se ver soterrado pelas agruras cotidianas, como os filhos distantes e ausentes, e o irmão problemático, além de ter medo do vizinho conservador de direita que só não o despreza mais que os imigrantes de outras nacionalidade, ele decide se consultar com quem poderia dar-lhe conselhos para a resolver os problemas: o rabino. O melhor argumento para isso mostra indícios de uma retroalimentação dentro da tradição judaica: uma amiga de Larry sugere que os judeus têm muita História e certamente alguém terá passado por problemas parecidos.

Enquanto vê sua vida desabar, Larry tem que pagar pelo enterro do amante de sua mulher e se sente diretamente confrontado com o homem morto, que é visto como um referência na comunidade e é chamado de "sério". Ele, Larry, também quer se sério, também quer ter a moral ilibada, também quer fazer o certo, mas é tudo tão difícil para ele. Parece que as situações o sufocam, não deixando escapatória se não aceitar o erro, o suborno, a mentira. É muito mais fácil e não há testemunhas, além de sua consciência.

Nessa hora, lembrei das inúmeras referências à consciência e à culpa dentro da obra de Woody Allen, não por acaso outro judeu. Também imaginei, mas sem qualquer fundamento, como a psicanálise só poderia ter sido criação de alguém que tenha o conhecimento dessa tradição em que as pessoas vão a um expert contar seus problemas [logo em seguida lembrei que há o costume de se confessar entre os católicos].

O filme, como acontece com as mais autorais obras dos Coen, não deixa uma mensagem simples de ser decodificada. Inclusive, ao fim, imagino hordas reclamando de ter sido uma interrupção repentina demais, não esperada. Mas a última cena é por demais impactante para precisar de explicações. O filho de Larry finalmente consegue reaver um dinheiro que ele deve para o fortão da sala e tenta pagá-lo, no meio de um aviso meteorológico de tormenta que tirou todo mundo do colégio para se protegerem na [não pode ser coincidência] sinagoga. Quando o filho de Larry o chama para entregar os US$ 20, o fortão o ignora, hipnotizado pela visão das nuvens negras no horizonte. Storm is coming. O que fazer? Como se proteger? Como aceitar a destruição que certamente virá? Até os mais fortes são incapazes frente ao infinito das forças divinas.

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