quarta-feira, 30 de maio de 2012

Countries and the national art

England? Literature. Absolutely. Or don't you want to be or not to be a Shakespeare?
EUA? Cinema. Maybe music, but popish.
Italy? Painting and sculpture. And opera. The classic, per favore.
France? Painting and literature and music and...
German? Music. Perhaps philosophy.
Greek? Definitely philosophy. And theatre. 
Russia? Ballet. Music as well. Plus literature.
Argentina? Literature, and dulce de leche.
Spain? Sharing the first position: literature and paintings.
Portugal? Navigation.
Japan? Origami.
Brasil? Music. And football. Or were. 

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Monarcas inglesas

Na semana que a rainha Elizabeth II completa 60 anos sentada no trono inglês, puxe pela memória quais outros monarcas britânicos você consegue citar sem precisar recorrer ao oráculo contemporâneo. Eu apostaria que a maioria se lembraria de, ao menos, duas outras rainhas - isso mulheres - e talvez um homem, Henrique VIII, que é mais conhecido por ter se casado inúmeras vezes e, por conta disso, ter criado uma cisão na igreja católica. As mulheres, se eu não estou enganado, seriam Elizabeth, a primeira, e Victoria, a única [por enquanto].

As duas são soberanas que ficaram muito tempo no poder - Victoria, ainda é a campeã, com 63 anos e sete meses. A primeira Elizabeth, filha logo de Henrique VIII, com a sua mais controversa esposa, Anne Boleyn, ficou 44 anos e uns quebrados, numa época que os reinados eram sempre ameaçados por perigos externos [invasões] e internos [golpes].

Talvez por ficarem tanto tempo no poder, e, assim, darem mesmo que independentemente das suas atuações diretas um peso estabilizador ao país, Elizabeth I e Victoria produziram eras que ficaram conhecidas com os seus nomes [elizabetana e vitoriana]. Junto a isso, ambas também reinaram em épocas de grande produção literária [suspeito que seja a principal das artes inglesas], com Shakespeare e Marlowe, no caso da primeira, e todo o grupo do século XIX, de Dickens, passando pelas irmãs Brontë, a Stevenson, no da segunda.

Recentemente, vi dois filmes ["Elizabeth" e "Mrs Brown"] que retratam pedaços das vidas e dos reinados dessas duas soberanas, que, curiosamente, junto com "The Queen", sobre a Elizabeth II, revelam um traço que poderia ser bastante apreciado pelos defensores da Respública, ou melhor, da República.


O primeiro peca no exagero dos manejos de câmera e nos salamaleques do diretor indiano Sheknar Kapur, que parece querer usar tudo o que aprendeu ao-mesmo-tempo-agora. O filme foi indicado a vários dos prêmios principais da Academia em 1999, mas Kapur ficou de fora da lista [foi o ano de, coincidência, "Shakespeare in love", e do nosso "Central do Brasil"]. O longa mostra uma Elizabeth, na pele de Cate Blachett, insegura, virginal, deslumbrante, apaixonada platonicamente por um pirata que é elevado a cavalheiro, chefe da guarda e que se casa com uma das damas de honra da rainha.

O segundo mostra Victoria [Judi Dench] após a morte de seu marido [Albert], arrasada, irascível, complicada. Ela começa a ter contato com o homem que era o cavaleiro de companhia do marido em cavalgadas, John Brown, e os dois desenvolvem uma simpatia-quase-amor, que a levanta da depressão, mas a torna quase dependente. É de 1997, mas parece bem mais antigo, principalmente porque a caracterização não tenta atualizar a sujeira nem a moda da época. Brown se transforma num protetor e conselheiro da rainha, e fica obcecado com a sua segurança.

Curiosamente "Elizabeth" também mostra como a segurança era uma preocupação constante, principalmente pelo fato de a monarca ser de uma religião diferente de metade da população inglesa da época. Ambos os filmes mostram atentados frustrados às monarcas.


Em comum, também, é a maneira como se mostra o sentimento de devoção ao povo. É como se o poder não emanasse dos soberanos, mas da plebe, e os nobres deveriam apenas representá-los, da maneira mais democrática possível. Em "Mrs. Brown", o primeiro-ministro de então pede para Victoria abandonar o retiro na Escócia e voltar para Londres, para evitar que o sentimento republicano aumente. Foi basicamente o mesmo movimento feito por Elizabeth, a segunda, após a morte de Diana: saiu da Escócia, onde os monarcas passam os verões, e voltou para Londres, para manter-se popular.

É, mais ou menos, como se eles invertessem a interpretação da frase imortalizada como tendo sido dita por Luís XIV, da pomposa França, quando ele supostamente diz que "L'etat c'est moi". O Estado continua sendo ela[s], mas não porque o Estado deve algo a ela[s], mas porque ela[s] deve[m] algo ao Estado. Em tese, e dito da maneira mais simples possível, ser rei/rainha parece mais uma obrigação, um fardo, que uma dádiva divina. Elas cumprem a função de guiar o povo, mesmo sem poderes diretos. Mas são veneradas e amadas, pela maioria. Recentemente uma pesquisa publicada no esquerdista Guardian mostrou que nunca a popularidade de Elizabeth II esteve tão em alta [a pesquisa começou a ser feita exatamente em 1997, quando Lady Di morre, e a popularidade de Elizabeth II, segundo o filme, chega no seu patamar mais baixo]. Os reis - e as rainhas - servem ao povo, são os primeiros servidores do público. E não o inverso, como acontece em algumas novas repúblicas.

ps. Não deveria ser surpresa que as monarcas são mais conhecidas que os reis aqui. Basta levar em consideração que em frente ao Congresso há uma estátua de Boudica, com o seu nome em latim, Boudicea, para perceber que as mulheres estão presentes desde os mitos fundadores da Bretanha.

Caledonian rd.


Pun 1

'Why did the barmaid champagne?' He said. 'Do you give up?'
'Yes,' said Celia.
'Because the stout porter bitter,' said Murphy.

In 'Murphy', by Samuel Beckett, p. 88.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Meios populares de transporte

(artigo publicado na revista Estopim.)

A minha primeira reação ao chegar em Londres não foi se impressionar com o Big Ben – e com tudo o que ele representa –, nem mesmo aproveitar a quantidade enorme de eventos culturais da cidade. Foi ficar incrivelmente surpreso com o mapa do metrô daqui, o Underground.

Ele não é o mais extenso do mundo [posto do de Xangai, ficando em segundo lugar], também não é o que tem mais estações [Nova York], quiçá o mais cheio da Europa [Moscou, depois Paris]. Provavelmente, porém, é o mais organizado, com linhas que são facilmente entedidas pelo recém chegado, que vão do norte ao sul, e do leste para oeste, além da Circle line, que como o nome indica, é circular e, portanto, conecta todas. E, sem qualquer dúvida, o mais antigo.

Criado em 1863, o tube vem desde então surpreendendo moradores e visitantes da cidade de Londres. Uma imagem do traçado da linha datada de 1908 deixa qualquer brasileiro ligeiramente revoltado, ou com bastante inveja. Hoje em dia, o mapa do metrô é uma obra de design reconhecida, que virou sozinho um ícone pop, reproduzido em camisetas e canecas. Escrevi em setembro do ano passado, assim que cheguei: “toda a geografia que eu aprendi de Londres tem a ver com o formato do metrô.” Não mudou muito até hoje.

Isso porque os trens não privilegiam uma área em detrimento da outra. Eles atendem ao traçado já estabelecido há anos, que foi elaborado levando em conta o crescimento urbano.  Li em algum lugar que a Jubilee, a linha que mais uso, apesar dos seus 36,2 quilômetros de traçado [o metrô inteiro do Rio tem 40,9 quilômetros, o de São Paulo, 74,3 quilômetros], ainda não está completa.  Há planos de expandir. Ao total, são cerca de 405 quilômetros dividos em diversas linhas.

O Underground não é o único meio de transporte público de Londres, entretanto. Há outros sistemas integrados, como o Overground, que como o nome sugere, que tem trens correndo sobre a terra, e o DLR, que liga uma área no sudeste, perto de onde vai ocorrer a maioria das competições dos Jogos Olímpicos de 2012, e os trens comuns, que são muito usados por moradores das cidades vizinhas [lembre-se que em uma hora de trem, se está em Oxford ou Cambridge, por exemplo]. Além dos trilhos, há o famoso ônibus vermelho de, na maioria dos casos, dois andares – um mesmo veículo leva quase o dobro de passageiros de um comum; barcos que circulam pelo Tâmisa, e, mais recentemente, as bicicletas para aluguel, cujo esquema o Rio copiou, inclusive no fato de ter um banco patrocinando a sistema.

O conjunto desses fatores, aliado a uma consciência urbana mais madura, que por sua vez tem a ajuda de uma taxa de congestionamento, que cobra um pedágio de motoristas que entram com seus carros nos centro de Londres, mostra um fenômeno recente curioso: houve uma queda de 50% no número de viagens feitas em automóveis particulares e consequentemente aumento na mesma taxa no uso do transporte público, entre 1993 e 2008.

Isso comprova o que se pode ver na prática. Os meios de transporte aqui são realmente públicos: não há uma divisão, aparente, de classes. Todos o usam. Ninguém se acha menor, menos importante ou mais pobre porque usou o Tube e não pegou um táxi. Ouvi recentemente que Sebastian Coe, presidente do Locog, o comitê local que organiza as Olimpíadas, vai de metrô para os eventos testes que antecipam as competições oficiais dos jogos. Espero, com toda a sinceridade, que o mesmo aconteça no Brasil em 2016.

Claro que há críticas contra o Underground. Uma amiga, inclusive, costuma dizer que eu ainda não passei tempo suficiente para reclamar dele, mas ela, que mora aqui há anos, já tem a licença para isso. O principal problema tem a ver com o preço das tarifas, principalmente após quatro anos de governo do conservador Boris Johnson, recém reeleito, que pensa que a TFL, a empresa pública da prefeitura que controla os transportes de Londres, deve ser autossustentável. O tema é polêmico. O candidato trabalhista das últimas eleições e ex-prefeito de Londres, Ken Livingstone, que tinha o apoio do fortíssimo sindicato dos trabalhadores do tube, achava que as passagens deveriam ser subsidiadas. O resultado da política de Johnson é a tarifa mais cara da Europa.

De qualquer forma, há tarifas semanais, mensais e até anuais para que o trabalhador possa programar os seus custos, e assim ganhar descontos. Quem mora próximo do Centro, e precisa pegar o Tube entre as zonas 1 e 2, paga se optar pela anualidade £ 1.168. Divididos pelos 365 dias do ano, dá uma média diária de £ 3,20, para fazer quantas viagens precisar por dia nesses trechos. É caro, principalmente se convertermos para o Real. Comparativamente, porém, se pegarmos o valor da passagem de ônibus numa cidade como o Rio, que é de R$ 2,75, e ignorarmos a taxa de conversão e o poder de compra, percebemos que quem é que está realmente pagando caro.

Ps. Salário mínimo inglês para maiores de 21 anos é £ 6,08 por hora, ou, mais ou menos, £ 1.070,08 por mês, para quem trabalha oito horas, cinco vezes na semana.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Síndrome do imigrante

Reparem: o imigrante-trabalhador-padrão sempre fala que tem que vencer fora de casa. Independentemente do país em que ele vive, ou do país-de-origem. Ele precisa vencer, vencer, vencer. Como um mantra. E vencer, via de regra, é ter um cotidiano sem sobressaltos, um emprego bom, uma situação financeira confortável, melhor do que ele teria no país-de-origem, ou do que ele imagina que teria no país-de-origem. O resto, os demais aspectos que compõem uma vida são ignorados, guardados dentro de um cofre-forte no meio do peito, cuja chave o imigrante-trabalhador-padrão [doravante "imigrante"] espera ter perdido.

Não importa se ele deve passar anos fazendo algo que ele não gostaria de fazer e que jamais faria no país-de-origem. No estrangeiro, ele está sempre lutando, o imigrante está sempre precisando provar algo para alguém - e principalmente para ele mesmo. Fala do passado, do início da sua imigração, com orgulho nos olhos, dos momentos de perrengue como o sacrifício necessário para se alcançar o grande olimpo, o paraíso na terra, a vitória. Ou o green card.

Se emigrou para um país de tradição protestante, assume rapidamente a ética capitalista mais antiga, que prioriza apenas o mérito, e desdenha dos demais que não valorizam o trabalho como a única forma de se alcançar o sucesso - o único caminho para se vencer. Mede os demais com a própria régua e adora usar expressões como "se eu consegui, todo mundo consegue", como se estivesse se desmerecendo, mas na verdade quer se colocar num patamar superior, de quem já venceu.

Reclama, principalmente, dos locais que não querem vencer, como ele. Reclama que eles não trabalham, como se apontasse que eles estão desperdiçando uma oportunidade, uma chance que o imigrante nunca teve. Acha que o governo deveria ser duro com esses locais e, claro, com os outros imigrantes que não estão, como ele, aproveitando esse bilhete premiado.

Tem medo de voltar para casa, para o país-de-origem. Antes de vencer, porque pode ser julgado e condenado pelos amigos e conhecidos, já que não venceu - portanto perdeu, foi derrotado - e teve que voltar, como que com "o rabo no meio das pernas". Depois de vencer, de já estar estabelecido no país-destino, porque fantasia que o país-de-origem jamais vai dar as oportunidades que o país escolhido para viver lhe dá. Jamais vai confrontar as situações, com medo de perder "tudo o que conquistou".

Reclama do país-de-origem por tudo o que ele não é, e provavelmente jamais será. Compara o país-de-origem e o país-destino, como se ambos tivessem passado pelas mesmas veredas históricas, como se isso fosse possível, como se o país-destino devesse, como um professor a um aluno, ensinar como se portar no cenário internacional.

Sente saudade do país-de-origem, mas não exatamente do que acontece agora, mas de um passado idílico, idealizado, que jamais vai se repetir novamente. Normalmente, quando passa férias rápidas no país-de-origem, sente-se deslocado, como se os amigos não fossem mais tão amigos. Age roboticamente, dentro de um comportamento padrão que se autoimpôs, diferentemente da espontaneidade comum entre os amigos que se frequentam frequentemente.

Quer ser mais tradicional aos costumes do país-de-origem que os que ficaram lá. Primeiro porque guardou os signos culturais de uma época congelada no passado, sem se afetar pelo passar do tempo nem pelas influências que recebem diariamente de outras culturas; segundo porque quer mostrar, se autoafirmar, se convencer que ainda é do país-de-origem, para os outros, e principalmente para si mesmo.

Diz que não tem amigos verdadeiros no país-destino, e por isso geralmente lamenta baixinho, para aquele colega-elevado-a-amigo que também emigrou e conhece a sua síndrome, ter emigrado. Fica agarrado a cenas do passado que, talvez, nunca tenham realmente existido, além da imaginação, que alimenta a memória. Os únicos próximos no país-destino são pessoas do país-de-origem ou, ao menos, que tenham alguma identificação com a cultura de lá.

Parece triste, cinzento, apesar de geralmente ser bem-sucedido, um vitorioso, nas próprias palavras. Mesmo quando ri, esconde um rasgo de melancolia, como se todos os percalços por que passou tivessem ferido tão profundamente sua alma que a cicatriz é enorme e sempre aparente. Não se acha completo. Está sempre em dúvida se fez a coisa certa, ou se a sua vida seria melhor caso tivesse ficado no país-de-origem. Nunca saberá porque tenta se convencer que é vitorioso e isso seria admitir a derrota.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A voz da Inglaterra

[Resenha originalmente publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional]

Nos últimos anos, os produtores de cinema descobriram um filão para colecionar Oscar de melhor intérprete: colocar seus atores para se passar por uma grande figura inglesa do século XX. Começou com “A rainha”, e um retrato da rainha Elizabeth II no conturbado período após a eleição do primeiro-ministro trabalhista Tony Blair e, logo em seguida, a morte da ex-princesa Diana. Prêmio para Helen Mirren, como a monarca que teve que se adaptar ao tempo dos impérios midiáticos para se manter popular em seu próprio reino.

Depois veio “O discurso do rei”, que abordou a ascensão ao poder do pai de Elizabeth, George VI, após a morte de seu pai, George V, e a abdicação do seu irmão que – horror dos horrores, para os ingleses – decidiu se casar com uma mulher divorciada, e – ainda pior – americana. Estatueta para Colin Firth, que criou um rei gago, inseguro, mas deveras corajoso.

Por fim, neste ano, Meryl Streep levou mais uma das estátuas douradas para a estante de casa por interpretar a conservadora ex-primeira-ministra Margaret Tatcher, num filme que mostra o quanto a “Iron lady” era polêmica, principalmente por acreditar numa política aprendida na quitanda do pai, extremamente competitiva, que prioriza apenas o mérito.

Representação tímida
Curiosamente há um personagem que pode ser classificado como uma quase metonímia do século XX, e que ainda não se transformou em material para as produções cinematográficas de grande porte: Winston Churchill. Se fizermos um apanhado das citações ao ex-primeiro-ministro inglês em filmes diversos, via o site de dados IMDb, percebemos que Churchill é uma figura popular, aparecendo em diversas participações especiais, inclusive no próprio “O discurso do rei”, mas raramente como protagonista. Todavia, Churchill foi objeto de uma curiosa obra criada diretamente para a TV em 2009 chamada “Into the storm”, que narra em retrospectiva como foi a primeira das suas passagens pelo famoso endereço de 10 Downing Street – residência dos chefes de governo britânicos.

O filme é uma espécie de continuação da produção “Gathering the storm” de 2002, igualmente direcionada para a televisão, que fala sobre o período logo anterior da Segunda Guerra Mundial, em que Churchill era uma voz isolada contra o crescimento do nazismo na Alemanha. Na verdade, a biografia de Churchill é tão rica e variada, que diversos longas-metragens provavelmente não dariam conta dela.
Filho de uma família nobre, mas sem dinheiro, estudou em colégios internos, longe dos pais. O homem que mais tarde ganharia o prêmio Nobel de literatura, principalmente por conta de suas obras “Memórias da segunda guerra mundial” e “A history of the English-speaking peoples”, foi um aluno medíocre. Para piorar, tinha dificuldade na fala – logo ele, que seria conhecido pelos seus discursos de incentivo aos britânicos. Adulto, entrou nas Forças Armadas e participou das incursões em Cuba, Índia, Sudão, na segunda guerra dos Bôeres. Virou prisioneiro na África do Sul e conseguiu escapar de maneira espetacular, se tornando um herói nacional na Inglaterra. Entrou no parlamento em 1900. Foi na maioria do seu tempo político do partido conservador, mas quando assumiu o governo fez uma coalizão exatamente com os trabalhadores, a segunda força do congresso. Foi figura ativa na Primeira Guerra, sendo o comandante da Marinha. Foi pintor. Historiador. Foi jornalista, correspondente de guerra . Imortalizou o “v” de vitória feito com o indicador e o médio. Representou e incentivou a Inglaterra em um período dos mais complicados... Cada uma dessas facetas merecem ser exploradas em separado. Talvez por isso que em Londres há um museu inteiramente dedicado a ele, o Churchill War Rooms, exatamente no lugar onde ele se reunia com o seu gabinete para discutir os rumos do país, durante os bombardeios em Londres da Segunda Guerra Mundial.
Into the storm
O longa-metragem de 2009 é focado só no primeiro período em que ele assumiu o governo. No início, ouvimos um dos seus discursos mais famosos, pronunciados durante a guerra, quando Churchill anuncia que a Inglaterra deve lutar até o fim, nos mares, montanhas, nas ruas, que os ingleses devem defender a sua ilha a qualquer custo, e que eles nunca devem se render. É de arrepiar.

O filme começa um pouco antes, quando ele é escolhido para assumir o cargo principal, e o acompanha até o fim, quando ele perde a eleição para se manter no poder. Durante a guerra, porém, ele é uma figura indispensável. Enquanto a Europa toda está sendo invadida pelos alemães, os soviéticos se mantinham em stand-by, e os norte-americanos simplesmente ignoravam – no sentido de não se importar com – o que acontecia do outro lado do Atlântico, a Inglaterra era praticamente a única potência contra os nazistas.

A ilha, nesse período, entretanto, parecia ainda menor e mais frágil do que ela é, principalmente quando era comparada aos então aliados EUA e URSS. Churchill parecia, na intimidade, inseguro em suas decisões, cometendo erros, sendo duro e ríspido. Mas jamais perdendo sua estima e, principalmente, o que os ingleses chamam de “wit” e que é mal-traduzida como “perspicácia”. O filme nos brinda com diversas de suas frases famosas e tiradas espirituosas. Por exemplo, quando ele vai aos EUA tentar angariar o apoio de Roosevelt. Churchill recebe o colega norte-americano na banheira em seu quarto de hotel. Ao se levantar para se secar, sua toalha cai. Sem perder a presença de espírito – outra possível tradução para “wit” –, Churchill fala: como você pode ver, não tenho nada a esconder. Roosevelt e Churchill se tornariam amigos, o que não se pode dizer entre o inglês e Stálin.

Fascinado pela guerra
“Into the storm” mostra ainda que Churchill era o homem certo para aquele específico momento. Um político com ligação forte com os militares, inclusive optando por criar uma pasta de defesa durante o conflito, e se autointitulando ministro da defesa. Tinha o dom da palavra, bem comum aos líderes daquele período histórico do amadurescimento do rádio – basta pensar em Hitler, Mussolini ou mesmo em Vargas, ou em como era importante para o rei George VI fazer o seu discurso. Era um homem que lutava pelos ideais conservados pela tradição inglesa, a ponto de defender o império britânico, e reclamar da invasão japonesa em algumas de suas colônias no sudeste asiático. E, principalmente, era um líder fascinado pela guerra. Há uma cena em que Churchill desaparece do gabinete subterrâneo para assistir assombrado e ao mesmo tempo fascinado ao bombardeio de sua cidade pelos alemães.

Ao fim da guerra, pode parecer estranho que o homem conhecido por unir o Reino Unido no seu momento mais crítico em muitos anos tenha perdido a eleição. A Inglaterra e o mundo, porém, tinham mudado. O socialismo crescia, os soviéticos dominavam metade da Europa, e na outra metade os americanos injetavam dinheiro para reconstrução, e para manter o perigo vermelho controlado. A guerra, agora, era fria. As qualidades de Churchill não eram mais indispensáveis. Ele até volta ao poder em fins de 1951, poucos meses antes da morte de George VI e, consequentemente, da subida de Elizabeth II. Mas, então, o filme já era outro.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Subindo aos céus


Essa escultura de mármore - sim, mármore - na St. George's Chapel, no castelo de Windsor, foi, provavelmente, o detalhe que mais me chamou a atenção em toda a cidadezinha. E olha que a concorrência era forte. Essa escultura, retratando a princesa Charlotte, filha do homem que viria a ser George IV, e neta do George III. Ela tinha perdido dois fetos anteriormente, e conseguiu completar essa gravidez, mas o bebê morreu no nascimento. Charlotte morreu no dia seguinte. Por conta disso, e por conta de uma série de mortes de príncipes, quem subiu ao trono foi a famosa rainha Victoria.

De toda forma, a questão histórica importa pouco, para mim, ao tentar justificar o porquê de eu ter ficado tão impressionado com essa escultura. Também é fraca a justificativa do significado da obra: não é difícil descobrir que a moça subindo aos céus amparada a dois anjos é a mesma Charlotte que também está deitada, embaixo. Porém, dois pormenores são os responsáveis por boquiabrir-me. Primeiro, a posição de Charlotte deitada de lado, como quem acabou de lutar contra a morte, e perder, e, principalmente, o detalhe dos dedos da mão direita saindo da mortalha, como se comprovassem que há um corpo ali, que houve vida nesse corpo e que agora ele jaz, pela eternidade. O segundo é o drapeado das roupas das damas que choram a morte de sua princesa. A todo momento que eu olhava para essas ondulações, eu me esquecia que eram feitas de mármore, esse material tão duro. Como se eu acreditasse por completo na "ficção" que o artista Matthew Cotes Wyatt criou no cenotáfio. De repente, porém, eu me lembrava que aquilo era mármore e despertava, assustado, como quem cai de um sonho pesado e ficava, novamente, impressionado. Para logo em seguida, me esquecer disso outra vez e ficar impressionado com a mão e o drapeado, e depois, me assustar novamente. Fiquei nesse jogo entre me esquecer e lembrar durante todo o momento que estive na capela, e até agora, quando eu a olho novamente.

sábado, 12 de maio de 2012

País de emergência

Talvez não seja justo julgar o nosso país de longe, talvez seja um pouco de covardia, como se dissesse que eu não estou lá para ajudar e estou só a reclamar. Todavia, a distância sempre nos traz uma visão mais... hum... total da questão, além de poder fazer comparações menos rasas com esse segundo país que você vive.

De qualquer forma, a melhor justificativa para esse texto deve ser, provavelmente, um estalo que tive ontem, em conjunto, sobre uma das características mais marcantes do Brasil, para mim, hoje em dia. Não é nenhuma grande descoberta, como não é surpresa em se tratando de mim. É mais uma comprovação de uma conclusão que eu já havia lido em algum outro lugar - não me lembro onde - elevada a outras potências, que chega, após o fim do raciocínio, ao óbvio.

Pois bem. A frase lida [foi em "The Economist"? Não sei...] dizia que o sistema político brasileiro vivia sempre em crises. Isso, no plural. Nossas manchetes pulavam de escândalo em denúncia, apenas anunciando o problema e jamais se aprofundando em resolvê-lo. Quando ninguém mais lê, clica, assiste, se procura o próximo inimigo do reino para substituí-lo. Basta abrir o jornal em um dia qualquer, aleatório, para perceber que as manchetes catastróficas se sucedem. De certa forma, é surpreendente que ainda exista o Brasil.

Seria apenas um problema da qualidade jornalística se o caso se resumisse ao campo midiático. Entretanto, além de isso não ser possível, já que a mídia faz parte da sociedade, e, de alguma forma, ou de várias formas, reflete e representa o país que vivemos, esse problema é, como dito, um sintoma de uma doença que é comum em várias - se não todas - as facetas da sociedade brasileira. Somos o país da emergência.

Ler uma matéria que mostra como um caso não se resolveu, ou como demora um processo para se acabar é chato. Demanda trabalho. Requer atenção. Exige concentração. Chato. O processo normal é simples: eu leio a reportagem falando do novo desvio de dinheiro ou de como um poderoso chefão era influente na política nacional [quando leio], me revolto, solto meia dúzia de palavrões, me sinto mais aliviado, e vou para a praia porque o sol está forte lá fora. Esse blablablá luga-comum, chavão e clichê, ao mesmo tempo, que se repete diariamente.

Reparem, não sou contra a alegria, nem a descontração. Sou sempre a favor da, como chamou Machado, "filosofia ridente". Emergência, nesse caso, é um sinônimo, com sua significação alterada e reforçada, para o mais que conhecido "jeitinho brasileiro". Assim como o jeitinho tem a sua faceta positiva, como o lado da improvisação, por exemplo, a emergência nem é totalmente negativa - se não, tudo seria bem mais fácil. Somos uma nação que trabalha muito bem no caos, sem uma organização pré-estabelecida.

Um amigo meu sempre dá o mesmo exemplo: basta ver os preparativos nos barracões para a produção das escolas de samba para se ter a certeza que o carnaval nesse ano, infelizmente, não sairá. Como se sabe, essa profecia nunca se concretizou. Esse é um bom exemplo, a propósito, para se pensar que a organização, o não-trabalhar-com-o-prazo-esgotado tem as suas vantagens. Mesmo que os sambas tenham se transformado numa massaroca repetitiva, que os enredos tenham virado propagandas descaradas, e que ainda tenhamos que enfrentar diversos problemas históricos, já ouvi de alguns bambas que, com a cidade do samba, foram criados carnavais mais grandiosos que os que eram produzidos anteriormente [não estou julgando qualidade, por favor, mas quantidade].

A emergência tem o seu custo, claro. Caro. O mais caro possível. O mais óbvio exemplo foi mostrado naquela matéria do "Fantástico" sobre fraudes em licitações [o que aconteceu, aliás, com aquelas empresas? Como está esse processo?]. Uma das maneiras mais fácil de burlar o sistema de compras nos órgãos oficiais é deixar chegar o estoque de um determinado produto em níveis baixíssimos e pedir verba para comprá-lo em regime de... emergência. Como ouvi ontem, é nesse momento que se compra papel higiênico e um apartamento na Atlântica, ao mesmo tempo. Aqui cabe o bordão imortalizado nas redes sociais por quem chega ao Galeão nos dias de hoje: "imagina nas Olimpíadas..."

Provavelmente não somos os país mais emergencial do mundo, haverá sempre piores. Provavelmente somos a classe média nessa categoria, o que não impede de almejar melhorarmos, até mesmo, pensando altruisticamente, para melhorar a média mundial.

Não sugiro também a perda da espontaneidade, nem o fim da criatividade, quiçá acabar com o caos, tão característico nosso. Mas não posso acreditar que trabalhar fora do regime de emergência possa tolher essa nossa "vantagem competitiva". Além disso, se queremos viver nesse processo, deveríamos então achar soluções para que não continuemos a nos expor ao perigo por estarmos sempre colocando esparadrapo na janela despedaçada. Porque um dia ela vai quebrar mesmo.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sotaques

Em um intervalo de poucas semanas, eu ouvi de uma brasileira que mora na Alemanha e de um espanhol que mora em Londres a mesma frase: eu tenho orgulho do meu sotaque. Curioso, isso, para mim. O assunto é recorrente nesse semiabandonado espaço, como eu pude perceber aqui, aqui e aqui. Eu gosto de línguas, não tenho como esconder isso.

Chega um momento que a linguagem não é mais algo racional, vira orgânico, parte do ambiente. Para passar para essa nova fase deve-se antes, entretanto, enfrentar no fim da anterior o monstro da falta de fluidez e da ausência de passado em comum, que nos municiaria com balas de cultura anterior, com granadas de comportamentos e informações afins, com bombas de efeito educacional. Esse monstro costuma sempre aparecer nas fases seguintes, mas, então, você já vai ter mais confiança em si mesmo para respondê-lo, já que já o enfrentou, com outra armadura, anteriormente.

Porém, o sotaque... o acento é algo que nunca - ou quase nunca - abandona o deslocado. É capaz de passar séculos aqui e continuar errando pronuncias simples, ou ficando inseguro frente a uma palavra desconhecida. Ou simplesmente, denunciando sua origem com um simples "yes, sir".

Eu nunca gostei de ter um sotaque. No Rio, me perguntam de onde sou - digo, agora, mais confiante, e em tom de pilhéria, que sou de Nova Iguaçu, o que é uma meia verdade [não pelo fato de eu ter nascido lá, porque eu nasci, mas porque isso não quer dizer absolutamente nada, não responde à pergunta que me foi feita].

Quando viajava para fora do Rio, em pouco tempo, pegava o sotaque desses lugares. Era fácil me adaptar. Não queria ser rotulado como alguém do Rio. Ou, fora do país, como alguém do Brasil. Principalmente porque não sou nada do que se espera desses lugares, que, internacionalmente, muitas vezes se confundem.

A identidade carioca e brasileira - o que o outro vê normalmente sobre o ser que nasce e vive nessas terras é geralmente meio caricata, como qualquer identidade, aliás. Cristalizou-se uma série de estereótipos do apaixonado por futebol, louco por carnaval e samba, que ama a praia e o calor, e está sempre acriticamente feliz e sorrindo. Daí a vontade de querer não ser rotulado como brasileiro ou carioca. Costumo sempre acrescentar à informação de que sou brasileiro, a que sou um "péssimo brasileiro".

Recentemente eu descobri que sei imitar razoavelmente bem o sotaque do inglês mais pernóstico. E isso, curiosamente, me passou uma segurança maior com o meu próprio acento. Saber que a mais esnobe das maneiras de falar também pode ser ridicularizada mostra o óbvio: não existe qualquer hierarquia entre as falas. Mesmo que eles tenham mais vocabulário, mais recursos, mais autoridade para se expressar, mais justificativas, não quer dizer que você não pode, também, tentar, cheio de erros, confundindo tempos verbais, trocando palavras, se esquecendo como fala o "th", também --tentar-- se comunicar. É, como dizem aqui, "fair enough".

domingo, 6 de maio de 2012

'Wit' e o inglês

Uma das características mais marcantes que eu já mencionei [ou deveria ter mencionado] sobre o inglês é a sua habilidade com as palavras. Talvez esteja sofrendo da síndrome daqueles que descobrem que não sabem nada de uma língua que se julgava dominada e ficam admirados com as possibilidades de flexionar um idioma que é aparentemente simples, e pode ser utilizado com um gama pequena de palavras. Mas, mesmo nessas circunstâncias, há uma característica constante, independente da complexidade do discurso, e que tem um palavra bastante utilizada aqui em textos e conversas para exemplificá-la, e que sua tradução, como poderia ser óbvio, não transparece todo o seu significado: wit.

"Perspicácia" não é a mesma coisa. Em primeiro lugar, porque não usamos "perspicácia" com a frequência que eles usam. Para eles, "wit" é algo corriqueiro, para nós, "perspicácia" é uma palavra que quase exige um esforço para ser falada, seja pela sua estranheza, pela junção desse "r" com o "s", tão incomum, seja porque não usamos essa característica com a mesma regularidade. De toda forma, os ingleses parecem ter o dom da palavra, ou, ao menos, "wit" o suficiente para se expressar com inteligência e rapidez, ou complexidade e profundidade, nas suas conversas mais triviais.

Claro que nem todos os ingleses têm essa "presença de espírito" [uma outra possibilidade de tradução], muito menos são tão irônicos [uma das principais caraterísticas do "wit"] a todo momento. Mas é um traço da identidade inglesa, assim como, sei lá, a extrema facilidade de comunicação dos brasileiros. Nem quer dizer que outras pessoas não-inglesas não possam ter essa característica. Me lembro bem de um menino que nadou comigo há muitos anos chamado Alberto que sempre tinha a frase final de todas as conversas. Sempre inteligente, sempre definidora, sempre seguida de gargalhadas - dos que o entendiam. Geralmente ele ficava quieto, escutando enquanto nós falávamos todos os absurdos do mundo, e vinha, ao fim, soltar sua frase-torpedo que afundava nossa conversa-transatlântica.

Saber falar inglês é mais que aprender as palavras, a gramática, criar frases e responder "yes, please" ou "no, thank you" a todas perguntas. É estar consciente de uma série de códigos culturais que não se aprende em escolas fechadas, mas conversando, cometendo erros infantis [para eles], passando por algumas vergonhas. É saber que a língua esteja incorporada, de uma maneira automática, e, principalmente, com "sagacidade".