sexta-feira, 27 de julho de 2012

Todas as cores dos dentes de Zadie Smith


"Nunca ninguém me falou de multiculturalismo nas ruas onde eu cresci, com imigrantes vindos de cem países diferentes", disse em uma entrevista antiga a escritora inglesa Zadie Smith, autora de “Dentes brancos”, provável mais famoso romance sobre -exatamente- miscigenação na Inglaterra. 

O livro é de 2000. Smith, então, tinha 25 anos. A obra ficou famosa porque foi disputada, antes mesmo de ser escrita, por diversas editoras que ofereceram uma grana alta pelos direitos deste e do próximo livro que Smith escrevesse. Falam em £ 250 mil. Não importa. "Dentes brancos" merece todo o zunzunzum.

A obra tem como foco central a relação entre três famílias de diferentes origens: os Iqbals, de Bangladesh, os Chalfen, judeus, e os Jones, marido inglês, mulher jamaicana. Aliás, exatamente como o pai e a mãe de Smith, que, como a filha dos Jones, também teve ajuda de um casal da classe-média.

Em certo momento, lemos um trecho do livro de jardinagem da personagem de Joyce Chalfen, que se autodescreve como uma “feminista, horticulturalista e católica não-praticante” casada com um “intelectual judeu”, que serve bem como uma metáfora a essa miscigenação.

“... os jardineiros confiavam na promessa da auto-polinização das plantas na qual o pólen é transferido de um estame para o estigma da mesma flor [...], agora nós somos mais aventureiros, cantamos felizes os prazeres da polinização cruzada, onde o pólen é transferido de uma flor para uma outra da mesma planta [...], ou para uma flor de uma outra planta da mesma espécie [...]”  [numa tradução livre].


É no humor, IMHO, na forma como Smith trata essa questão, muitas vezes levada como séria demais, e que ela mostra, exatamente como ela afirmou na entrevista lá no início, a mistura está tão dissolvida que, às vezes, pode passar despercebida. Pode e deve. 
Where are you from, if you don't mind me asking?"
"Willesden," said Irie and Millat simultaneously
"Yes, yes, of course, but where originally'?"
"Oh," said Millat, putting on what he called a bud-budding-ding accent.
"You are meaning where from am I originally."
Joyce looked confused. "Yes, originally."
"Whitechapel," said Millat, pulling out a fag. "Via the Royal London
Hospital and the 207 bus."
Se voltarmos no tempo, lembramos que esta civilização tem no seu DNA a migração, e a conquista – como me contou, inclusive, um inglês, mas filho de chineses. Primeiro foram os romanos, que empurraram os povos celtas que viviam aqui para o outro lado da ilha. Depois, houve a invasão dos anglo-saxões. Por fim, chegou a vez dos normandos.

A própria linhagem da casa de Windsor da família real, até a primeira guerra mundial chamada de Saxe-Coburg-Gotha, tem raízes fora das ilhas britânicas. Portanto, se pensarmos nessa miscigenação, a Inglaterra, e Londres, como a sua cidade símbolo, nasceu misturada. Parece que só agora eles perceberam, porém.

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