"Nunca ninguém me falou de multiculturalismo nas ruas onde eu cresci, com imigrantes vindos de cem países diferentes", disse em uma entrevista antiga a escritora inglesa Zadie Smith, autora de “Dentes brancos”, provável mais famoso romance sobre -exatamente- miscigenação na Inglaterra.
O livro é de 2000. Smith, então, tinha 25 anos. A obra ficou famosa porque foi disputada, antes mesmo de ser escrita, por diversas editoras que ofereceram uma grana alta pelos direitos deste e do próximo livro que Smith escrevesse. Falam em £ 250 mil. Não importa. "Dentes brancos" merece todo o zunzunzum.
A obra tem como foco central a relação entre três famílias de diferentes origens: os Iqbals, de Bangladesh, os Chalfen, judeus, e os Jones, marido inglês, mulher jamaicana. Aliás, exatamente como o pai e a mãe de Smith, que, como a filha dos Jones, também teve ajuda de um casal da classe-média.
Em certo momento, lemos um trecho do livro de jardinagem da personagem de Joyce Chalfen, que se autodescreve como uma “feminista, horticulturalista e católica não-praticante” casada com um “intelectual judeu”, que serve bem como uma metáfora a essa miscigenação.
“... os jardineiros confiavam na promessa da auto-polinização das plantas na qual o pólen é transferido de um estame para o estigma da mesma flor [...], agora nós somos mais aventureiros, cantamos felizes os prazeres da polinização cruzada, onde o pólen é transferido de uma flor para uma outra da mesma planta [...], ou para uma flor de uma outra planta da mesma espécie [...]” [numa tradução livre].
É no humor, IMHO, na forma como Smith trata essa questão, muitas vezes levada como séria demais, e que ela mostra, exatamente como ela afirmou na entrevista lá no início, a mistura está tão dissolvida que, às vezes, pode passar despercebida. Pode e deve.
“Where are you from, if you don't mind me asking?"Se voltarmos no tempo, lembramos que esta civilização tem no seu DNA a migração, e a conquista – como me contou, inclusive, um inglês, mas filho de chineses. Primeiro foram os romanos, que empurraram os povos celtas que viviam aqui para o outro lado da ilha. Depois, houve a invasão dos anglo-saxões. Por fim, chegou a vez dos normandos.
"Willesden," said Irie and Millat simultaneously”
"Yes, yes, of course, but where originally'?"
"Oh," said Millat, putting on what he called a bud-budding-ding accent.
"You are meaning where from am I originally."
Joyce looked confused. "Yes, originally."
"Whitechapel," said Millat, pulling out a fag. "Via the Royal London
Hospital and the 207 bus."
A própria linhagem da casa de Windsor da família real, até a primeira guerra mundial chamada de Saxe-Coburg-Gotha, tem raízes fora das ilhas britânicas. Portanto, se pensarmos nessa miscigenação, a Inglaterra, e Londres, como a sua cidade símbolo, nasceu misturada. Parece que só agora eles perceberam, porém.
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