Ontem, fiquei decepcionado com o resultado do César Cielo na final dos 100m livre. Talvez não devesse, talvez não tenha nada a ver comigo, e eu não tenha esse direito. Mas fiquei. E não tenho como esconder isso. Decepção parecida igual a quando o Fluminense caiu para a segunda divisão.
Não foi porque ele ficou longe do pódio - isso é parte consequência de outros fatores e parte sorte. Mas porque achei que ele fez menos que ele poderia fazer. O mesmo sentimento eu teria, e até mais, se fosse australiano e visse o Magnussen perder para o americano Nathan Adrian, e principalmente para ele mesmo. Magnum fez um tempo muito pior que o que ele próprio tinha feito nas eliminatórias australianas. Se repetisse, teria uma medalha dourada no peito, não uma prateada. Quando marcou o 47.1, se gabou que não tinha para ninguém. Seria campeão olímpico. Adrian, com toda a justiça e com a sorte de quem não se importa com os adversários, se tornou o primeiro americano a ganhar a prova nobre da natação desde Matt Biondi, em 1988. O um centésimo de diferença
tem sozinho história na natação - que remete, inclusive e também, a Biondi.
Natação, diferentemente do que
pensam alguns nadadores, não é boxe. Você não compete contra ninguém, mas com alguém, e esse alguém é, tão só e apenas, você. Se você perder para si mesmo, é um derrotado. O único derrotado que pode existir, aliás. A medalha de prata não é humilhante quando você melhora o seu tempo. É uma superação pessoal. É fazer mais do que você fazia. É se tornar maior, melhor, mais rápido. Não é para isso que existe a Olimpíada? Já o ouro pode não ter gosto de vitória quando você piora.
Na prova de ontem, César Cielo piorou um segundo do seu recorde mundial, batido logo após as olimpíadas de Pequim, no mundial de Roma. Um segundo e um centésimo, para ser exato. Lá, ainda com maiôs tecnológicos, ele foi imbatível. Desde então, com mais fama, passou por momentos delicados. Trocou de técnico após o fracasso no Pan-Pacífico. Foi pego num exame anti-doping, e absolvido em seguida, o que foi criticado por alguns adversários [o que é normal]. Ficou novamente fora do pódio nos 100m no mundial seguinte, em Xangai. Jamais voltou a nadar na casa dos 47'. Nadou ontem, mas não foi o suficiente para repetir o bronze de quatro anos atrás.
O que me surpreende é essa piora. O que levou ele não conseguir repetir um tempo ótimo desde então? A resposta mais óbvia é o fim do maiô. Mas será que a vestimenta era responsável por um ganho tão grande assim? Outros resultados de outros atletas não mostram isso. Será que o maiô ajudava mais ao Cielo que a outros nadadores? Por quê?
Uma outra especulação é que o Cielo focou nas provas de 50m. É esse caminho que me deixa mais decepcionado. Não que ele não vá ganhar. Como disse a um amigo, acredito tanto na vitória dele nos 50m, que sugiro enviar a medalha pelo correio. Mas acho um atleta especialista em 50m tão limitado, que não consigo esconder a minha insatisfação. Os 50m são um prova de extrema força e agilidade. Vários esportes são baseados apenas nisso. O próprio lema olímpico, como citei acima, fala sobre isso. Além disso, a medalha dos 50m é tão importante quanto outra qualquer. Mas vejo a natação de maneira diferente - e talvez seja minha culpa, mesmo.
Além dos 50m, qualquer prova é divida entre a força e a resistência. Mesmo os 100m livre, ou outro 100m qualquer. Há sempre uma volta, uma segunda parte que se entrelaça com a primeira. É como se a primeira metade fosse relativa à natureza do atleta, ser explosivo e rápido, e a segunda, com a vontade dele, com o que ele se esforçou durante anos e anos para construir. É o treino, às 6 da manhã, numa segunda-feira fria, depois de um fim de semana de competição. É aquela série que antes de começar você acha que nunca vai conseguir fazer, durante você acha que ela jamais vai acabar, e depois, dá um sentimento de orgulho só por ter completado. É o momento que dói tudo, que o braço encurta, que a respiração fica ofegante e ainda falta muito, muito para terminar. É o tiro que te dá pouquíssimo descanso, para simular a situação de competição, mas que vem junto com um cansaço infinito. É o sentimento de você ultrapassou a si mesmo, diariamente, durante um tempo, e que no dia da prova, você vai nadar mesmo sem querer.
É a velha divisão: uma parte seria o genótipo, a outra, o fenótipo. Ninguém conseguiria ser como Phelps sem ter a sua altura e envergadura, o seu tronco avantajado, mas principalmente sem a sua flexibilidade. Ninguém faria como Phelps se não treinasse como ele. A natação não é, claro, o único esporte a demonstrar bem esses dois lados, mas consegue fazer uma metáfora na própria prova disputada. As metades, em que cada lado mostra quem é você.
Os 50m... Bem, os 50m são só metade da prova. É a versão nadadora daquela música cantada por Tom Cavalcante em homenagem ao Romário: "treinar para que, se eu já sei o que fazer".
Minhas esperanças foram reacendidas com o Thiago Pereira, entretanto, que está fazendo provas bem mais inteligentes que ele jamais fez na vida. Ontem, após a semi dos 200 medley, ele ainda deu uma declaração que me deu ainda mais confiança, mas confiança do tipo que jamais vai ser perdida com decepção. Ele afirmou que vai fazer o seu melhor na final, hoje, e espera que o seu melhor seja o suficiente para ganhar uma medalha. Não espero nada diferente disso. É simples.