terça-feira, 13 de agosto de 2002

Latinos

Éramos em quatro desde que mamãe nos deixou. Eu, meu pai e dois irmãos bem mais velhos. Papai todo dia, ao fechar a loja dava uma última suspirada pela janela, como que esperasse o dia que mamãe voltaria correndo para os braços dele.

Meu irmão mais velho completou dezoito anos em janeiro. Ele se chama Rodrigo, mas eu só o chamo de Russo, porque todo mundo o chama de Russo. Ele tem os cabelos bem vermelhos. Ele se alistou no exército. Vai ser um pracinha. Meu pai se orgulha muito dele. Eu o acho engraçado. Ele é todo desengonçado e gosta de dançar junto da sua namorada, Lane. Os dois vão se casar. Pelo menos é isso que o Tio Franco fala. Diz que um nasceu para o outro. Que dá para ver isso na áurea deles. Eu não sei o que é isso, mas acredito no Tio Franco.

Meu pai não gosta que eu encontre o Tio Franco. Ele e meu pai não se falam desde a época que mamãe foi embora. Ele ficou do lado da minha mãe, que foi viver com outro homem na casa dela, e contra o meu pai. Eu lembro que, quando eu era bem pequeno, meu pai e meu tio costumavam tomar vinho na taberna do Seu Paolo e voltavam para casa cantando música lá da Itália que só os dois conhecem.

Meu irmão do meio se chama Franco igual ao meu tio. Foi uma homenagem a ele. E o meu tio colocou o nome de Giovanni no seu filho mais novo em homenagem ao meu pai. Meu pai diz que Franco, meu irmão, puxou a cuca destrambelhada do meu tio. Os olhos dele sempre miram o horizonte.

Parece que meu pai tinha substituído as brigas com o Tio Franco pelas com o meu irmão. Meu pai vive a gritar com o meu irmão. De uns tempos para cá, meu irmão resolveu responder o meu pai. Isso me assustava muito. Russo sempre tentou interpelar mas, das últimas vezes ele não estava em casa, já estava no quartel.

Tudo por causa da Rosa. Uma menina muito bonita que mora na rua de baixo. Uma menina de cabelos castanhos que fazem ondas pelo seu corpo até no meio das suas costas. Quando eles se encontram, ela sempre está com um laço vermelho no cabelo e com um vestido com botões na frente. Meu pai diz que ela não presta. Meu irmão disse que a vida era dele e que meu pai não poderia mandar nele para sempre.

Os dois se encontravam normalmente na casa de Tio Franco. Toda a terça-feira. Meu irmão dizia que ia no curso de alemão, e Rosa dizia para os pais dela que ia para o grupo da igreja. Quando eles chegavam, Tio Franco saia da sala e os deixavam sozinhos. Eu sei disso tudo porque um dia estava lá na casa do meu tio brincando e vi os dois chegarem e sentarem na sala. Os dois começaram a se beijar e eu corri para o quarto.

A casa do Tio Franco não fica muito longe da minha casa. Toda a semana vou lá de bicicleta, na hora que meu pai está ainda na loja. Eu termino a lição de casa e saio para passear. Adoro sentir o vento no meu rosto.

Um dia meu pai me perguntou porque eu não atendi o telefone quando ele ligou. Disse que tinha saído para brincar um pouco com os meus amigos da rua. Meu pai achou estranho, porque eu nunca brincava com eles, mas achou melhor não dizer mais nada. E eu percebi que poderia falar isso toda a vez que eu quisesse ir na casa do Tio Franco.

Se meu pai soubesse que o Tio Franco está acobertando os encontros entre o meu irmão e a Rosa, ele iria ficar furioso. Igual naquele dia que, brigando com o meu irmão, ele disse que Rosa era uma mulher da vida que nem mamãe. O Russo entrou no meio dos dois, com uma mão no peito de cada. Eu estava assistindo tudo de cima da escada. Os dois pararam e cada um foi para um canto da casa.

Depois meu irmão saiu correndo e bateu a porta de casa. Essa noite ele passou fora e o meu pai ficou acordado. Meu irmão Franco chegou de manhã cedo cambaleando. Meu pai perguntou se ele tinha bebido. Ele respondeu que não tinha bebido, que tinha persistido. Russo, que tinha cochilado no sofá, foi fazer um café fresco, forte e preto, como ele mesmo disse, para Franco.

Ontem meu irmão trouxe Rosa aqui para a casa. Ela me cumprimentou e pude reparar nos olhos castanhos da cor de madeira vermelha dela. Pareciam que estavam com fogo. Eles subiram, foram para o quarto dele e a porta bateu. Fiquei na sala vendo algum desenho animado enquanto os dois não saiam de lá. Meu irmão tinha me pedido para tomar conta da casa.

Quando ele saiu, vinha com uma mala na mão e com a Rosa na outra. Passou por mim e abaixou. Disse que a partir de amanhã eu é que teria que tomar conta do meu pai. Ele me deu uma abraço apertado, levantou, ajeitou o chapéu na cabeça e saiu puxando a mão da Rosa. Ela ainda me lançou o último olhar, mas eu virei o rosto com medo.

Mini epílogo

Agora meu pai fica passa mais tempo na janela. Qualquer que seja o barulho ele corre e fica ali parado. Com o olhar distante. Parece que ele tenta captar aquele olhar do meu irmão. Dizem que era também igual ao do meu tio Franco.

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