terça-feira, 29 de outubro de 2002

CINEASTAS NA UERJ
Na próxima terça-feira, 05 de novembro, o auditório 11 da Uerj sediará o debate "Novas Tendências do Cinema Brasileiro e Mundial".
O evento, que conta com a participação de renomados cineastas como Zelito Viana (de "Villa-Lobos, uma vida de paixão"), José Jofilly ("Quem matou Pixote ?" e “Dois perdidos numa noite suja” ) e Ana Maria Magalhães (do ainda inédito “Lara”), discutirá tendências da sétima arte a partir da influência de outras mídias, como o videoclipe e filmes publicitários. O Professor Erick Felinto da Faculdade de Comunicação Social conduzirá o debate e levantará a discussão do uso de uma linguagem diferenciada no ritmo do cinema, com maior agilidade de imagens, que têm mudado a cara de recentes produções.
O debate é organizado por alunos do sétimo período da Faculdade de Relações Públicas da Uerj , terá início às 19 horas e tem entrada franca.
Maiores Informações:
Eduardo Melo
Tel.: 3806-2681 / eduardo.melo@acnielsen.com
Ronaldo Pelli
Tel.: 2527-6054 / ronaldopelli@hotmail.com
Carolina Costa
Tel.: 3806-2670 / carolina.costa@acnielsen.com

quarta-feira, 23 de outubro de 2002

um paradoxo: eu sou um hiperbólico eufêmico.

no futuro e no presente, devo apenas ser o simples e o real. mas, como achar a realidade se ela só existe para cada um...
li num brógui (da clarah, se quiserem o link, procurem lá embaixo. alguma coisa como brazileira!preta.blogspot.com) uma elocubração interessante sobre a eleição. ela dizia que, óbvio, havia votado (quase coloquei voltado) no lula. mas, deixaria as análises para pessoas mais capacitadas. concordei na hora com a menina.
mas não resisti. principalmente ao considerar que a única coisa - que considero - interessante que povoou a minha cabeça nessa última semana foi relacionada à política.

e, não direi nada sobre o lula. pelo contrário, até chegarei a defenderei algo que pode ser considerado diametralmente oposto.

todas as vezes que escuto que o governo fhc foi ruim, penso com meus botões, será mesmo? não, não me joguem pedras, eu não vou (voltar) votar no serra. muito pelo contrário. mas, como iremos analisar todas as atitudes do fh como errôneas e desastrosas? conversava ontem com a namorada de um amigo meu e argumentava que, para dizer que o governo dele foi horrível, deveria ou comparar as atitudes do fh com outras atitudes de outros chefes de governo nas mesmas condições. e isso é praticamente impossível, pois se houver algum presidente de outra nação que possa ser comparado no mesmo período do seu governo com fh, este presidente não terá governado o brasil, coisa que me parece realmente muito peculiar. e qualquer análise por esse ângulo é improvável, pois também não houve outro presidente do brasil- salvo acm talvez - no mesmo período que fhc governou. compará-lo não é uma tarefa fácil.

ou podemos também analisar todas as atitudes do governo fh com eventuais atitudes próprias e pessoais. tipo, o governo elevou a taxa de juros, eu não faria isso. ou, foi um governo estritamente ligado ao capital especulativo, não concordo com isso, apoiaria o capital produtivo. mas, nesse caso, vem a minha cabeça, será que qualquer outra atitude seria possível? como vemos estampados em jornais, o cobertor é curto, o governante deve optar ao usar a grana pouca que tem. ex., tese, o serra é culpado por ter retirado a verba dos caça-mosquitos no rio, antitese, teve a onda de dengue, conclusão, o serra é o presidengue. mas, ele optou por investir a grana dele contra a aids e lutar contra a indústria farmacêutica e do cigarro. é a opção correta? não sei, eu não faria isso, mas não posso dizer que é a errada. e ainda aproveitando o parágrafo, há um consenso sobre as coisas certas para serem feitas. todo mundo diz que deve aumentar o crescimento, diminuir as taxas de juros, apoiar a indústria nacional, incentivar a exportação e toda essa ladainha. isso é consenso assim como já virou clichê há mais tempo o tal do "basta investir em educação e saúde para diminuir a violência". mas, diga-me como farás e te direi quem és. como cada um fará, ou tentará realizar essas propostas é a questão máxima. (pausa para dizer que - eu também não votei nele, mas - o ciro foi o único que se preocupou desde o início da campanha em dizer a viabilidade das propostas)

todas as atitudes do governo são relativas, são escolhas que o governante (no brasil um caso de quase rei) deve tomar. e, para piorar, o presidente tem apenas uma bala no tambor do revólver. errou, perdeu. simples.

isso tudo para dizer que, por mais que vo(l)te no lula-lá, tenho uma capacidade absurda de ser pessimista em relação ao seu governo. acho que será, como foi o primeiro reinado de fh, de uma decepção absurda para quem votou nele. e, provavelmente, nem será culpa dele. lula tem os braços, pernas, e o que mais puder, amarrados por compromissos externos. só de ouvir falar em "superávit primário" deve se arrepiar. ele quer (ou deve, sei lá) apenas chegar intacto ao final do mandato. quanto menos faíscas, melhor.

(ps, o caso da compra de votos para reeleição do fh talvez seja o fato mais hediondo de todo o governo. comparável somente ao populismo cambial. duas atitudes que pouco se importaram com o povo. tinham o único pensamento voltado para a eleição)

quinta-feira, 17 de outubro de 2002

algumas pessoas acreditam que o ser humano pode ser o autor de sua própria história. com isso, não poderia se acostumar com o estado de sítio em que vivemos. dizem que temos que mudar. como?, penso a primeira hora e já escuto as respostas: a sociedade civil deve se organizar e lutar para tornar novamente a cidade segura. como?, penso novamente, e escuto novamente as vozes: a partir de organizações comunitárias, que já existem e que poderão ser criadas, cada um poderia trabalhar em função da segurança de toda a comunidade. e se alegarmos que queremos ficar em casa, assistindo televisão ou escrevendo ou apenas exercendo o sagrado direito de não fazer nada, o que dirão? Bem, provavelmente responderão que cada um decide o futuro, mas não poderemos reclamar de nada, já que não fizemos a nossa parte.

então, como todo bom preguiçoso, fico em casa. e reclamo.
se vc mora no rio, recebeu nas últimas semanas, meses, algumas notícias que mostram como vc está inseguro dentro da cidade. o direito de ir e vir, aquele, foi detonado.

isso, se considerarmos as reações de massa. há ainda as que acontecem personalisadas. um camarada que trabalhou comigo numa empresa multinacional, tentou fugir de um assalto em jacarepaguá e tomou um tiro na cara. ouvi agora no trabalho, que o garçom daqui voltava para casa na penha e tomou um tiro na cara. escutei, depois disso, que o marido da minha chefe estava em bangu e recebeu uma pedrada no carro, na altura da cara.

espantei-me boquiaberto. depois, coloquei os meus fones e voltei a trabalhar.

o mais impressionante é como vc consegue acostumar-se com essas emoções. a tal visão blasé é obrigatória, quase. não podemos viver só para isso. então vira uma rotina simplória, assusta-se e acostuma-se. assusta-se com algo mais escabroso e acostuma-se.

e elegemos uma garotinha.

segunda-feira, 14 de outubro de 2002

Poesias - da série, até tu brutus...

A criação de um mundo (24/05/02)

Pode-se imaginar
Outras realidades

Pode-se conceber
Outras percepções

Pode-se inventar
O já criado em algo novo

Pode-se transformar
A nossa realidade cotidiana para termos a diversão

Pode-se desconstruir
Toda nossa fé nas certezas pré-fabricadas

Pode-se viver
No apartamento tátil, e morar numa casa, com vista e varandão

Pode-se jogar
Um jogo onde não há duelos ou emoções desperdiçadas

Pode-se se alimentar
Somente de água e ar fresco

Pode-se fotografar
Os troncos das árvores molhados pela chuva

Pode-se caminhar
Na noite com frio e fumaça na voz

Pode-se acreditar
Na mudança extrema e constante

Pode-se ter fé
Na diferença como forma de vida e sobrevivência

Pode-se valorizar
Na criação, no gênesis, no nada e no tudo, num instante e no seguinte [também



O telefone mudo (28/05/02)

O telefone
Não tocou
Novamente

E eu que
Não esperava
Uma declaração de amor,
Uma namorada escondida,
Ou uma fada madrinha

Uma voz que
Seria reta e
Desconfortável

Com sons que poderiam
Ser muitos
Mas o pesar
Seria o mesmo

O tom infeliz
Várias oitavas
Abaixo do normal

A letra
Não importaria
E nem entenderia
Só a marcha fúnebre
Me chamaria


Durante o recital
A atmosfera de luto
Os olhos inchados
E a voz embargada

É questão de minutos ou dias
Para o telefone tocar.








Ela (14/06/02)

Se me olhassem
Com olhares
Além da compaixão

Se quisessem me
Segurar no colo
Por mais tempo

Se ousassem enfrentar
As suas bases afundadas
No solo

Se levantassem as mãos
E acariciassem

Se deixassem chegar perto
Ou permitissem entrar nas suas
Vidas, mais uma vez
Ou apenas olhar dentro de você

Se me autorizassem
A conhece-la

Se mexessem
Nas minhas vísceras
Ou brincassem de colar
Pedaços da porcelana

Se me convidassem
Ou apontassem a rua entre
Os dois morros
E o cume de ambos

Se houvesse
Alguma possibilidade,

Me avisariam?







A outra (18/09/02)

Quem agrada a outra?

Se penso e discuto
Quer mais instinto
Se falo a verdade
Quer que diga: eu minto

Se sou delicado
Quer que seja ignorante
Se apenas afirmo
Quer que eu cante

Qualquer atitude
É a errada
Quando reclamo,
Diz que é mal amada

Se a toco
Pede distância
Fala que dá
Vômito ou ânsia

Mas como sei
Que ela me quer?
Nem conheço assim
Essa mulher.

Fala que
Apenas quer curtir
Tenho medo
De que queira partir

Susto ou saudade
Da solidão?
A dúvida bate a porta
E foge a razão








Remexo o passado (27/09/02)

Descubro
Escondo
Conheço
Gosto
Molho meus lábios
Me assusto
Justo
Digo a verdade
Explode
Morde
Arranca um pedaço
Fecha a cara
Me liga
Eu ligo
Peço colo
Eu quero
Brigo
Vale a pena
Pergunto
Respondo
Duvido
Bate à porta
Surpresa
Não planeja
E aporta
Balança
Desafia
Modifica
Fica
Um abraço
Um braço
Um laço
Um maço
Fumaça
Sobe
Morre nos dedos
Ledo
Ledo engano
Gana
Anna.




A minha loucura

A minha loucura
É a forma de sobrevivência
O que os outros acham?
Basta de conveniência

Querem minha
Expulsão do asilo
Dos normais
Tudo bem.
Tratam-nos apenas
Como racionais

Decidem minha
Exposição ao
Ridículo
Há muito
Tempo engoli
Meu orgulho

Hoje, tenho noção
Da minha estatura
E do impacto no chão
De pedra dura

Não, não
Sou mais que mediano
O mundo é que
Mergulhou no pântano

Sei minha posição
Na estrada:
Insignificância e
Longa jornada

Porém,
Como sobrevivo?
Sem comida
Casaco, teto ou livro?

domingo, 13 de outubro de 2002

Tiros em Columbine

Normalmente quando você tem idéia da qualidade do filme que assistirá, este perde algum brilho, alguma empolgação, alguma coisa. Geralmente você sai da sala dizendo que esperava mais, ou que tinha feito outra idéia antes, ou que ficou aquém das suas expectativas. Por isso muitos amigos meus mantém o saudável hábito de manterem-se distantes de toda e qualquer tipo de informação sobre filmes antes de assisti-los. Coisa que eu deveria fazer, mas que não consigo. Não me arrisco a dizer que o “antes” filme é tão importante quanto o durante. Mas que há um valor em saber alguma coisa antes, do que se trata, de quem dirige, atua e etc, não consigo negar. E quase nada se compara ao depois, quando, na saída dos cinemas, pequenas multidões se aglomeram para lembrar as melhores cenas ou as melhores falas. Mas não era isso que eu queria dizer.

Queria falar sobre a expectativa que muitas vezes é frustrada pelos filmes. Às vezes o filme é isso tudo sim, mas a sua idealização o transforma numa obra menor. E isso não acontece só com filmes, o hábito de premeditar atitudes faz com que você só consiga vivenciar atitudes de segunda mão, porque já as imaginaram toda, com todos os resultados possíveis na cabeça. Por isso quando acontece alguma coisa inesperada, tanto em filmes como na “vida real”, gostamos tanto.

“Bowling for Columbine” é uma dessas surpresas. E do tipo mais raro. Quando saí de casa, sabia que se tratava de um filme sobre a tara que os americanos têm com armas. E em todas as conseqüências que isso pode detonar. O filme realmente não destoa desse mote, mas a maneira como toca no assunto, e as possibilidades de pensamento que ele mexe é muito mais do que poderia supor.

A partir da premissa de um assassinato de 12 estudantes e dezenas de feridos em uma escola de segundo grau a cidade de Columbine, onde dois adolescentes tiveram acesso a armas de fogo de alto calibre, Michael Moore faz um documentário pessoal na vã tentativa de explicar o porquê dessa paixão americana pelas armas. Desde as respostas simples, como a facilidade de compra de armas de fogo no território americano, até as mais complexas, ter uma grande população abaixo da linha da pobreza, e inovadoras, como diria o presidente da NRA (associação americana de rifles), a presença de miscigenação étnica, são visitadas e nenhuma responde definitivamente a pergunta inicial.

Através de exemplos de outros países, Michael Moore destrói todos os argumentos apresentados. Disseram que os garotos de Columbine praticaram o massacre porque gostavam de Marilyn Mason, por exemplo. Ele visita o cantor e transfere a pergunta. E recebe de volta respostas concatenadas e com muito mais sentido do que de todos os outros que o acusavam e que possuem armas. Marilyn Mason até propõe uma pequena interrogação, quem influenciaria mais o povo, ele, um cantor de rock, que tem até um relativo sucesso, ou o presidente que bombardeia e mata milhares só por uma questão “defesa de interesses”?

Sobre os americanos comprarem muitas armas, Moore responde que os canadenses também compram e tem o indício de mortes por armas de fogo 20 vezes menor. Os próprios canadenses têm um maior número de desempregados, quando comparados com os americanos, logo, segundo a lógica de que os menos abastados serem mais violentos, mais propensos a usarem armas de fogo. Outra teoria desconstruída era a de que os americanos seriam violentos por terem uma história violenta, com muitas mortes por causa da colonização e guerras civis. Porém o mesmo (mortes e violência) aconteceu em outros países, como Inglaterra e Alemanha, e os europeus obtêm índices de violência bastante inferiores. Sobre o problema ser da miscigenação que Charlton Heston propôs, ele nem gastou película para responder.

Mas, o que ele ressaltou e bastante, foi a sede da mídia em retratar sempre uma violência nos noticiários. Segundo um dos entrevistados, que eu não me lembro, em determinado estado, que eu obviamente esqueci, o aumento nos últimos dez anos de veiculação de assuntos violentos em jornais cresceu 600%, mas a quantidade de ocorrência caiu 20% no mesmo período.

Com essa quantidade de informação, as pessoas se assustariam e viveriam com medo. (Pausa para dizer que semelhante caso acontece no Brasil. Podem reparar. A única diferença é que aqui o número de casos só aumentou nos últimos 500 anos. E a informação só tendeu a acompanhar. Espetacularizando toda e qualquer informação, mas lado a lado no crescimento.) Com medo, os americanos comprariam mais elementos para se defender. Não é de se assustar que o mercado de armas é um dos cinco maiores segmentos de todos eua. Eles vivem segundo uma lógica simples, são assustados, compram armas para se defender, com isso provocam mais acidentes e carnificinas como a de Columbine, e se assustam e compram mais armas...

Talvez de tudo o que ele tenha dito, nada seja novo. Mas nada é óbvio para descartarmos logo e nunca vi ninguém tentando responder a perguntas tão simples e, ao mesmo tempo, desconcertante. Principalmente um americano. É bom saber que ainda há americanos que pensam e consegue observar a ferida na tentativa de cicatriza-la.


sexta-feira, 11 de outubro de 2002

É incrível a capacidade da nona sinfonia de Beethoven de te convencer logo nos primeiros acordes. É aquela do “tam, tam, tam, taaaaam”. Todo mundo conhece e todo mundo se convence de que essa música é sensacional logo ali, na introdução.

Basicamente qualquer obra (dita) de arte que envolve grandes públicos na forma de platéias, como música e cinema, deve tentar, ao menos, conquistar os espectadores o mais rápido possível. Ela corre um grande risco, caso não consiga envolver o povo que assiste, de perde-los durante a exibição da obra.

Na música contemporânea – do jazz para cá – podemos perceber que essa preocupação definhou um pouco. Porém a encontramos ainda forte em shows ao vivo. A primeira música tocada sempre é um hit. E somente bandas, djs e músicos corajosos tentam enveredar por áreas desconhecidas durante apresentações para grandes platéias.

Já no cinema, há filmes que te ganham nos créditos. “Seven” é um deles. Outros na primeira seqüência, como, não riam, “Os caçadores da Arca Perdida”. Alguém deve se lembrar. Harrison Indiana Ford Jones está dentro de algo que aparenta uma caverna. Ele deve resgatar um diamante enorme e para isso o substitui, numa espécie de balança, por um saco com um punhado de areia. Porém, o saco não é do mesmo peso, ou sei lá por que motivo, um pedregulho enorme rola por sobre o altar que ele está parado e se encaminha na direção de Indiana. Adrenalina injetada no sangue diretamente. Há ainda as famosas primeiras cenas, “Janela Indiscreta”, “Lavoura Arcaica”, e uma que o LFV sempre cita, “Os sete Samurais”, do Kurosawa.

Normalmente o filme te conquista no início, pelo ambiente e pela vivência que ele te transporta. Você começa a acreditar naquilo como se fosse a coisa mais real do mundo. Mesmo que seja “Muholland Drive”. Aliás, acredito que o maior valor desse filme seja exatamente esse, fazer um filme inexplicável, mas que ninguém consegue desgrudar.

Porém e quando o filme não fala para você? Quando, ao passar de muitos minutos, você começa a perceber que aquilo não pode ser verdade? Que alguma coisa está fora do lugar e, mesmo que estivesse correto, aquilo não pode existir?

No festival do Rio se vê de tudo, e um desses filmes que você espera entender o sentido foi “Meu Namorado Pumpkin”, que, graças, eu não lembro o nome do diretor. Apenas sei que é da mesma produtora do Todd Solontz (Felicidade, Histórias Proibidas) e que atriz principal é a Cristina Ricci.

E começa daí a sucessão de fatos inacreditáveis. A Cristina Ricci, ídolo do universo alternativo, faz uma loura desmiolada e patricinha que vive numa “irmandade” (ah, os estados unidos) na disputa pelo troféu da melhor casa do ano. Para ganhar, a chefe da comunidade sugere que elas façam trabalhos voluntários com garotos com problemas mentais (?). A Cristina Ricci toma conta de um chamado Pumpkin e você pode imaginar o que acontece.

É visível que o diretor, na trilha dos passos do Solontz, quis fazer um filme de humor nigérrimo. Só que muitas vezes não dá para se entender qual é a real intenção do filme. É uma sacanagem com os valores de vida de meninas fúteis e riquinhas e que só pensam em comprar e ter o namorado mais lindo. Isso é óbvio, mas as piadas são tão fraquinhas que sinto falta do clima tenso que paira em todo o “Felicidade”.

Pumpkin, só como um exemplo, começa o filme numa cadeira de rodas, completamente imóvel e dependente da mãe e termina numa corrida de revezamento, numa melhora espetacular por amor à Cristina Ricci.

Até agora não decidi se o filme é bom ou ruim. Acho que ele não entra nesses padrões simples de análise. Ele corre por fora. Serve como uma experiência única. Mostra atitudes que deveriam incomodar e, no máximo, fazem rir, quando não passam despercebidas. Mas acho que só por isso vale a pena ver. No vídeo, é claro.

quarta-feira, 9 de outubro de 2002

realidade

realidade
minha idade
que chama pelo interfone
apenas o meu nome

dura, fria e crua
destemperada, suja e nua

vem em
forma de gente
arrasta tudo
que nem fino pente

ou como
compromisso
onde não se
é omisso

te resgata
do fundo
e te joga
no mundo

não adianta
resistir
não há para
onde ir

uma força
incrível
que te torna
impassível

quando vejo
rostos conhecidos
é melhor
mantê-los adormecidos

ficar isolado
com minha sombra
sem nenhum bem
ou qualquer compra

um espaço
de verde
e pés descalços
fuga?
um tempo
sem percalços.

esquecer
da realidade
e voltar
para a ingenuidade

O Pianista

Ainda fazem filmes sobre o holocausto? Foi o que o Zé me perguntou quando cheguei em casa depois de assistir “O Pianista”. E era exatamente isso que eu pensava antes de começar a projeção. Depois de “A lista”, do Spielberg, achei que poucas coisas poderiam ser acrescentadas. Não que a “A lista” seja um filme impecável – ele é ótimo, mas escorrega em algumas horas – mas é que o horror da segunda guerra já tinha sido revisitado muito bem pelo cineasta judeu-americano.

Porém Polanski, como o próprio disse ao vivo, ontem no Odeon, talvez seja o diretor vivo mais capacitado para narrar o cotidiano dos guetos simplesmente porque ele viveu em um. Ele não estava inventando nada, tudo aconteceu da maneira como retratado “nem mais, nem menos”, como afirmou.

No início do filme, fiquei um pouco distante por causa da língua empregada, o inglês. Polanski responde. Segundo o autor judeu-polonês, era necessário que a película falasse a mesma língua que os americanos para ajudar na distribuição. Porém, demorou um pouco para engolir aquele bando de poloneses, com cara de “leste europeu”, como ouvi de uma mulher na fileira de trás da minha e fiquei encucado para descobrir o que ela realmente queria dizer, se expressando num inglês sofrível com sotaques e mais sotaques.

Porém o filme te ganha na hora em que começa a te bater. Ele transforma “A lista” do Spielberg em programa para crianças de tão leve e bonitinho. Ele mostra situações que, provavelmente, até já vimos em outras produções, mas nunca de uma maneira tão crua e tão direta. Um senhor, com a braçadeira de Davi no braço, anda na calçada quando encontra dois soldados alemãs que, para se divertirem, batem no velho. Depois ainda o expulsam do caminho aos berros de que para judeus só a sarjeta serve.

O filme tem duas partes bem distintas. E a primeira uma hora e pouco é de uma violência física e emocional que dão quase um enjôo. Comecei a tossir e só parei quase uma hora depois de ter terminado a projeção. É mais de uma hora sem tirar de dentro. Só porrada. E você sendo empurrado para dentro da poltrona, na tentativa de sumir, desaparecer, esquecer e ele te dá mais uma porrada. Quando você acha que vai melhorar, vai dar um fôlego, entra um grupamento do exército alemão em um dos prédios do gueto e jogam um senhor da cadeira de rodas pela janela. Ou um judeu tenta roubar uma mulher na rua e o objeto do desejo cai no chão, uma panela com comida. O homem apenas abaixa e começa a comer do chão imundo, como um cachorro.

A segunda metade começa, mais ou menos, de quando o Pianista, o personagem principal, consegue fugir do gueto de Varsóvia. E o terror que impressiona muda de figura. Agora a violência se torna basicamente psicológica. Ele deve ficar confinado em apartamentos, muitos colados a quartéis alemães, a espera de ajuda para se alimentar, sem ter certeza que será descoberto pelo vizinho e sem nada para fazer além de observar a janela. Aliás, várias tomadas dessa fase são feitas de maneira subjetiva. Para mostrar talvez que fomos e somos espectadores passivos da maior carnificina que já houve na Terra.

Talvez o que mais impressiona seja mesmo o realismo empregado pelo diretor para retratar o grande pianista judeu-polonês Wladislaw Szpilman no período em que viveu no gueto de Varsóvia. Ter nas retinas que aquilo que é mostrado na tela, que os alemães realmente se sentiam parte de uma raça superior, que consideravam judeus a escória do mundo só por terem nascidos judeus, e que para isso usavam de qualquer artifício para humilha-los e extingui-los, é verdade, faz repensar a sua fé no humano.

Ps. Pensei com os meus botões com o Polanski ali em cima do palco do Odeon, conosco de pé, palmas por mais de cinco minutos, com a anfitriã tremendo, se alguém ainda se emociona depois de ganhar uma Palma de Ouro em Cannes. E fiquei na dúvida.

Ps2. Não vi nenhum outro filme nesse festival que concorreu em Cannes, mas já acho que a Palma desse ano foi bem dada. Quem vai gostar vai ser o Dapieve.

Ps3. Especulamos o que a Luana Piovanni fazia ao lado do Polanski no filme de ontem. Sabemos que ele não é conhecido por ser exatamente um anjo. E que não pode entrar nos Eua por ter tido, digamos, um envolvimento com uma menina de 17 anos. E que sua mulher foi morta por Charles Mason. E que o melhor amigo americano dele é o Jack Nicholson. E que fez “Lua de Fel”. E que ela não é exatamente uma anjinha. Mas detesto especuladores.

terça-feira, 8 de outubro de 2002

estava angustiado, escrevi um emeio para uma amiga e melhorei. a íntegra.

olá menina,
ontem, de noite, quando cheguei da faculdade, recebi o recado que vc havia me ligado. mesmo com poucos recursos, tentei te ligar, mas o telefone insistiu em dar ocupado.

ontem eu voltei à realidade. a semana passada inteira foi uma coisa diferente. fui apenas um dia na faculdade e no trabalho. depois, fiquei na casa da minha irmã brasileira, com ambas. ontem, o que eu senti foi falta de segurança. na casa da minha irmã, tinha comida, cuidado, pessoas ao meu redor que me segurariam caso eu precisasse. voltei para casa e me sinto só. principalmente porque a menina de dezessete me deu um passa-fora e a outra da faculdade decidiu que ficará comigo só por caridade. as duas estão com pessoas ou situações mais interessantes ou então sem tempo.

fico num misto de caridade absurda com incapacidade de fazer bem as pessoas. não quero me convencer disso, mas a idéia de que fico com pessoas por um tempo, mas nunca por um bom tempo não sai da minha cabeça. parece que faço tudo errado e sufoco as meninas. mas não vou cair nessa neura agora.

como sempre, e como era de esperar, nesse exato momento gostaria de estar longe de tudo. e nunca mais voltar para a realidade. a realidade. a real idade. de volta para a ingenuidade. queria ser segurado no colo sentindo um calor do peito das pessoas.

menina, preciso de colo. de um abraço, de um ombro, de um ouvido, de um carinho, de um afago, de um beijo, de olhos fechados.

e por mais que as pessoas dizem que estão aqui para o que der e vier, não acho que seja completamente verdade. ontem tentei conversar, muito superficialmente, com algumas pessoas, eu vi o assunto desviado. nem culpo as pessoas. não devem ficar presos a uma realidade minha.

e então chego as perguntas. o que fazer além de esperar? e para que? me explica para que?

bjs

r
nem quero falar sobre todas as coisas que aconteceram na semana passada. há uma semana não encontrava a realidade como ontem. e o retorno não foi nada agradável. principalmente porque a realidade que encontrei tem piadas que não fazem mais sentido. ou porque esta realidade é chata, estranha e distante. é uma realidade que não é real. parece montada para ser, apenas. ficar fora dela, como no final de semana passada, apoiado nos escombros das minhas irmãs e minhas irmãs nos meus escombros, foi uma maneira agradável de perceber que existe alguma coisa lá fora. não que haja sentido, apenas direção.

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fiquei surpreso com a quantidade de pessoas no velório da minha mãe. eu, que achava que ninguém iria no meu, vi há amigos que estavam lá, mesmo sem eu ter dito a menor frase sobre o acontecido. pessoas que se preocuparam comigo independente do que iriam encontrar. supresas boas, essas são as melhores coisas da vida.
como diria LFV, do baú...

Cotidiano

Abriu os olhos porque não conseguiu dormir. Tinha passado a noite inteira
sentado na poltrona olhando para fora do apartamento, tomando gim puro e
com um maço inteiro de cigarros. Perto das seis da manhã resolveu fechar
os olhos para ver se conseguia se enganar. Nada.

Olhou para o lado e viu o despertador que marcava 6 e 10 da manhã. O tempo não
passava. A cinza do seu cigarro era a única forma de
percebe-lo. A cinza caiu no chão, ele não se importou e
deixou cair a guimba do cigarro.

Levantou-se pela primeira vez da poltrona desde a noite anterior e foi para
a janela. O sol ainda não tinha nascido mas estava para apontar. O céu
começava a acinzentar-se, puxava para o azul. Hoje será mais
um daqueles dias quentes, pensou ele. Não gostava de sol. Principalmente em
dias de semana.

Olhou de volta para a poltrona e viu a garrafa quase no fim. Percebeu um
pouco o amargo na boca. Mas não estava embriagado. Era o seu estado normal.
Só assim ele conseguia agüentar o mundo. Foi em direção ao banheiro e se olhou
no espelho, tinha os olhos fundos e a barba por fazer. Tomou uma
ducha rápida, pegou a espuma de barbear e colocou no rosto. Não podia
trabalhar barbado. Trocou de lâmina, começou a tirar a espuma, primeiro na
bochecha direita, de cima para baixo e depois o inverso. Percebeu um pequeno
filete de sangue que escorria, e tinha outro na garganta, então começou a fazer a
barba com mais violência. E logo apareceram outros filetes de sangue e
cortou o dedo ao tirar os cabelos do aparelho, abaixou o rosto para lavá-lo, e
olhou-se novamente no espelho e viu um rosto ensangüentado. Deu um sorriso e
saiu do banheiro.

Foi para o quarto. Abriu o guarda-roupa para escolher qual roupa iria usar.
Pegou uma calça preta e jogou em cima da cama intocada. Sentou e a vestiu.
Foi para a cômoda, abriu a primeira gaveta da parte de cima, viu o primeiro
raio do sol que passou pela janela e veio refletir no cano prateado que saía da
gaveta. Cabo de ferro revestido com uma mistura de couro e plástico duro.
Quinze balas no pente e uma na agulha.

Tirou a trava, puxou a agulha, colocou uma bala, fechou. Acionou o cão e
mirou longe da janela, apontando para todas as janelas dos
apartamentos que ele avistava, de um para o outro. O calor começava
a fazer efeito e ele começava a suar, apontava para as janelas,
cortinas vinhos, marrons, ar condicionado funcionando, janela escancarada,
ventilador ligado. Aparece um menino em uma janela ao alto. Ele aponta
para a criança, ela arregala os olhos assustados, ele fica imóvel,
percebe o medo de dentro do garoto, gosta do medo do garoto, começa a
esboçar um sorriso de satisfação. O garoto alivia-se. Relaxa um pouco
e também finge sorrir aos poucos. Os dois sorrisos crescem ao pouco
até o garoto se sentir a vontade. Os olhos dele continuam sérios, apenas
com um sorriso na boca. O garoto continua sorrindo, agora nervosamente,
até que pára. Ele puxa o gatilho.

Coloca o coldre preso no cinto, escolhe uma camisa cinza de botões cinza,
e um sapato baixo marrom, pega a carteira de dinheiro e o óculos escuro.
Caminha lentamente para a porta de saída da casa.

Fecha a porta da sala e se encaminha para o elevador, que demora. Ele saca a
arma e fica com ela engatilhada na mão, apontando para baixo. A camisa para
fora da calça dava a impressão de relaxamento que ele tanto desejava. O
elevador chega. Um casal de namorados em torno de 17 anos, que iam para
o colégio. Ele abre a porta e os dois param de se beijar. Entra e dá as costas para
os dois, olhando somente para o controle do elevador. Os dois não reparam na
mão dele. Ele começa a ouvir cochichos e risos baixos. Antes de chegar na
garagem ele aperta o botão para parar o elevador e se vira repentinamente
encostando o cano para a cabeça do rapaz. Escuta-se o estampido curto
e a menina se desespera com a quantidade de sangue que suja o elevador,
começa a gritar, ele aproveita e enfia o cano em sua boca e dispara.
O sangue deles se mistura com o do rosto dele quando ele passa a manga da
camisa para limpar o rosto. Aperta o botão que libera o elevador e salta na garagem.

Desce pelas escadas até o térreo. Empurra a porta da escada com a arma já
apontada para a direção onde fica o porteiro. Ele não estava ali, tinha ido
ver o que tinha acontecido no elevador. Ele se vira e abre fogo contra o
porteiro a queima-roupa na altura das costelas.

Sai pela porta da frente do prédio em direção ao ponto de ônibus. Caminha
lentamente. Guarda a arma no coldre, percebe o calor que faz, o sol está
forte, o céu não tem nenhuma nuvem. Dobra a rua e espera chegar o primeiro
ônibus, faz sinal e entra. Tira uma nota de dez e passa a roleta sem esperar
o troco. O trocador o chama e ele não atende. Senta em um dos muitos bancos
vazios. O trocador sai do seu lugar e vai até ele com o troco. Encosta nele
falando que ele tinha esquecido de pegar o dinheiro. Ele primeiro olha para
o dedo encostando nele. Acompanha o braço até chegar no corpo. E olha para
os olhos dele.

Coloca a mão na arma e pensa em quebrar o dedo dele, colocá-lo ajoelhado e
atirar na sua nuca. Mas desiste. Solta a arma, e estica a mão espalmada,
apanha o dinheiro trocado e coloca no bolso da camisa. O trocador pára de
sorrir e volta para o seu lugar.

Ele olha para fora do coletivo. O sol o incomoda mesmo com os óculos
escuros. O ônibus entra em ruas que ele não conhece. Repara em todos os
sinais com pessoas pedindo dinheiro ou vendendo algo, repara nas pessoas
que ainda dormem nas ruas debaixo das marquises ou em cima de bancos ou em
praças, repara em um grupo de meninos que estão parados juntos cheirando um
saco de papel, repara em um skatista que andam com um taco de baseball na mão.

O ônibus pára em mais um sinal. O garoto do skate vem deslizando
vagarosamente rente à calçada. Há uma velha que só esperava o sinal
fechar para atravessar a rua. O moleque a deixa passar na frente e a acerta
com o taco nas costas.

Ele levanta do seu banco exatamente nesse momento e corre para o motorista
pedindo que abrisse a porta dianteira. O motorista percebendo o seu olhos
injetados abre sem pestanejar. O skatista apanha a bolsa da velha e volta
para cima do skate para andar mais rápido. Ele saca a arma e vai na direção
do moleque mirando. Quando ele tem uma mira, atira. O garoto se desequilibra
e cai no chão. Ele caminha sem pressa até o garoto que tentava se levantar.
Ele chega chutando o braço de apoio do moleque fazendo-o cair, abaixa a arma
na altura da nuca e dá apenas mais um tiro.

Anda por ruas transversais fugindo do rebuliço que se forma. Entra
em uma rua muito arborizada e vê um policial correndo para a rua onde houve
o incidente, ele, tranqüilamente, deixa o PM passar para atirar nas suas
costas duas vezes. Quando o policial cai no chão ele vai até ele e
descarrega toda a arma. Joga o pente fora e coloca outro.

Chega em outra rua que faz a mão inversa à do incidente. Atravessa a rua e
pega o primeiro ônibus que passa novamente. Quando o motorista abre a porta
ele sobe. Sobe com a arma em punho, chega na catraca e coloca a arma no
peito do trocador que nem tem tempo de falar nada, dispara duas vezes.
Há desespero no ônibus, o motorista pára o carro e olha para trás para saber
o que acontecia, ele passa da catraca e fica na parte traseira do
ônibus, o motorista abre a porta dianteira e vários passageiros começam a
descer. Alguns quebram a janela e tentam sair por elas. O motorista tenta
sair por sua janela, ele começa a abrir fogo a esmo. Duas mulheres no fundo
do ônibus ficam paralisadas e não conseguem se mexer. Ele chega até elas e
pára, diz apenas "Pulem". Elas se levantam e saltam do ônibus.

Ele se encaminha para a direção do ônibus, escuta sirenes, escuta um
estampido, outro e mais outro, senta no banco do motorista, olha para
trás, para dentro do ônibus e percebe que mais ninguém estava dentro, dá a
partida e sai com o carro. Escuta vozes pedindo para que ele pare o carro.
Mais estampidos, acelera mais, na rua seguinte dois carros atravessados
interrompem o tráfego, vários homens atrás deles atiram, ele acelera mais
ainda, escuta os estampidos e sons de metais se desdobrando, acelera mais,
tiros, vê os homens da policia pularem de trás dos carros, acelera mais,
bate entre os dois carros de policia fazendo com que o cerco seja ineficaz,
acelera, sente um gosto esquisito na boca, passa a mão e olha o
sangue, olha para a camisa e vê mais sangue, está encharcada, começa a
sentir um pouco de tontura, acelera, os estampidos ficam mais
longe, há uma curva fechada que ele não consegue fazer e bate no poste de
esquina. Ele voa pelo pára-brisa e cai na rua, se levanta com a arma em punho,
atira em tudo que se move, olha vários policiais indo na sua direção, começa a
trocar tiros, acertam a barriga dele, ele não cai, continua a atirar,
acertam o ombro esquerdo, ele troca o pente, continua a atirar, até que
acertam o peito dele fazendo-o cair.


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O som da cinza caindo no chão o desperta. Não estava dormindo. Apenas tinha
entrado numa outra freqüência. Um transe. Esfrega os olhos inchados. Olha
para o relógio. Cedo. Muito cedo. Hora de se levantar. Leva o copo de gim na
boca. Meia garrafa resta. Levanta-se da poltrona. Vai para a janela olhar
como estava o céu. O sol ainda não tinha nascido. Mas o calor já estava
pesado. Prossegue em direção ao som. Tinha ouvido a noite inteira o mesmo
cd. Jazz. Desliga o aparelho. Senta na cama e toma mais um trago. Olha para
o nada. Imagina o que devia fazer. O pensamento corre. Toca o despertador.
Vira-se e o desliga. Vai para o banheiro. Caminha lentamente sentindo cada
nervo se alongar. Escuta estalos das articulações. Esbarra na porta de
entrada do banho. Tira a cueca. Esvazia a bexiga. Abri a água. Senti-a
gelada. Envolve todo o corpo. Tudo igual. Sempre igual. Fica alguns segundos
sem se mexer. O sabonete cai no chão. Volta a si. Tinha que fazer a barba
ainda. Enxuga-se porcamente. Olha-se no espelho. Passa a espuma. Desliza a
lâmina de um lado para o outro. Vê um filete de sangue. Depois outro. O
rosto é vermelho. Aproxima a face do espelho até encostar a testa. Dá
pequenas pancadas que aumentam de intensidade. Sente a visão turva, sangue.
Molha toda a cabeça. Enrola-a com a toalha. Escolhe uma roupa ordinária.
Camisa cinza para fora da calça. Abre a gaveta da cômoda. Um raio de sol
reflete dentro. Cabo emborrachado. Puxa a agulha. Coloca apenas uma bala.
Dedo no gatilho. Mira fora da janela. Indo de vizinho em vizinho. Percebe
que era observado. Um menino que sorria. Aponta para o pequeno. O menino não
sorri. Ele abaixa um pouco o cano. Olha diretamente para o menino. O garoto
pára. Ameaça um sorriso nervoso. Ele dá um sorriso. O menino... Ele aperta o
gatilho.

(888)

Sai de casa apressadamente. Espera o único elevador que funciona nesse
horário. Demora. Demora. Escuta alguns risos. Abre a porta. Casal de
namorados adolescentes que vai para o colégio. Ele fica de costas para os
dois. Eles continuam a fazer barulho. O elevador vai parando de andar em
andar. Sétimo. Sexto. Quinto. Quarto. Ele trava a porta. Vira-se e atira na
testa do garoto. Todo o elevador se suja do sangue. O moleque vai
escorregando até o chão. A menina grita. Ele encaixa o cano dentro da sua
boca.

Ele sai do elevador. Vai para a escada. Desce todos os andares restantes.
Percebe que a cabeça voltar a sangrar. Suja a manga da camisa. Abre a porta
do térreo. Vê o porteiro correndo em direção do elevador. Passa por ele. O
porteiro dá um grito em sua direção. Ele se vira e atira três vezes.

Encara o calor da rua de frente. Anda dois quarteirões até pegar o ônibus. O
sangue começa a se misturar com o suor. Ele passa a manga da camisa na testa
suja. Espera um tempo até o ônibus passar. Faz sinal para o ônibus parar.
Passa a roleta. Joga uma nota em cima do trocador. Senta no banco da janela,
no meio do ônibus. Escuta algum som estranho. Percebe um dedo encostando
nele. Segura o cano. Acompanha dedo, mão, braço, ombro rosto. Trocador.
Troco. Trocador sorrindo. Olha por alguns segundos os olhos do homem com o
dinheiro na mão. O trocador pára de sorrir. Imóveis. Ele larga o cano e
estende a mão para pegar o dinheiro. E coloca as moedas no bolso da camisa.

Olha para fora. Sinal de trânsito. Alguns moleques fazem malabarismos com
limões. Ele coloca a cabeça para fora. Um dos moleques deixa cair os frutos
no capô de um carro importado. O motorista abre a janela e grita algo. O
moleque corre em direção a uma praça onde várias pessoas dormem ainda. Ele
coloca a cabeça para o lado de dentro. O ônibus continua. Repara nas grandes
avenidas. Os prédios altos se encostam lá no último andar formando tetos.
Não conseguia ver o céu. Mas sabia que ele estava azul. Quente, muito
quente.

O ônibus entra numa área arborizada. Ele se levanta. Puxa a corda. Observa
um skatista que segura um taco de beisebol na mão. O skatista passa por uma
velha. Bate nela. A velha cai. O skatista pára e apanha a bolsa da velha.
Ele apenas olha para o motorista que abre a porta. Sai já com a arma em
punho apontando para o skatista. Dá o primeiro tiro e o skatista cai no
chão. Caminha lentamente para o corpo do ladrão. Tenta se levantar. Ele bica
o braço de apoio do skatista. Desaba. Ele encosta o cano na nuca. Escuta-se
um estampido em quase todo o quarteirão. O skatista cai inerte.

Ele entra em uma das ruas pequenas que cortam a avenida maior. Observa um
homem com uniforme vindo na sua direção. O policial passa por ele. Ele
descarrega toda a munição nas costas do homem. Troca de pente. Escuta alguma
balbúrdia da rua que vinha. Começa a correr. Chega à avenida que faz o
sentido oposta da maior. Atravessa a rua na frente dos carros. Faz sinal
para o primeiro ônibus.

O motorista pára. Abre a porta traseira. O rosto ensangüentado. Passa a
manga da camisa suja na testa. Sobe os degraus com arma em punho. Encosta no
peito do trocador e atira. O motorista pára o carro e começa uma correria.
Ele começa a atirar para cima e para os lados. Sem mira. As pessoas saltam
pelas janelas. Tropeçam, pisam nas outras. Ele vai para a parte traseira do
coletivo. Duas mulheres sentadas abraçadas imóveis. Ele encosta o cano na
mais gorda. "Saiam". Fala. Elas levantam e correm em direção a saída. Ele
caminha devagar para a frente do ônibus. Limpa a testa com a manga suja da
camisa. Senta no banco do motorista. Dá a partida. Ouvi sirenes atrás e dos
lados. Sai com o carro. Som de metal retorcido. Ele acelera. Vidros se
quebram. Ele passa dois quarteirões. Faz uma curva. Enxerga dois carros de
polícia impedindo o tráfego. Ele pisa mais. O ônibus passa no meio dos dois.
Desgovernado. Vai em direção ao poste. Ele é cuspido pela janela. Cai na
calçada. Senti a visão turva. Começa a trocar tiros para as suas costas.
Troca de munição. Senti o corpo sendo atravessado. O pensamento corre. O
corpo se desequilibra para trás. Abre os braços. As palmas das mãos para o
alto. Não escuta mais nada. A visão turva. Sangue. Sangue. Cai pesado.

quarta-feira, 2 de outubro de 2002

é incrível o egoísmo que invade as pessoas quando estão fragilizadas. penso, hoje, porque as pessoas riem nas ruas. qual o motivo de tanta graça, já que minha mãe está bem mal.
depois percebo que ninguém tem a necessidade de ficar triste por minha causa. pensamos que somos o centro do mundo, mas no máximo, temos uma posição que chama a atenção de conhecidos. e é impressionante isso. as pessoas realmente se importam. quem diria. são essas surpresas que me fazem sorrir. mesmo agora.

ou da teoria, se há problema sem solução, arranje outro maior.