segunda-feira, 29 de março de 2004

C.K.

Antes de vir para cá, (acho que já falei disso. Mais uma prova que eu sou um sujeito repetitivo...) fiquei tentando enumerar alguns americanos que tenham produzido algo realmente relevante (in my humble opinion). E consegui uns quatro ou cinco nomes sem esforço nenhum (se interessar: Woody Allen, o Sublime, o Interpol...). Quando cheguei, houve uma certa decepção porque os americanos da Carolina do Sul realmente comprova(va)m os piores estereótipos americanos. Foi como se um gringo chegasse no Brasil e encontrasse uma recepcionista vestida de Carmem Miranda, por exemplo.

Foi então que eu lembrei do Bill Murray e todo esse humor sarcástico que ele tão bem representa. A gente não precisa escutar ele falar nada para achá-lo engraçado, basta que o olhemos, com aquela cara dizendo quase sempre: "tu é um idiota, como não tinha percebido isso antes?". E eu tenho certeza que já escrevi sobre isso. Mas é que ele foi o primeiro, sabe como é. Agora foi a vez de comprovar que o Charlie Kaufman é fora-de-série.

Como no caso Murray, já conhecia o escritor-e-roteirista desde o Brasil, mas só aqui o sujeito me pegou pelos olhos. Não acho que tenha alguma coisa a ver com conhecer o lugar onde ele vive e entender melhor as piadas dele, nada disso. Acredito mesmo que tive a sorte de ver suas melhores coisas aqui, só isso.

Começou ainda na semana passada com o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind". Desde a primeira vez que tinha assistido o trailer dessa (?) comédia-romântica (?), fiquei fissurado em vê-la. Muito mais porque era dirigido pelo Michel Gondry (que até o momento é o melhor diretor de video-clipes do mundo) que por ter sido roteirizado pelo Charlie (e menos ainda por causa dos atores: Jim Carey, Kate Winslet e uma galerinha alternativete).

Esse meu comportamente se explicava porque já tinha visto os dois outros roteiros dele dirigido pelo Spike Jonze, "Being John Malkovich" e "Adaptation". Apesar de ser - o primeiro deles - inegavelmente diferente de tudo o que já tinha sido feito, numa época onde a originalidade NÃO é uma das qualidades prioritárias nas escolhas hollywoodianas, o que dá um mérito enorme para essa produção, "Being..." se torna meio chato ali pelo meio. Parece que era um filme com uma boa piada que se estica, sei lá. "Adaptation" também sofre do mesmo problema. Tem ótimas qualidades, um roteiro espetacular (com um formato original p'ra cacete, já que era impossível mexer muito no conteúdo), atuações memoráveis (Nicolas Cage em dobro) e surpreendentes (Merryl Streep cheirando uma droga verde? Quem imaginaria?), fica meio monótono ainda na metade.

Então veio "Eternal...". Rapaz, o que dizer daquele filme? Tem suspense, tem surpresas, tem uma puta história de amor que me fez soluçar, tem imagens inacreditáveis de bonitas, tem Jim Carey em mais um papel sério e ótimo, tem humor do tipo biscoito-fino e pastelão e tudo numa história que parece, a primeira vista, datada, comum, sem graça. Já entra para a minha lista de 2004 sem fazer nenhum esforço ou concessão.

Logo depois vi "Confessions of a dangerous mind" e vi que muitas das características se repetiam, só que com o plus de também pegar uma história convencional e transmutá-la em algo que, se não fosse tão bem feito, seria dificílimo de acreditar. E só então percebi que o problema do "...Malkovich" e do "Adaptation" talvez não seja quem o escreveu. Quase não acredito que algo escrito por ele pode se tornar chato. Quase. Talvez sirva para comprovar que um diretor pode salvar um péssimo roteiro, mas um roteirista pode ser estragado por um diretor (por enquanto) só mais ou menos.

Por favor deus - esse que n?o existe, numa paráfrase de meu camarada César - que eu queime minha língua sem dó.

Talvez esse seja o motivo que a filha do Coppola largou do tal diretor.

ps. ainda existe outro filme escrito pelo Kaufman, segundo o IMDB. Chama-se "Human Nature" e é só dirigido pelo tal Gondry. Vou hoje na locadora.

ps 2. De acordo ainda com o IMDB, o Kaufman e o Jonze 'tão se dando uma terceira chance. 'Tá em pré-pré-produção. Esperar para crer.

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