segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Filme de menino

Estava esperando uma história comum de herói contra monstros medievais, feito para crianças. Mas "Beowulf", o filme do Robert Zemeckis, é impressionante na abordagem adulta de um texto escrito ainda na primeira metade da Idade Média lá para os reinos anglo-saxões e nórdicos. (Aliás, fiquei até na dúvida se deveria ser classificado como filme para crianças. Na sessão que eu fui, 3D e dublado, os meninos ficaram tão impressionados que não se ouviu nenhum pio durante toda a projeção.)


Talvez o responsável pelo amadurecimento do projeto nem seja Zemeckis, cujo último projeto - "O expresso polar" - demonstrou que ele está mais impressionado com a técnica que com outras coisas, mas os dois roteiristas: Neil Gailman e Roger Avary. Por isso, o longa não se furta de diálogos de cunho sexual, sem nenhuma vontade de disfarçar o propósito, cenas da mais pura sacanagem e muita, muita violência.

O protagonista de quase todas as cenas violentas, Beowulf, também me surpreendeu porque, além de ser um super-herói, é um sujeito que gosta de contar vantagem de si mesmo, vaidoso e preocupado com a posteridade. Ao mesmo tempo que consegue se impor, sem armas, já velho, apenas com as palavras sobre um inimigo de machado na mão e 40 anos mais novo, inflaciona o número de monstros que matou em determinado momento. Não é comum encontrar um desses na esquina.

Também não é comum encontrar cenas de ação em qualquer formato de longa ou curta-metragem. "Beowulf", o filme, resgata o sentido de herói épico que estava apagado, depois de tantos heróis dúbios, anti-heróis e heróis por acaso. O sujeito encara um monstro sem armas ou armaduras porque o adversário também assim está. Ele também corta o braço fora se, para atingir um determinado objetivo, necessário for.

Ou seja, ao mesmo tempo que se vangloria dos feitos imaginários, dá muitos motivos para as pessoas acreditarem nele. Eu, por exemplo, acredito.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Delação e tortura

Delação, tortura, interrogatórios estão na moda. Está nos jornais de hoje (ou nos sites de ontem, o que dá no mesmo). Dois filmes que ou está em cartaz ou vai entrar dia 25, tratam de assuntos completamente diversos, mas que apresentam dois momentos em que o ser humano infligiu dor a seu semelhante com fim de obter uma "confissão" ou uma "informação relevante".

"Sombras de Goya", do consagrado diretor Milos Forman fala, entre outras muitas coisas, sobre como se era tirada as confissões dos hereges pelos padres inquisidores. Pode-se concluir, com uma lógica quase infantil, que não é nada confiável uma declaração dada por um sujeito que está pendurado pelos braços, quase quebrando-os, e de cabeça para baixo.

Já no "A vida dos outros", do estreiante Florian Henckel von Donnersmarck, o cenário é a RDA, na década de 1980. O objetivo é conseguir dados sobre desertores ou sobre vazamento de informações sobre os métodos pouco ortodoxos de manter a liberdade dos seus cidadãos. A tortura é menos física, mais psicológica: deixa o sujeito 40 horas sem dormir, em um interrogatório ininterrupto. Ou prende o "traidor" em solitária por meses até que se transforme num sujeito anódino.

Na chamada Alemanha Oriental, a técnica se desenvolve a ponto de adaptar os interrogatórios de acordo com a personalidade de cada um dos "suspeitos" e com o objetivo da missão. Na Inquisição espanhola, a delicadeza é colocada de lado em nome de Deus. O acusado respondia a um processo de, por exemplo 1, judaísmo por, por exemplo 2, não gostar de carne de porco e, se fosse inocente, de acordo com o pensamento da Igreja Católica, conseguiria passar por todas as provações - leia-se torturas - ainda adorando Cristo e renegando Moisés e todos os seus outros predecessores.

Em San Giminiano, cidadela de inúmeras torres e pouquíssima população a 40 minutos de Siena, na Toscana, visitei, rapidamente, um dos três museus da tortura do vilarejo que ainda mantém as casas e todo o seu perímetro como na Idade Média. Cadeiras com lâminas, Damas de ferro, pequenas pêras para dilatar os orifícios femininos e outros diversos aparelhos me deixaram mais certo sobre ser contra qualquer tipo de tortura, seja qual for o motivo e a razão - se é que há razão.

Por mim, Los Angeles não mais existiria e nenhum terrorista teria sido torturado por Jack Bauer. Não há diferença, em essência, entre praticar um ato cruel contra um homem, quem quer que seja, e matar outro, ou outros. As ações se anulam. A maldade, na sua origem de significado, é até pior no primeiro caso.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Cinebiografias

A grosso modo, as cinebiografias musicais recentes podem ser divididas em duas grandes vertentes: 1/ as que mostram um sujeito comum, pobre, que chega ao estrelato e, junto com ele, às drogas. Após muito sofrer, ranger-de-dentes e, normalmente, a família ou amigos em quem se apoiar, consegue retornar à carreira até um fim heróico. Ex.: "Ray", "Johnhy e June" e até, de certa forma, forçando um pouco a barra,"Piaf".

Já há outras [2/] em que mostra o desaparecimento do jovem talento, ou por causa do excesso de drogas - sempre elas -, por doença, ou por vontade própria: o suicídio. "The Doors", "Cazuza" e o recente "Control", sobre Ian Curtis, do Joy Division, fazem parte desse segundo grupo.

Curtis encarna, até hoje, um ideal romântico do sujeito perturbado que não agüentou o sucesso repentino e resolveu acabar com a vida. Atitude esta que refletiu em decisões mais ou menos fatais, de Kurt Cobain a Renato Russo.

Mas o filme não mostra apenas um frontman introspectivo, caladão e esquisito que alguns diálogos até podem apontar como verdadeiro. Pelo contrário. Por exemplo: Curtis trabalha, antes da banda, numa agência de empregos; é prestativo, comunicativo e até bem humorado. Ou seja, o sujeito que deixou uma legião de imitadores, seja no dançar (o próprio Russo), seja no estilo musical (Interpol e Editors, para ficar nos exemplos mais recentes e conhecidos), também pode ser retratado fora dos clichês do cara deprimido com epilepsia que resolveu acabar com a vida porque não aguentava mais o mundo cruel.

Mas a escolha do diretor Anton Corbijn, conhecidíssimo fotógrafo que já assinou clipes de U2, Depeche Mode e até Nirvana ("Heart Shaped Box") e capas de discos do próprio Joy Division entre outros, foi se apoiar na biografia da mulher de Curtis, Deborah, que gira em torno de um triângulo amoroso. Sabemos mais da vida do sujeito entre quatro paredes que em cima dos palcos e nos bastidores.

Ao fim, Curtis se mata "simplesmente" porque 1) brigou com a mulher, 2) estava bêbado, 3) queria sair da banda e 4) era epilético. Não vemos, ou pelo menos não vi, a transformação da vida boa numa ruim. Não sei, pareceu pouco, para mim - mas, também, quem sou eu para saber dos motivos que valem a pena se matar...?



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O filme vale, acima de tudo, pela fotografia de Corbijn, um sujeito que criou uma estética de videoclipe muito copiada brincando com o preto, branco e penumbras, além de silhuetas em sombra. Tudo muito bem feito.

E também por rever personagens esboçados ou espalhados em "24 hour party people". Tony Wilson, por exemplo, está de volta.

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Ao terminar, percebi que a última grande cinebiografia musical que foge um pouco do lugar comum que vi, recentemente, é, vejam só, "2 Filhos de Francisco". Além, é claro, de "Last Days", do Gus Van Sant.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Por que eu fui ao show?

Infelizmente um show de grandes proporções, com 70, 80 mil pessoas, não é julgado apenas pela apresentação em cima do palco. Pelo contrário, em considerando que, muitas vezes, é quase impossível enxergar os músicos dedilhando seus instrumentos, o restante - conforto, segurança, organização - é o que mais conta.

Por isso é possível dizer: o show do Police foi o pior que eu já presenciei em toda a minha vida. Sting, Copeland e Summers até se esforçaram, enfileirando sucessos um atrás do outro para que ninguém desse a desculpa de que estaria desenturmado. The issue was off-stage.

Para começar, a fila de entrada. Qualquer jogo do Flamengo leva mais gente que o show de ontem. Mas é improvável que algo seja tão mal feita como aquela fina de entrada - ou seja, inexperiência não é exatamente uma boa desculpa. Uma multidão era espremida num portão comparativo pequeno e andava dentro de um curralzinho na tentativa de chegar às catracas, que merecem um capítulo a parte.

Antes de apresentar os ingressos, todos do gramado passamos por detectores de metal desligados e nenhuma revista. A falta de precaução resultou no óbvio: um dos pouquíssimos bares do gramado foi assaltado a mão armada. Isso mesmo, um sujeito entrou com um arma e assaltou os caras que vendiam cerveja, que, aliás, também precisam de um parágrafo só para eles.

A confusão era tão grande, era tão difícil comprar uma água mineral que vimos um camelô vendendo copinhos tirados diretamente da caixa por R$ 4. Os bares só deveriam aceitar uma ficha comprada num único caixa - para todo o público do gramado. Como isso não estava funcionando, eles abriram a exceção e começaram a aceitar dinheiro. O resultado já é conhecido.

A insegurança era tanta que, em certo momento, houve uma briga em um grupo que demorou uns cinco minutos para ser contida por pessoas da platéia. Até agora, ninguém do "controle de acesso" chegou lá para conferir a questão.

Isso sem contar com o telão que não funcionou na primeira música, dando uma sensação de "por que mesmo eu paguei uma grana para vir para cá?" Ou como dizem: "Cadê o meu cocar?"

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Amigos que estavam em outras dependências disseram que o show foi tranqüilo, dentro do que pode ser um evento que reúna mais de 70 mil pessoas.

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Para coroar, um camarada meu, na saída do Maracanã, viu um acidente bizarro: um sujeito caiu de um passarela de acesso ao estádio em cima de uma menina. O cara conseguiu se levantar logo em seguida. A menina, não.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Circunstância e existência

1) Como vimos, a Europa é dividida ao meio, com duas filosofias de vida antagônicas. A parte de cima, organizada, a de baixo, uma bagunça. No meio, a França que faz a ponte entre os extremos. Para compensar (ou não) as fraquezas sulistas, os latinos podem se gabar de conseguir expressar a diferença entre a circunstância (estar/stare) e a existência (ser/essere). Nos nortistas, é a mesma expressão (to be / Sein, para dar os dois exemplos a mão) - pelo menos no inglês e no alemão...

Serviria para ser o orgulho nacional, como "saudade" para os lusófonos, se, o alemão, por exemplo, não tivesse outras quatro expressões para o mesmo sentimento: Heimweh, Verlangen, Sehnen, Sehnsucht. Ou seja, eu é que não conheço os idiomas nórdicos.

2) Já sobre o problema de ser ético, Borges (sempre ele), tem um conto em que narra como a ética pode pesar negativamente em uma decisão. Ele distorce por completo o conceito, transformando-o numa interpretação unilateral, que pode ser facilmente adotada pelos mais míopes.

Num esquema rápido, o conto narra a escolha, por parte de um professor catedrático de uma universidade americana, protestante e extremamente ético, de um mestre para o instituto. Dois sujeitos concorrem, (a) que ele nutre certa afinidade e (b) que ele detesta.

(b), então, escreve artigos furibundos contra os trabalhos do catedrático. O professor, claramente, escolhe (b), mesmo não sendo o seu preferido, apenas para mostrar que separava o seu julgamento técnico do pessoal. (b) explica, depois, que escreveu os artigos unica e exclusivamente para manipular o professor, sabendo de sua ética implacável.

3) Deve haver, e nós é que não descobrimos, uma vantagem dos latinos desorganizados sobre os nórdicos metódicos. Talvez seja essa leveza de levar a vida. Ou sentimentos ainda mais intangíveis.

Talvez eu preferisse o tátil...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Melhores do ano

Listas só são unânimes em relação às polêmicas suscitadas. A conclusão já é até lugar-comum. Entretanto, vendo pelo lado produtivo, imagino que servem para lembrar das músicas que devemos dar mais (ou menos) atenção. Exemplo é do disco novo da PJ Harvey que eu tinha ignorado, mas que já fiz o devido favor (a mim mesmo) e, eh, o adquiri. Ainda não o escutei direito, mas farei.

Aliás, essa é a segunda tese levantada. Com a quantidade imensa de informação, cada vez menos damos um segunda chance para uma música ou banda. Somente funciona quando um grupo tem um passado inteiro de crédito para gastar. Consumimos as suas economias em uma, duas audições. Apenas no caso do Radiohead e o seu "In Rainbows" me permiti uma terceira audição. E aí pegou.

O quinteto inglês sofre, coitados, de uma síndrome horrível: a de ter que passar pela seqüência de abertura que começou com o "Pablo Honey" (e "Creep") e passou por "The Bends" (e "Fake Plastic Trees"), por "OK Computer" (precisa dizer alguma coisa?) até a dobradinha "Kid A"+ "Amnesiac". Raramente uma banda consegue esse crescendo. Mais difícil ainda é um grupo desses se superar, quiçá se manter o padrão.

O posterior (de estúdio) "Hail to the Thief" tem momentos mágicos, como "Punch up of the weeding" e "There there", mas é um álbum "apenas" bom. Pouco para o nível acostumadamente exigente de nós, os ouvintes.

Já "In rainbows" é mais um álbum, digamos, tradicional. Ou seja, paira sobre a mesmice. Além disso, é roquenrol à Radiohead, claro. Isso quer dizer que conseguimos ouvir a bateria, por exemplo, em quase todas as faixas.

O dito-cujo tem uma seleção de fazer inveja a qualquer macaqueador recente dos trejeitos de mr. Yorke e cia. Só para citar algumas faixas: "BodySnatchers" com o seu impressionante final à "Do the evolution", do Pearl Jam; "All I need", que parece uma música comum, quase banal, quando começa a crescer com o pianinho safado até o final e a explosão; e, para ficar em poucos exemplos, a música do disco até agora: "Faust Arp".

Não se transformou no disco do ano, não porque é ruim. Mas porque a concorrência de Arcade Fire e seu "Neon Bible" e Beastie Boys e o seu "suco de tangerina" não deixou.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Porque vou

Vai ser cheio, a turnê é caça-níqueis, vamos apenas ouvir, de longe, três caras que mal conversam no palco, quiçá fora dele, estragando o gramado do Maracanã. Além disso, experiências com bandas reunidas (Pixies), em eventos superlotados (Pearl Jam) e no Maracanã (Rush) não me trazem exatamente boas lembranças, sempre. Por que, então, vou ao Police na semana que vem?

A resposta simplista diria que gosto de shows e Police já foi uma banda que eu escutei muito, principalmente quando não era eu que escolhia a música, ou seja, antes dos meus 10, 11 anos. Ou seja 2, as músicas estão circulando dentro das minhas veias, junto com os glóbulos brancos, vermelhos e as plaquetas. Não é uma das minhas bandas preferidas, e até acho que o som ficou datada.

Mas este é o preço de 1) ser razoavelmente novo e ter uma cultura musical pequena, mas suficiente para se lembrar quem e o que é o Police; e 2) viver num país periférico, onde é difícil ter opções musicais com certa freqüência. Assim, pagamos, e caro, para ver o trio. Que, pelo menos, troquem bengaladas ao vivo.