sexta-feira, 17 de junho de 2005

Emoções

Hoje a trocadora chorou. No ônibus em que vinha para o trabalho, sol a pino, calor lá fora, ela recebeu uma ligação, reclamou algo e não resistiu. Pegou a toalhinha onde normalmente enxuga o suor e secou as lágrimas. Tive impulsos de ir lá e dizer-lha que estava tudo bem, falar para se acalmar, afagar um pouco sua cabeça, mas fiquei com vergonha, não tive coragem. Sei que não é nada absurdo, mas chamaria muito as atenções para mim. Depois subiu no coletivo um ambulante, tentou fazer alguma piada, ofereceu-lha uma bala, mas ela não estava para conversas. Ele se constrangiu e desceu sem vender nada.

Pensei em como as pessoas normalmente não sabem lidar com a tristeza alheia. É comum que evitemos ficar infelizes. Principalmente agora. A depressão é a doença atual e as pessoas tentam de todas as formas esconder um abatimento qualquer. A droga do momento, por exemplo, é a da felicidade plena. Serotonina em cápsulas. Amor em comprimidos. Comunidades hedonistas crescem em qualquer ambiente. Micareteiros tentam prolongar o carnaval para o ano inteiro. Quem fica isolado, quieto, é visto como estranho, velho, ou aquele que não está aproveitando a vida. Como se houvesse uma única forma de viver, e quem não se enquadrasse dentro desse estereótipo seria descriminado. Mais um padrão, mais excluídos.

Gosto de chorar. Não porque valorizo a tristeza, mas porque me dá uma prova concreta que ainda sinto alguma coisa e não sou apenas um saco de ossos ambulantes. Dos oito aos 13 anos, não derramei uma única lágrima. Antes, chorava por qualquer coisa, depois, só voltei a chorar muito mais velho. Tornei-me frio, distante das humanidades. Com o tempo, pude perceber que esta não era a vida que queria para mim. Mas até hoje, quando choro, lembro-me dessa época.

Domingo passado, eu chorei. Era num evento social, com vários amigos. Não foi por tristeza. Durante toda a festa tinha ficado alegre, mas naquele momento, não foi exatamente por jubilo que chorei. Foi na penúltima música da festa. "Lonely Soul", do UNKLE - um projeto do DJ Shadow com a voz (nesta música) do Richard Ashcroft, do Verve. Aos primeiros acordes ainda pedi para o C. trocá-la. Sei que não posso escutá-la sempre, mas nunca tinha chegado às vias. R. estava comigo, em meu colo, a abracei forte e deixei a música continuar. No início, Ashcroft cantando, ainda conseguimos conversar. Porém, a voz se interrompeu e todos os instrumentos sumiram, até só ficar uma marcação quase marcial de um sampler de bateria, que lembra os tambores medievais anunciando a preparação para a guerra, em seguida as cordas calmas, mas em crescentes, e crescem, mais e mais, então, exatamente aqui, eu cai em prantos. Abracei-a mais forte e chorei de soluçar.

Na hora, me senti estranho. Nunca tinha chorado escutando uma música. Tentei achar algum motivo racional, e lembrei que esta é a música que mais me marcou durante a faculdade, sei de cor o exato dia que a escutei pela primeira vez - no rèveillon de 1999 para 2000, em Rio das Ostras - com os meus amigos que se tornariam a minha família. Também me lembrei de quando morei sozinho pela segunda vez, um dos piores momentos da minha vida, quando eu escutava essa música diversas vezes e pensava que ela se encaixava à perfeição para mim.

Mas não. Não foi por um motivo racional que eu chorei. Não foi porque tinha me recordado de alguma coisa. Enquanto a escutava, a música em si me envolveu de tão forma, eu entrei tão profundamente em sua melodia e acordes, e ela me emocionou tanto que não pude me conter. A razão já tinha sido ludibriada há muito. Quem estava ali em prantos era o meu eu mais íntimo, mais profundo. E então fiquei feliz por ter mais uma vez a certeza que ainda posso sentir alguma coisa pelas coisas belas e inanimadas.

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