Politicagem correta ou necessária?
- Minha mãe tinha uma aversão profunda ao desperdício. Como, aliás, uma grande parte das mães. Não gostava que deixássemos comida nos pratos. Apagava todas as luzes da casa, fechava as torneiras, pedia para que nos ensaboássemos com o chuveiro desligado.
- Quando veio o apagão e o racionamento obrigatório, ficamos, eu e minha mãe, sem saber o que cortar. Ela seria punida por ter sido econômica a vida inteira. Teríamos que diminuir um consumo que já era naturalmente baixo.
- Lembro-me de uma cena insólita. Tinha algo como 14, 15 anos. Brincava com uns garotos na natação e um deles arremessou talco, que usávamos em nossas toucas, no outro, derramando um bocado no chão. Gritei de onde estava que era um desperdício e emendei, talvez com uma lógica mais profunda que o momento exigia, que muita gente passava fome para que houvesse tamanho desapego aos bens materiais.
- Claro que os moleques me caçoaram afirmando que eu queria acabar com a fome mundial com talco. Nem consegui explicar todo o processo que tinha em minha cabeça. Hoje, rio apenas.
- É normalíssimo, contudo, conhecer pessoas que, simplesmente porque não vivem em escassez, praticam os maiores absurdos - na minha cabeça.
- Hoje presenciei uma discussão onde amigos meus diziam que, por exemplo, ao escovar os dentes deixam a torneira da pia aberta. E, argumentando, quase com sarcasmo, que quem se preocupava com isso era neurótico.
Eu sou neurótico, mas não é por isso.
- Realmente acho que, mesmo que tais recursos fossem infinitos, não seríamos nós a usar algo despropositadamente. Por que não usar apenas o necessário? Sou um grande partidário da reciclagem, porque não reaproveitar tudo o já utilizado em outros aspectos?
- Não sou defensor da causa verde, mas é inegável que nosso país não é um bom exemplo mundial. Seja porque aqui a opulência é confundida como riqueza, seja porque economia tem um ranço de mesquinhez.
- Agora, ter que convencer alguém em pleno funcionamento da razão da importância de fechar a torneira ao escovar os dentes é muito pior que explicar para os garotos da natação que dinheiro não cresce em árvores.
- Infelizmente ninguém é convencido com o óbvio. E o certo sempre é punido pelos erros da maioria. Isso é viver em sociedade.
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