Série personagens fictícios
capítulo 9: o viúvo
Acompanhando o féretro, Seu Bento está hipnotizado. Não como acontece quando se visita essas charlatonas, mas completamente envolvido com a cena. Era a sua mulher que estava sendo depositada naquela cova. Era tão profundo, como é que... Não fazia sentido pensar nisso. Não era possível... Não, era uma loucura imaginar nisso...
Tinham vivido juntos muitos anos. Bento nem mais lembrava, mas Dona Margarida, essa com certeza se lembraria de quantos. Eram muitos. O seu filho mais velho tem quase 50 anos. Agora, só, sozinho como nunca foi, o que faria? Como se comportar? E as pequeninas coisas? Lembrou-se do lanche da tarde. Todo dia, Margarida colocava a mesa, e tinha broa, um tipo de bolo, queijo. Como era gostoso aquele bolo de cenoura que ela sabia fazer... Quem colocaria a mesa agora? A filha o chamara para morarem juntos, ela tinha um quartinho vazio, mas não. Bento está velho demais para dar trabalho para a filha. E, além do mais, ele sabe se virar sozinho. Serviu o exército, sabe sobreviver. Foi no ano que conheceu Margarida. Ele tinha 18 anos. Tinha acabado de fazer aniversário... Então... Então... Foram 57 anos juntos. Nossa! Muito tempo. Muito tempo mesmo. E agora, ali, indo buraco abaixo... Quem é que vai passar o café fresquinho todas as manhãs?
Bento anda na rua sem se preocupar com a noite fechada. Sabe que é perigoso, mas, agora, nessa hora, não se preocupa muito. A casa está muito vazia, é um silêncio que fica zunindo no ouvido como uma mosca. Não adianta ligar a TV, o barulho não sai. E é até pior. De manhã, os programas de receitas que Margarida gostava. De tarde, a novela, de noite, mais novela. Desliga a televisão. Vai para a rua de novo.
Tenta fazer compras no supermercado. Isso é fácil, sempre acompanhava a mulher. Leva o carrinho para carregar as frutas, o leite e quem é que vai comer os biscoitos de mel e aveia? Devolve para a gôndola. Segue, tem que seguir.
Na rua, passeia, não anda. Não há pressa, por que chegar cedo em casa? Pessoas correm, hora do almoço, telefones celulares ao ouvido, conversas gritadas, nunca gostou desses aparelhos eletrônicos. A filha, Ilda, deu um computador para casa dos pais, mas ele ficou lá, parado. Só é ligado quando os netos vão visitá-los. Ou visitá-lo. Tem que se acostumar.
Na rua transversal, enxerga uma cena insólita. Um mendigo vende uma montoeira de livros. Há uma pilha que ele conhece bem: a Encyclopaedia Britannica. Sempre quis ter a Britannica. Mas a mulher falava: "Onde é que vamos colocar esses tijolos?". E ele, como não gostava de discussão, deixava para lá. Bento olha para o mendigo – maltrapilho, sem camisa, braço defeituoso, bafo de cana, olhos vermelhos – acha inacreditável que aquele sujeito tenha todos os 23 tomos que compõem a principal enciclopédia do mundo. Pega um na mão, abre, é a versão de 1945. Nada mal. Mas deve ser caríssima. Por curiosidade, nunca vai comprar, claro, vai colocar onde?, pergunta, "quanto é?". O mendigo responde: "50". Bento olha para os livros desacreditando: "está completa?", o outro confirma com a cabeça. Seu Bento pensa, será que é roubada?, mas em seguida percebe o quão absurda é tal afirmação. Quem conseguiria carregar 23 bíblias gigantes? Ou, pior: quem se interessaria em roubar livros comuns? Bento nem titubeou, sacou a carteira e: "Volto já com o carrinho vazio".
Primeiro ele empilhou os tomos na sala e ficou analisando as lombadas. Por onde começar? O que ler? Abriu a primeira parte, a que estava em cima e achou até engraçado: "W" de "weapons". As modernas máquinas de guerra da segunda guerra não são nada comparadas com as atuais armas de destruição em massa. Deixou de lado, pegou outro: "C" e ficou espantado. Encontrou "Corumbá": Rio caudaloso que corta Brasil e Paraguai. Também é uma cidade em Mato Grosso, no Brasil. Incrível. Há conhecimentos eternos. Nunca ficarão velhos. A História será a mesma. Ao rever o passado, ao olhar para trás, sempre se encontra as mesmas coisas. Os tanques da segunda grande guerra podem não mais serem poderosos, mas estão na História e não saíram - quiçá sairão - de lá. Dentro dA Enciclopédia eles encontram a eternidade.
Bento deitou-se no sofá, da maneira como sua mulher detestava, os pés sobre o encosto, se espreguiçou e ficou passando os olhos na Britannica. Era um inglês simples, até ele poderia entender. Sentiu, pela primeira vez desde muito tempo, um pedaço da felicidade. Estava tranqüilo, esboçou até um sorriso. Estava com a letra "N", Friedrich Nietzsche. Começou a ler a biografia do pensador alemão. Sua aproximação de Wagner, seu gosto inicial por Schopenhauer, os estudos dos gregos... E encontrou, escrito à caneta, uma pequena declaração: "Não procure o sentido, viva e deixe-o te encontrar". Bento largou o calhamaço sobre o peito e olhou para o teto branco. Como assim? Quem será que teria escrito isso? Para que, por quê? Eram tantas perguntas enfileiradas, tantas questões sem nenhuma resolução, que Bento se levantou. Aquilo era demasiadamente infreqüente para ele não se empolgar. Como é que ele poderia saber quem escreveu tais frases? Era só nisso que Bento pensava. Tinha que saber o porquê delas estarem ali, qual era o sentido real delas... Saiu à rua atrás do mendigo.
Nada. Era tarde, o mendigo provavelmente fora aproveitar a nota de 50 que ele tinha lhe dado. Ele não pode estar longe daqui, pensou Bento. Resolveu percorrer os botecos de péssima qualidade, aqueles que ele tinha evitado porque sua mulher não gostava. Agora não tinha mais motivo.
Como se pode imaginar, tal tarefa não é nada fácil. Bento andou pelas redondezas, entrou em galerias fétidas com sujeitos mal-encarados nas portas, em bares com corredores longuíssimos e balcões idem, e nada novamente. Bento meteu as mãos nos bolsos e voltou cabisbaixo para casa.
Uma noite em claro depois, Bento sai cedo à procura do mendigo. Fica esperando o sujeito no mesmo lugar que ele estava no dia anterior. Mas, será que ele viria? Procurou na memória e não se lembrou de tê-lo encontrado outra vez antes. Anda de um lado para o outro, e se ele não vier? Como é que fará para encontrar quem escreveu aquela frase misteriosa? E se deu conta que mesmo que o mendigo aparecesse ele poderia não servir para nada. Como ele saberia quem é que escreveu aquela frase? Se ele conhecesse o antigo dono já era um achado. Não poderia contar nem com a sorte dele saber... E nesse exato instante, o mendigo aponta na esquina, com uma camisa de botões, cabelo penteado, andar calmo e seguro. Não era ele, pensa Bento. Mas era. Ele estava, ele estava... Limpo... Sentiu-se um imbecil por pensar de tal forma, se censurou por demonstrar um preconceito, mas o sujeito realmente estava diferente. O mendigo, melhor, o homem se aproximou e reconheceu Bento. Abriu um sorriso sincero de simpatia e estendeu a mão. Bento logo a chacoalhou e em seguida falou: "Pode parecer loucura, e é, mas eu preciso de uma ajuda sua". O homem escutou Bento sem nunca desmontar o sorriso do rosto. Bento falava que, por mais absurdo que seja, mesmo não entendendo o motivo, tinha sentido a frase pulsar dentro dele. Era como se ela despertasse alguma fé escondida. Era estranho, nunca ocorrera nada assim. E, agora, depois que Margarida... Bem, agora que ele estava sozinho, sem ninguém, a Encyclopaedia e logo depois a frase, tudo o enchia de vontade de continuar. Novamente tinha algo para fazer além de acordar e esperar a noite para voltar a dormir. O homem o escutava sem alterar as feições e quando Bento acabou, um silêncio permaneceu no ar. Seu Bento ficou apreensivo, repetiu a questão para ter a certeza que o homem o entendera. O sujeito olhou para o céu e apontou para o alto: "ela mora ali". Seu Bento olhou para cima e ficou confuso: "Ela... Ela também morreu?". O homem abriu ainda mais o sorriso e não falou mais nada. Apenas desceu com o dedo apontado e mostrou a portaria do prédio em frente onde eles estavam. Bento começou a rir incontrolavelmente. "Aqui?", repetia e ria Seu Bento, "aqui? Ela mora aqui? Todo tempo ela morou aqui?”.
Bento agradeceu o homem, balançou novamente suas mãos com força – o homem sorria – e esperou alguém sair do prédio. Essa era a vantagem de ser um idoso. Raramente desconfiam de você. Não demorou e Bento estava caminhando nos corredores do condomínio. O homem ex-mendigo tinha lhe dito que o apartamento da mulher era no terceiro andar, de frente. Só quatro apartamentos por andar. Será fácil.
Saltou do elevador e as luzes se acenderam. Bento sentiu algo queimar dentro de si. Era uma ansiedade que não experimentava desde que era um moleque, desde a época que conhecera Margarida. Ela tinha sido o seu fim. O seu início e o seu meio também. Começaram e concluíram tantas coisas juntos. Construíram uma vida em comum. Sim, houve crises, como todo mundo, mas sempre entenderam que se eles se gostassem, e nunca duvidaram disso, deveriam contornar os problemas. As desavenças existem, mas se os dois cederem um pouco, podem fazer algo que agrade a ambos. E conversar. Isso. O segredo foi sempre conversar, jogar limpo, ser justo. Nunca esconder nada, nenhuma mágoa. Colocar para fora tudo o que incomodava. Era isso. Não deixaram que aquele pequeno amargo estrague o gosto do resto. Extirpar o câncer antes que se alastre.
A campainha, o coração batendo, o som ecoa. Escuta passos curtos, rápidos. Sorri sem saber o porquê. A porta abre vagarosamente e ele fica cego por um instante com tanta luz que vem da janela. Depois que consegue recobrar a visão, a visão: com quinze anos de idade, Margarida está em pé, do outro lado da porta.
sexta-feira, 30 de setembro de 2005
quarta-feira, 28 de setembro de 2005
Será que ainda tem jeito?
O Globo de hoje traz uma matéria sobre um prédio de inacreditáveis 11 andares construído na Rocinha. Entre outros detalhes, mostra que, numa construção vizinha, cobra-se R$ 1500 de aluguel. Nada mal, dá para se viver de renda assim.
Alfredo Sirkis, o secretário de Planejamento da prefeitura, diz que os traficantes locais impedem que ele faça o seu trabalho: "O controle militar do tráfico dificulta nossa atuação. Mais recentemente, detectamos indícios de que, além de explorar o gás e o serviço de mototáxis, traficantes estão envolvidos com construções na favela. Tivemos de ter o apoio do Bope para demolir este ano uma casa erguida em espaço publico ao lado de um Ciep."
E então, chegamos pela primeira vez a pergunta inicial de tudo: será que ainda tem jeito? Será que conseguiremos um dia ter uma comunidade integrada ao resto da cidade ao invés de um gueto, onde quem manda não é exatamente o Estado?
Mais a frente na matéria, a Secretária municipal de Urbanismo da administração Marcelo Alencar, a arquiteta Lélia Fraga diz que, na época dela, sugeriu levar todos os favelados "da Rocinha, do Vidigal, da Vila Parque da Cidade, da Vila Pedra Bonita e da Vila Canoa" para o que ela chamou de "área residencial" a ser construído na Zona Portuária.
E então a pergunta se modifica: será que jogar a "poeira" para debaixo do tapete é a solução? Esconde das vistas das classes-médias e está ok?
Não sei. Talvez a sugestão da sra. Fraga resolvesse o problema das péssimas condições de habitação. Mas duvido que os moradores do morro de São Conrado deixassem a praia, o conforto de morar próximo de tudo, para ficar na Praça Mauá, mesmo que com casas com toda a infra-estrutura.
O que mais me choca, contudo, é a contínua negação do Estado em entrar nas favelas. Vá lá que a Globo não queira subir morro, com medo que mais um Tim Lopes morra, mas o Estado? Não to nem dizendo para combater o tráfico, que isso seria pedir demais. É entulhar os guetos com diversos serviços públicos, gratuitos e de qualidade (ah, meus tempos de Uerj), ao ponto de transformá-los em um lugar melhor de se viver, onde as pessas tenham orgulho de viver e não precisem pagar (a mais) para conseguir que recolham os seus lixos ou pedir pelo-amor-de-deus para serem atendidas nas filas de hospitais no asfalto. Não sei se isso daria certo, nem em curto, médio quiçá longo-prazo. Mas, seria uma boa tentativa.
Mas o que é que eu estou falando aqui? O único morro que subi na vida foi o de Nova Iguaçu, que em lugar das favelas há mansões. Além do mais, sugeri que os governos investissem em infra e serviços básicos. Devo estar com a cabeça na Argentina ou Chile...
O Globo de hoje traz uma matéria sobre um prédio de inacreditáveis 11 andares construído na Rocinha. Entre outros detalhes, mostra que, numa construção vizinha, cobra-se R$ 1500 de aluguel. Nada mal, dá para se viver de renda assim.
Alfredo Sirkis, o secretário de Planejamento da prefeitura, diz que os traficantes locais impedem que ele faça o seu trabalho: "O controle militar do tráfico dificulta nossa atuação. Mais recentemente, detectamos indícios de que, além de explorar o gás e o serviço de mototáxis, traficantes estão envolvidos com construções na favela. Tivemos de ter o apoio do Bope para demolir este ano uma casa erguida em espaço publico ao lado de um Ciep."
E então, chegamos pela primeira vez a pergunta inicial de tudo: será que ainda tem jeito? Será que conseguiremos um dia ter uma comunidade integrada ao resto da cidade ao invés de um gueto, onde quem manda não é exatamente o Estado?
Mais a frente na matéria, a Secretária municipal de Urbanismo da administração Marcelo Alencar, a arquiteta Lélia Fraga diz que, na época dela, sugeriu levar todos os favelados "da Rocinha, do Vidigal, da Vila Parque da Cidade, da Vila Pedra Bonita e da Vila Canoa" para o que ela chamou de "área residencial" a ser construído na Zona Portuária.
E então a pergunta se modifica: será que jogar a "poeira" para debaixo do tapete é a solução? Esconde das vistas das classes-médias e está ok?
Não sei. Talvez a sugestão da sra. Fraga resolvesse o problema das péssimas condições de habitação. Mas duvido que os moradores do morro de São Conrado deixassem a praia, o conforto de morar próximo de tudo, para ficar na Praça Mauá, mesmo que com casas com toda a infra-estrutura.
O que mais me choca, contudo, é a contínua negação do Estado em entrar nas favelas. Vá lá que a Globo não queira subir morro, com medo que mais um Tim Lopes morra, mas o Estado? Não to nem dizendo para combater o tráfico, que isso seria pedir demais. É entulhar os guetos com diversos serviços públicos, gratuitos e de qualidade (ah, meus tempos de Uerj), ao ponto de transformá-los em um lugar melhor de se viver, onde as pessas tenham orgulho de viver e não precisem pagar (a mais) para conseguir que recolham os seus lixos ou pedir pelo-amor-de-deus para serem atendidas nas filas de hospitais no asfalto. Não sei se isso daria certo, nem em curto, médio quiçá longo-prazo. Mas, seria uma boa tentativa.
Mas o que é que eu estou falando aqui? O único morro que subi na vida foi o de Nova Iguaçu, que em lugar das favelas há mansões. Além do mais, sugeri que os governos investissem em infra e serviços básicos. Devo estar com a cabeça na Argentina ou Chile...
sexta-feira, 23 de setembro de 2005
Série personagens fictícios
capítulo 8: a ex-jornalista, atual empresária
Não dava mais, era o máximo que qualquer ser humano poderia agüentar: 16 horas ininterruptas de trabalho. Para quê? Para que conseguir sonoras com o secretário, apurar que nem uma louca todos os números do orçamento, da verba federal, ligar para Brasília diversas vezes ao dia? Para ser acordada por um assessor chato às sete da manhã, depois de ter dormido depois das duas da madrugada, que quer saber por que o nome do superintendente estava errado nos créditos? Para perceber novamente que sua matéria estava errada, do início ao fim, que ninguém leu a pauta que você deixou lá, que você ficou horas batendo, com todo o cuidado, que você saiu mais tarde só por isso, para entender tacitamente que todo o esforço foi à toa? Maria Antônia simplesmente desistia.
Levantou-se de sua mesa e foi na do seu chefe direto avisá-lo. Ele ainda tentou persuadi-la, mas Maria não conseguia escutar nada. Só pensava em sair por aquela porta que estava na sua frente e nunca mais voltar. Por isso, ela caminha enquanto o chefe tenta ainda convencê-la. "Tchau... melhor: adeus. Eu até gosto de você, Gil, mas não...", Antônia só balança a cabeça e vai-se embora.
Dias depois (período este que ignorou por completo os apelos do telefone para ser atendido), Maria voltou a si: o que é que faria para sobreviver? E, pela primeira vez em sua vida, uma angustiazinha gelou o seu estômago. E agora? Não queria apenas abandonar a TV, mas todo o jornalismo... Mas, o que é que ela sabia fazer além de produzir pautas? Além de escrever, ter contatos, marcas entrevistas, agendar vivos, o que é que ela sabia fazer?
Sempre fora tão independente: morava sozinha desde os 20 anos, não ia ligar agora para a mãe pedindo dinheiro. Não mesmo. Era a última coisa que faria. E Priscila? Mas Pri tá viajando, tá em Paris, de férias. Há as pessoas da TV, mas agora não quer conviver com ninguém de lá. Quer se desintoxicar... Há gente boa lá, mas não agora, agora não. Que tal o Breno, o ex-namorado? Eles mantêm uma relação legal, são amigos, se falam vezenquando, será que o Breno poderia ajudar? Bem... Olha... Melhor não... A última vez foi aquela coisa... Ele veio para a casa dela e já tava falando em morar ali, em reviver os velhos tempos... É melhor não.
Então era isso: era Maria Antônia e mais ninguém. Nossa. Dá um desespero pensar nisso. Ficar, assim, tão sozinha. Não ter ninguém para dividir as barras. Não saber nem por onde começar. Quem está dentro do turbilhão é sempre a pior pessoa para achar a saída. Por que a Pri tinha que viajar logo agora? Logo no meio da crise? Será que Antônia não agüentaria mais um pouco? Não, isso não. Só em pensar em voltar para aquela redação dá calafrios e ânsia de vômito.
Mas como sobreviver? Bem, um tempo, alguns meses, Maria consegue segurar. Tem o FGTS, as férias vencidas (15 meses trabalhando direta, que nem uma maluca!), algumas economias... Também, nunca dava tempo para sair. E quando dava, Maria Antônia estava tão cansada que ela queria só ficar em casa, vendo um filme na TV e dormindo antes do final. Isso realmente não era vida.
Maria Antônia foi meditar: o que realmente consistia o seu trabalho? Colocar, arranjar gente, das mais diferentes espécies, para aparecer na TV. E como isso era difícil, nossa. Pode até parece inacreditável, como assim, né, como assim não querem aparecer na televisão? Mas não é tão simples como parece. Porque o Gilberto sempre queria um sujeito tão específico, sei lá, um tenista destro que gosta de roupas azuis, e onde é que você vai achar um tenista destro que gosta de roupas azuis? Putz, isso era um saco. Mas até que dava para passar quando se conseguia. E ela já sabia até os macetes, então era suportável. O pior mesmo era agüentar o muito barulho dos repórteres por nada, o chilique do Gilberto porque não há o tal jogador de tênis destro, mas canhoto, e porque ninguém valorizava o seu trabalho, aquilo que você acreditava, que ficava horas a mais para deixar perfeitinho. Por que ninguém lia o que você escrevia? Será que os textos eram extensos? Bem, não importa. Nunca mais Maria Antônia Gomez Tremonti vai escrever uma pauta de TV.
Além disso, o que mais Antônia fazia? Bem, ela tinha projetos específicos e... Peraí... Peraí... E se... Será?... Mas, e se... CLARO! Por que não? Por que não criar uma agência de personagens? Por que não fornecer essa matéria-prima para as TVs do país inteiro? Os contatos, ela tem. Os meios de conseguir as pessoas mais esdrúxulas, ela sabe. Para ganhar dinheiro é um pulo. Ela cria um banco de dados, armazena cada uma das personagens, com dados pessoais e também as características mais marcantes que podem render alguma coisa. Olhar clínico, ela também tem. Promete para cada um deles a possibilidade de aparecer na televisão, quem é que não gostaria?, e cobra uma mensalidade mixuruca, só para manter o cadastro. Ela ganha no varejo. Não ia enganar ninguém e tornaria a vida dos coleguinhas muito mais fácil. Era um trabalho justo, ético, nobre como outro qualquer...
E foi assim que nasceu a primeira agência de personagens para fins jornalísticos.
capítulo 8: a ex-jornalista, atual empresária
Não dava mais, era o máximo que qualquer ser humano poderia agüentar: 16 horas ininterruptas de trabalho. Para quê? Para que conseguir sonoras com o secretário, apurar que nem uma louca todos os números do orçamento, da verba federal, ligar para Brasília diversas vezes ao dia? Para ser acordada por um assessor chato às sete da manhã, depois de ter dormido depois das duas da madrugada, que quer saber por que o nome do superintendente estava errado nos créditos? Para perceber novamente que sua matéria estava errada, do início ao fim, que ninguém leu a pauta que você deixou lá, que você ficou horas batendo, com todo o cuidado, que você saiu mais tarde só por isso, para entender tacitamente que todo o esforço foi à toa? Maria Antônia simplesmente desistia.
Levantou-se de sua mesa e foi na do seu chefe direto avisá-lo. Ele ainda tentou persuadi-la, mas Maria não conseguia escutar nada. Só pensava em sair por aquela porta que estava na sua frente e nunca mais voltar. Por isso, ela caminha enquanto o chefe tenta ainda convencê-la. "Tchau... melhor: adeus. Eu até gosto de você, Gil, mas não...", Antônia só balança a cabeça e vai-se embora.
Dias depois (período este que ignorou por completo os apelos do telefone para ser atendido), Maria voltou a si: o que é que faria para sobreviver? E, pela primeira vez em sua vida, uma angustiazinha gelou o seu estômago. E agora? Não queria apenas abandonar a TV, mas todo o jornalismo... Mas, o que é que ela sabia fazer além de produzir pautas? Além de escrever, ter contatos, marcas entrevistas, agendar vivos, o que é que ela sabia fazer?
Sempre fora tão independente: morava sozinha desde os 20 anos, não ia ligar agora para a mãe pedindo dinheiro. Não mesmo. Era a última coisa que faria. E Priscila? Mas Pri tá viajando, tá em Paris, de férias. Há as pessoas da TV, mas agora não quer conviver com ninguém de lá. Quer se desintoxicar... Há gente boa lá, mas não agora, agora não. Que tal o Breno, o ex-namorado? Eles mantêm uma relação legal, são amigos, se falam vezenquando, será que o Breno poderia ajudar? Bem... Olha... Melhor não... A última vez foi aquela coisa... Ele veio para a casa dela e já tava falando em morar ali, em reviver os velhos tempos... É melhor não.
Então era isso: era Maria Antônia e mais ninguém. Nossa. Dá um desespero pensar nisso. Ficar, assim, tão sozinha. Não ter ninguém para dividir as barras. Não saber nem por onde começar. Quem está dentro do turbilhão é sempre a pior pessoa para achar a saída. Por que a Pri tinha que viajar logo agora? Logo no meio da crise? Será que Antônia não agüentaria mais um pouco? Não, isso não. Só em pensar em voltar para aquela redação dá calafrios e ânsia de vômito.
Mas como sobreviver? Bem, um tempo, alguns meses, Maria consegue segurar. Tem o FGTS, as férias vencidas (15 meses trabalhando direta, que nem uma maluca!), algumas economias... Também, nunca dava tempo para sair. E quando dava, Maria Antônia estava tão cansada que ela queria só ficar em casa, vendo um filme na TV e dormindo antes do final. Isso realmente não era vida.
Maria Antônia foi meditar: o que realmente consistia o seu trabalho? Colocar, arranjar gente, das mais diferentes espécies, para aparecer na TV. E como isso era difícil, nossa. Pode até parece inacreditável, como assim, né, como assim não querem aparecer na televisão? Mas não é tão simples como parece. Porque o Gilberto sempre queria um sujeito tão específico, sei lá, um tenista destro que gosta de roupas azuis, e onde é que você vai achar um tenista destro que gosta de roupas azuis? Putz, isso era um saco. Mas até que dava para passar quando se conseguia. E ela já sabia até os macetes, então era suportável. O pior mesmo era agüentar o muito barulho dos repórteres por nada, o chilique do Gilberto porque não há o tal jogador de tênis destro, mas canhoto, e porque ninguém valorizava o seu trabalho, aquilo que você acreditava, que ficava horas a mais para deixar perfeitinho. Por que ninguém lia o que você escrevia? Será que os textos eram extensos? Bem, não importa. Nunca mais Maria Antônia Gomez Tremonti vai escrever uma pauta de TV.
Além disso, o que mais Antônia fazia? Bem, ela tinha projetos específicos e... Peraí... Peraí... E se... Será?... Mas, e se... CLARO! Por que não? Por que não criar uma agência de personagens? Por que não fornecer essa matéria-prima para as TVs do país inteiro? Os contatos, ela tem. Os meios de conseguir as pessoas mais esdrúxulas, ela sabe. Para ganhar dinheiro é um pulo. Ela cria um banco de dados, armazena cada uma das personagens, com dados pessoais e também as características mais marcantes que podem render alguma coisa. Olhar clínico, ela também tem. Promete para cada um deles a possibilidade de aparecer na televisão, quem é que não gostaria?, e cobra uma mensalidade mixuruca, só para manter o cadastro. Ela ganha no varejo. Não ia enganar ninguém e tornaria a vida dos coleguinhas muito mais fácil. Era um trabalho justo, ético, nobre como outro qualquer...
E foi assim que nasceu a primeira agência de personagens para fins jornalísticos.
quinta-feira, 22 de setembro de 2005
Formalismos e formalidades
Ano passado, o convite para a festa do Festival do Rio exigia black tie. Influenciado por alguns amigos, capitulei e me rendi ao máximo de terno e gravata. Chegando lá, mas que vergonha. Só tinha gente com trajes informais. Para dizer o mínimo. A justificativa era simples: o comes-e-bebes era na beira da praia e ninguém se fantasiaria de pingüim para ir à Copacabana, mesmo que perto do Palace. Não aprendendo com o erro, na festa de encerramento, fui novamente de modelito terno-gravata. Novamente, era um dos únicos mais formalmente vestido...
Hoje, novamente, pediram black tie. Diferentemente, a festança ocorrerá na Quinta da Boa Vista, ex-residência oficial da família real brasileira. Será que agora, longe da maresia, os culturetes vão se fantasiar?quarta-feira, 14 de setembro de 2005
Petequeiro
"O empresário Sebastião Augusto Buani, dono do restaurante Fiorella, apresentou nesta quarta feira um cheque de R$ 7.500 endossado por Gabriela Kênia S.S. Martins, recepcionista no gabinete do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti(PP-PE). Segundo Buani, o cheque, sacado no Bradesco no dia 30 de julho de 2002, foi usado para pagar uma parcela da propina que teria sido exigida por Severino, então primeiro secretário da Câmara, para garantir a renovação do contrato do restaurante"
"O empresário Sebastião Augusto Buani, dono do restaurante Fiorella, apresentou nesta quarta feira um cheque de R$ 7.500 endossado por Gabriela Kênia S.S. Martins, recepcionista no gabinete do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti(PP-PE). Segundo Buani, o cheque, sacado no Bradesco no dia 30 de julho de 2002, foi usado para pagar uma parcela da propina que teria sido exigida por Severino, então primeiro secretário da Câmara, para garantir a renovação do contrato do restaurante"
terça-feira, 13 de setembro de 2005
Mais direita versus esquerda
Alguém pode tentar explicar por que o Jair Bolsonaro levou o seu "amigo" para assistir a uma sessão da CPI logo hoje, no dia em que o José Genoíno prestava depoimento? Qual era real intenção dele? Deixar o ex-presidente do PT constrangido? Será? Ou, será mesmo que as explicações dele ("Trouxe um amigo meu, coronel do Exército brasileiro, com mais de 70 anos, que foi combatente no Araguaia. Ele tinha essa curiosidade e eu o convidei para a sessão como um cidadão qualquer. Ele entrou mudo e saiu calado") vão ficar como as definitivas?
Alguém pode tentar explicar por que o Jair Bolsonaro levou o seu "amigo" para assistir a uma sessão da CPI logo hoje, no dia em que o José Genoíno prestava depoimento? Qual era real intenção dele? Deixar o ex-presidente do PT constrangido? Será? Ou, será mesmo que as explicações dele ("Trouxe um amigo meu, coronel do Exército brasileiro, com mais de 70 anos, que foi combatente no Araguaia. Ele tinha essa curiosidade e eu o convidei para a sessão como um cidadão qualquer. Ele entrou mudo e saiu calado") vão ficar como as definitivas?
Democracia
Desde Sarney - "Tudo pelo social" - não há mais a distinção entre esquerda e direita. Talvez já não houvesse antes, é difícil determinar uma data específica. Cito o ex-presidente José Sarney (1985-1990) porque é curioso que um homem vindo da Arena use um slogan voltado mais com os ideais do outro lado do tabuleiro.
Hoje, os candidatos de todas as colorações e plumagens fazem campanha valorizando o discurso de mais dinheiro para educação e saúde. Todos são iguais, sem diferenciação, sem profundidade. Bem, mais ou menos. Reparem que, se no formato, todos parecem saídos da mesma forma, quando algum assunto polêmico vem a público, percebemos as posições radicais e moderadas, liberais e conservadoras, etc etc etc, de cada um deles.
Veja o caso de Severino Cavalcanti. Quando assumiu choveram matérias sobre os seus ideais católicos, contrários ao aborto, ao casamento entre homossexuais, à discriminalização das drogas... Eu não quero que o presidente do meu Parlamento tenha essa postura, posso, devo criticá-lo, tenho que protestar contra qualquer ato seu que me pareça retrógrado. Mas, se ele agir dentro dos parâmetros da lei, se respeitar a ordem, se for um bom congressista, mesmo tendo idéias diametralmente opostas às minhas, o que eu posso fazer além de chiar?
Claro que se ele sair da linha, mesmo que tenha sido uma única vez, mesmo que tenha sido anos atrás, mesmo assim, ele deve ser cassado. Agora, gostaria que esse mesmo critério fosse aplicado em toda a casa. Queria que vasculhassem minuciosamente as contas, as concessões, os contratos assinados dentro da Câmara. Quantos resistiriam?
Desde Sarney - "Tudo pelo social" - não há mais a distinção entre esquerda e direita. Talvez já não houvesse antes, é difícil determinar uma data específica. Cito o ex-presidente José Sarney (1985-1990) porque é curioso que um homem vindo da Arena use um slogan voltado mais com os ideais do outro lado do tabuleiro.
Hoje, os candidatos de todas as colorações e plumagens fazem campanha valorizando o discurso de mais dinheiro para educação e saúde. Todos são iguais, sem diferenciação, sem profundidade. Bem, mais ou menos. Reparem que, se no formato, todos parecem saídos da mesma forma, quando algum assunto polêmico vem a público, percebemos as posições radicais e moderadas, liberais e conservadoras, etc etc etc, de cada um deles.
Veja o caso de Severino Cavalcanti. Quando assumiu choveram matérias sobre os seus ideais católicos, contrários ao aborto, ao casamento entre homossexuais, à discriminalização das drogas... Eu não quero que o presidente do meu Parlamento tenha essa postura, posso, devo criticá-lo, tenho que protestar contra qualquer ato seu que me pareça retrógrado. Mas, se ele agir dentro dos parâmetros da lei, se respeitar a ordem, se for um bom congressista, mesmo tendo idéias diametralmente opostas às minhas, o que eu posso fazer além de chiar?
Claro que se ele sair da linha, mesmo que tenha sido uma única vez, mesmo que tenha sido anos atrás, mesmo assim, ele deve ser cassado. Agora, gostaria que esse mesmo critério fosse aplicado em toda a casa. Queria que vasculhassem minuciosamente as contas, as concessões, os contratos assinados dentro da Câmara. Quantos resistiriam?
segunda-feira, 12 de setembro de 2005
Humpf
"Já no fim da entrevista de ontem, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), encontrou um jeito de atacar seu novo inimigo, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) (...):
— Ganho todas as eleições porque defendo a família, sou homem de fé e cristão. Não escondo as minhas posições. Quando fui aqui inquirido por homossexuais, com o seu Gabeira à frente, disse na cara dele que iria votar contra eles — disse, sobre a proposta de união civil entre pessoas do mesmo sexo. — Descerei da tribuna para lutar contra aqueles que querem fazer o que Gabeira faz e o que eu não faço. Não ando com maconha e com tóxico. Nem defendo que a juventude vá ao bar tomar (sic) maconha."
"Já no fim da entrevista de ontem, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), encontrou um jeito de atacar seu novo inimigo, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) (...):
— Ganho todas as eleições porque defendo a família, sou homem de fé e cristão. Não escondo as minhas posições. Quando fui aqui inquirido por homossexuais, com o seu Gabeira à frente, disse na cara dele que iria votar contra eles — disse, sobre a proposta de união civil entre pessoas do mesmo sexo. — Descerei da tribuna para lutar contra aqueles que querem fazer o que Gabeira faz e o que eu não faço. Não ando com maconha e com tóxico. Nem defendo que a juventude vá ao bar tomar (sic) maconha."
sexta-feira, 9 de setembro de 2005
Série personagens fictícios
capítulo 7: Diálogos no coletivo
Estava muito calor quando entrei no ônibus. Para piorar, o coletivo, bem cheio, não me deixou escolha e sentei-me no único lugar livre. Foi uma espécie de alívio. Estava há muito em pé e tinha andando bastante no dia. Meu pensamento logo se desligou e foi lá para fora, para o mar de Copacabana com aqueles gringos todos querendo parecer um carioca legítimo. Quando voltei para dentro, já estávamos quase em Ipanema.
Curioso que, nessa exata hora, reparei que atrás de mim, não sabia exatamente onde, dois sujeitos conversavam e um deles, apesar do português extremamente correto, possuía um leve sotaque. Colocava algumas vogais como tônicas, quando deveriam ser átonas, nada que impedisse a sua completa compreensão por qualquer pessoa. Mas, esse detalhe fez com que eu prestasse atenção na conversa.
Tentei, antes mesmo de ele pronunciar uma palavra, traçar uma história pregressa para aquele gringo que sentava atrás de mim e com um português tão bom. Por que ele estaria no Brasil, quais era os interesses dele, enfim, um miniperfil. Entretanto nada que fugisse dos clichês. Em pouco tempo, ele me forneceu dados que, de certo ponto de vista, comprovavam a minha viagem pessoal. Por outro lado, ele construiu uma persona mais bojuda que era bem diferenciada daquela frágil que tinha imaginado.
Toca o telefone do gringo. Ele atende, vira o rosto para o lado da janela, abaixa o tom de voz, mas percebo que ele não pronuncia muita coisa além de "sim, sim, tudo bem, ok, vámos ver...". Depois, volta para conversar com o sujeito ao lado:
- Ela de nóvo.
O camarada dele, com uma voz efeminada, responde: - Cara, você tem que ser mais incisivo. Tem que explicar para ela o que você quer...
- Sim, mas éu disse para ela...
- Tem que falar: 'Olha, eu não tenho tempo para você hoje'
- Foi bom, quando nos conhecemos, na boate, mas éu realmente tenho que fazer um monte de coisas hóje... Não sei o que vou encontrar, se a ver de nóvo. Sabe, na noite, tem o álcool, as luzes, a música...
- Então. Se você não quer nada, diz para ela!
- Não sei, éu disse, mas... Ela é legal.
À medida que ele me dava mais informações, acrescentava mais detalhes na minha história. Tudo estava claro. Apenas a ligação entre os dois portadores das vozes estava ainda embaçada. Disfarçadamente, me virei para enxergá-los. Na hora pensei que ele fosse argentino pelo porte: tinha o cabelo grande e dourado. Era musculoso, mas magro, com traços do rosto finos e delicados. Era um garoto muito bonito, deve fazer sucesso entre as mulheres. Principalmente aqui no Brasil, onde ele é um estranho. O camarada dele é fácil descrever: um negão com dread locks pequenos, sendo que alguns tufos eram roxos.
- Tinha já combinado ir na casa de Silvana hóje. Não posso desmarcar. As mulheres aqui são muito fáceis. Basta ir a uma boate...
- Então, você não precisa se prender a essa mulher, cara. Basta sair. Agora, quando ela ligar, fala que você não quer...
No que aconteceu algo um tanto quanto inesperado. O sujeito que estava exatamente atrás de mim e na frente deles, se intrometeu na conversa e interrompeu o negão:
- Rapaz, você não devia dar ouvidos a ele...
E então, algo ainda mais absurdo, outra pessoa, agora ao lado deles, que estava de pé, também falou:
- Eu concordo. Ele tá querendo se aproveitar de você. Não tá vendo que ele é veado?
Foi o suficiente para se instaurar uma balbúrdia:
O negão, com a voz ainda mais estridente, respode: - Vocês estão loucos! O que é isso?!
O sujeito de pé engrossa a voz para encarar o negão: - É isso mesmo! É veado, bicha, gay! Ele quer é te comer, garoto, não deixa não! Fica esperto!
O que está sentado atrás de mim na frente deles tenta um tom conciliador, mas todos falam quase ao mesmo tempo, só se escuta algumas frases soltas: - Peraí, um minuto, não é bem assim... Eu só acho que ele pode ter um algo a mais com a menina, sem necessariamente...
O garoto em silêncio, estupefato, enquanto o negão continua: Vocês não me conhecem! Quem são vocês para falarem alguma coisa de mim, seu bostas, seus merdas! Eu falo três línguas, tenho duas faculdades e sou veado sim, mas não devo satisfação a nenhum de vocês! Seus filhos da...
- Veado! Quer se aproveitar do gringo que não entende nada, que está perdido...
- Calma, calma gente, não vamos nos exaltar...
- Vai tomar no...
- Gente, que isso...
- Tu deve ser um enrustido, é por isso que fica aí, reclamando...
- Calma aí, génte - fala finalmente o garoto - vocês estão todos loucos...
O da frente, tenta a sensatez: - Menino, você tem que fazer o que achar melhor e não escutar os outros. Se quiser ficar com a menina, tudo bem, todo mundo vai entender...
- Eu vou é saltar - diz o negão, já se levantando - vambora. Não posso ficar aqui com um bando de escrotos...
- Mas eu não falei nada demais - diz o da frente...
- Vaitomano...
- Vamos, vambora - diz o gringo
Levantam-se os dois, esbarram propositalmente no que estava de pé e caminham às pressas para a saída. Não sem antes escutar um "Veados!", proferido pelo sujeito que logo em seguida se sentou no banco. Eu, que estava me divertindo horrores, também tive que saltar no ponto em seqüência.
capítulo 7: Diálogos no coletivo
Estava muito calor quando entrei no ônibus. Para piorar, o coletivo, bem cheio, não me deixou escolha e sentei-me no único lugar livre. Foi uma espécie de alívio. Estava há muito em pé e tinha andando bastante no dia. Meu pensamento logo se desligou e foi lá para fora, para o mar de Copacabana com aqueles gringos todos querendo parecer um carioca legítimo. Quando voltei para dentro, já estávamos quase em Ipanema.
Curioso que, nessa exata hora, reparei que atrás de mim, não sabia exatamente onde, dois sujeitos conversavam e um deles, apesar do português extremamente correto, possuía um leve sotaque. Colocava algumas vogais como tônicas, quando deveriam ser átonas, nada que impedisse a sua completa compreensão por qualquer pessoa. Mas, esse detalhe fez com que eu prestasse atenção na conversa.
Tentei, antes mesmo de ele pronunciar uma palavra, traçar uma história pregressa para aquele gringo que sentava atrás de mim e com um português tão bom. Por que ele estaria no Brasil, quais era os interesses dele, enfim, um miniperfil. Entretanto nada que fugisse dos clichês. Em pouco tempo, ele me forneceu dados que, de certo ponto de vista, comprovavam a minha viagem pessoal. Por outro lado, ele construiu uma persona mais bojuda que era bem diferenciada daquela frágil que tinha imaginado.
Toca o telefone do gringo. Ele atende, vira o rosto para o lado da janela, abaixa o tom de voz, mas percebo que ele não pronuncia muita coisa além de "sim, sim, tudo bem, ok, vámos ver...". Depois, volta para conversar com o sujeito ao lado:
- Ela de nóvo.
O camarada dele, com uma voz efeminada, responde: - Cara, você tem que ser mais incisivo. Tem que explicar para ela o que você quer...
- Sim, mas éu disse para ela...
- Tem que falar: 'Olha, eu não tenho tempo para você hoje'
- Foi bom, quando nos conhecemos, na boate, mas éu realmente tenho que fazer um monte de coisas hóje... Não sei o que vou encontrar, se a ver de nóvo. Sabe, na noite, tem o álcool, as luzes, a música...
- Então. Se você não quer nada, diz para ela!
- Não sei, éu disse, mas... Ela é legal.
À medida que ele me dava mais informações, acrescentava mais detalhes na minha história. Tudo estava claro. Apenas a ligação entre os dois portadores das vozes estava ainda embaçada. Disfarçadamente, me virei para enxergá-los. Na hora pensei que ele fosse argentino pelo porte: tinha o cabelo grande e dourado. Era musculoso, mas magro, com traços do rosto finos e delicados. Era um garoto muito bonito, deve fazer sucesso entre as mulheres. Principalmente aqui no Brasil, onde ele é um estranho. O camarada dele é fácil descrever: um negão com dread locks pequenos, sendo que alguns tufos eram roxos.
- Tinha já combinado ir na casa de Silvana hóje. Não posso desmarcar. As mulheres aqui são muito fáceis. Basta ir a uma boate...
- Então, você não precisa se prender a essa mulher, cara. Basta sair. Agora, quando ela ligar, fala que você não quer...
No que aconteceu algo um tanto quanto inesperado. O sujeito que estava exatamente atrás de mim e na frente deles, se intrometeu na conversa e interrompeu o negão:
- Rapaz, você não devia dar ouvidos a ele...
E então, algo ainda mais absurdo, outra pessoa, agora ao lado deles, que estava de pé, também falou:
- Eu concordo. Ele tá querendo se aproveitar de você. Não tá vendo que ele é veado?
Foi o suficiente para se instaurar uma balbúrdia:
O negão, com a voz ainda mais estridente, respode: - Vocês estão loucos! O que é isso?!
O sujeito de pé engrossa a voz para encarar o negão: - É isso mesmo! É veado, bicha, gay! Ele quer é te comer, garoto, não deixa não! Fica esperto!
O que está sentado atrás de mim na frente deles tenta um tom conciliador, mas todos falam quase ao mesmo tempo, só se escuta algumas frases soltas: - Peraí, um minuto, não é bem assim... Eu só acho que ele pode ter um algo a mais com a menina, sem necessariamente...
O garoto em silêncio, estupefato, enquanto o negão continua: Vocês não me conhecem! Quem são vocês para falarem alguma coisa de mim, seu bostas, seus merdas! Eu falo três línguas, tenho duas faculdades e sou veado sim, mas não devo satisfação a nenhum de vocês! Seus filhos da...
- Veado! Quer se aproveitar do gringo que não entende nada, que está perdido...
- Calma, calma gente, não vamos nos exaltar...
- Vai tomar no...
- Gente, que isso...
- Tu deve ser um enrustido, é por isso que fica aí, reclamando...
- Calma aí, génte - fala finalmente o garoto - vocês estão todos loucos...
O da frente, tenta a sensatez: - Menino, você tem que fazer o que achar melhor e não escutar os outros. Se quiser ficar com a menina, tudo bem, todo mundo vai entender...
- Eu vou é saltar - diz o negão, já se levantando - vambora. Não posso ficar aqui com um bando de escrotos...
- Mas eu não falei nada demais - diz o da frente...
- Vaitomano...
- Vamos, vambora - diz o gringo
Levantam-se os dois, esbarram propositalmente no que estava de pé e caminham às pressas para a saída. Não sem antes escutar um "Veados!", proferido pelo sujeito que logo em seguida se sentou no banco. Eu, que estava me divertindo horrores, também tive que saltar no ponto em seqüência.
quinta-feira, 8 de setembro de 2005
Sede de sangue
É óbvio que quem recebeu propina para não executar uma dívida da Câmara deve ser caçado até ser cassado. Mas o ato que era para ser encarado como normal torna-se muito curioso, para dizer o mínimo, quando o sujeito em questão é o presidente de uma casa completamente desmoralizada pelas recentes denúncias de corrupção. Como se a cassação dele fosse o prato principal, ao invés do aperitivo ou a entrada.
Já escuto o coro de "bode expiatório": sacrifica-se alguém que ninguém gosta, que é visto como o erro, ou como a origem do erro, e se esquece do restante. Oferece a carne do nordestino católico conservador como oferenda ao Deus Opinião Pública. Joga-se uma isca e todo mundo cai na armadilha. E pior que todas essas metáforas: normalmente o estratagema funciona.
Já escuto o coro de "bode expiatório": sacrifica-se alguém que ninguém gosta, que é visto como o erro, ou como a origem do erro, e se esquece do restante. Oferece a carne do nordestino católico conservador como oferenda ao Deus Opinião Pública. Joga-se uma isca e todo mundo cai na armadilha. E pior que todas essas metáforas: normalmente o estratagema funciona.
Cantando de cantor
Vicent Gallo é um dos convidados para o Tim Festival. Parece-me que num esquema voz+violão, voltado para o roquenrou. O AllMusic o aponta como "similar artist" de gente como Massive Attack e Portishead. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, Gallo é um dos sujeitos cuja ficha no IMDb é gigantesca, mesmo sendo razoavelmente jovem - ele nasceu em 11 de abril de 1962, em Buffalo, cujo nome deve ter inspirado o seu conhecidinho (entre os culturetes) Buffalo '66.
Deve ser a farsa do festival musical. Aquele por quem os cadernos culturais vão correr para conseguir uma exclusiva, mas fazer perguntas sempre sobre o cinema ou sobre a namorada, Chloë Sevigny. Vale como chamariz, nome diferente, que se aventura em outros terrenos artísticos. Mas, como músico, bem... Vale julgamento preconceituoso, sem nem ter ouvido nenhuma de suas músicas (nunca ter visto nenhum de seus filmes também)? Melhor não falar nada.
Agora, a pergunta que não quer calar: Gallo vai representar ao vivo a sua performance mais conhecida, aquela de "Brown Bunny"?
Vicent Gallo é um dos convidados para o Tim Festival. Parece-me que num esquema voz+violão, voltado para o roquenrou. O AllMusic o aponta como "similar artist" de gente como Massive Attack e Portishead. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, Gallo é um dos sujeitos cuja ficha no IMDb é gigantesca, mesmo sendo razoavelmente jovem - ele nasceu em 11 de abril de 1962, em Buffalo, cujo nome deve ter inspirado o seu conhecidinho (entre os culturetes) Buffalo '66.
Deve ser a farsa do festival musical. Aquele por quem os cadernos culturais vão correr para conseguir uma exclusiva, mas fazer perguntas sempre sobre o cinema ou sobre a namorada, Chloë Sevigny. Vale como chamariz, nome diferente, que se aventura em outros terrenos artísticos. Mas, como músico, bem... Vale julgamento preconceituoso, sem nem ter ouvido nenhuma de suas músicas (nunca ter visto nenhum de seus filmes também)? Melhor não falar nada.
Agora, a pergunta que não quer calar: Gallo vai representar ao vivo a sua performance mais conhecida, aquela de "Brown Bunny"?
quarta-feira, 7 de setembro de 2005
Música e cinema
É de conhecimento de qualquer pessoa que já assistiu a um filme de Woody Allen que o novaiorquino é fanático por jazz. Talvez tenha passado despercebido o fato de ele gostar, também, de música brasileira. Em "Era do rádio", por exemplo, há duas referências ao Brasil. Primeiro, uma espécie de Carmem Miranda num cassino e, em outra cena, toca ao fundo "Tico-Tico no Fubá".
Hoje, saiu uma nota n'O Globo que corrobora muito essa informação e enche qualquer fã do neurótico mais famoso do mundo de ansiedade (copio-a inteira porque amanhã o link não mais funcionará):
"Tom e Woody Allen
Bilhete de Woody Allen para Ana Jobim, agradecendo o envio do “Cancioneiro Jobim” e o CD “Inéditos”: “Senhora Jobim, muito obrigado pelo seu maravilhoso livro. Muito gentil da sua parte me deixar utilizar as canções do seu marido num filme. Ele sempre foi um herói para o meu grupo e queremos homenageá-lo utilizando sua obra. Obrigado novamente, Woody Allen.” Ana e Woody moram no mesmo prédio em Nova York. O porteiro serviu de correio."
Não sei quem é mais sortudo: Ana ou Allen.
É de conhecimento de qualquer pessoa que já assistiu a um filme de Woody Allen que o novaiorquino é fanático por jazz. Talvez tenha passado despercebido o fato de ele gostar, também, de música brasileira. Em "Era do rádio", por exemplo, há duas referências ao Brasil. Primeiro, uma espécie de Carmem Miranda num cassino e, em outra cena, toca ao fundo "Tico-Tico no Fubá".
Hoje, saiu uma nota n'O Globo que corrobora muito essa informação e enche qualquer fã do neurótico mais famoso do mundo de ansiedade (copio-a inteira porque amanhã o link não mais funcionará):
"Tom e Woody Allen
Bilhete de Woody Allen para Ana Jobim, agradecendo o envio do “Cancioneiro Jobim” e o CD “Inéditos”: “Senhora Jobim, muito obrigado pelo seu maravilhoso livro. Muito gentil da sua parte me deixar utilizar as canções do seu marido num filme. Ele sempre foi um herói para o meu grupo e queremos homenageá-lo utilizando sua obra. Obrigado novamente, Woody Allen.” Ana e Woody moram no mesmo prédio em Nova York. O porteiro serviu de correio."
Não sei quem é mais sortudo: Ana ou Allen.
terça-feira, 6 de setembro de 2005
Curiosidades linguísticas
Por força maior do lavoro, tive que pesquisar sobre uma bandinha de metal que faz sucesso entre a garotada. Caí em um fórum que discutia se a banda era ou não era "new-metal". O sujeito criador do tópico achava que não era e dizia odiar quem discordasse dele. Não há argumentação, apenas um apanhado de frases exaltando a virulência da tal banda, cheios de erros crassos de português. Não sou um grande fã da gramática, acho que o mais importante é a comunicação, mas quando ela é dificultada pela falta de clareza ou mesmo vocabulário, estamos com um problema. O curioso é que, ao se expressar em inglês, ele conseguiu reproduzir palavras, frases inteiras sem nenhum erro. Tudo bem que também não faziam muito sentido e se resumiam a xingar o mundo, mas todas as palavras estavam grafadas corretamente. Ou seja, o garotinho (provavelmente um adolescente) não sabe escrever em português, a língua pátria, mas em inglês, expressa-se bem. Ou não, apenas colou a letra da tal banda na parte final. E então percebemos como é limitada a tal banda. Enfim, para deleite, cliquem.
Por força maior do lavoro, tive que pesquisar sobre uma bandinha de metal que faz sucesso entre a garotada. Caí em um fórum que discutia se a banda era ou não era "new-metal". O sujeito criador do tópico achava que não era e dizia odiar quem discordasse dele. Não há argumentação, apenas um apanhado de frases exaltando a virulência da tal banda, cheios de erros crassos de português. Não sou um grande fã da gramática, acho que o mais importante é a comunicação, mas quando ela é dificultada pela falta de clareza ou mesmo vocabulário, estamos com um problema. O curioso é que, ao se expressar em inglês, ele conseguiu reproduzir palavras, frases inteiras sem nenhum erro. Tudo bem que também não faziam muito sentido e se resumiam a xingar o mundo, mas todas as palavras estavam grafadas corretamente. Ou seja, o garotinho (provavelmente um adolescente) não sabe escrever em português, a língua pátria, mas em inglês, expressa-se bem. Ou não, apenas colou a letra da tal banda na parte final. E então percebemos como é limitada a tal banda. Enfim, para deleite, cliquem.
segunda-feira, 5 de setembro de 2005
O fim da pobreza
Todo o curta "Nelson Sargento" é interessante. Principalmente porque, além do óbvio retrato do sambista autor de "Agoniza mas não morre", mostra que dentro da favela não necessariamente deve ter só miséria.
Nelson é de uma época em que ainda havia pobre. Sim, pobre, mas com dignidade. Há um depoimento de Cacá Diegues que fala que Sargento pediu, quando o diretor comprou uma casa nova, para pintá-la. Já ouvi também uma história parecida sobre Cartola. Mesmo já famoso, continuava a ser ascensorista num prédio no centro do Rio.
Hoje é complicado (sobre)viver sendo operário de obras ou piloto de elevador. Há 20, 30 anos, meio século, não. Podia-se ter uma casa, colocar comida em casa, os filhos estudariam numa escola pública de razoável qualidade e ele ainda teria tempo para compor para a escola de samba do coração.
Com o tempo, estrangularam não só a classe-média, mas e principalmente, os pobres. Agora, só restou os miseráveis.
Todo o curta "Nelson Sargento" é interessante. Principalmente porque, além do óbvio retrato do sambista autor de "Agoniza mas não morre", mostra que dentro da favela não necessariamente deve ter só miséria.
Nelson é de uma época em que ainda havia pobre. Sim, pobre, mas com dignidade. Há um depoimento de Cacá Diegues que fala que Sargento pediu, quando o diretor comprou uma casa nova, para pintá-la. Já ouvi também uma história parecida sobre Cartola. Mesmo já famoso, continuava a ser ascensorista num prédio no centro do Rio.
Hoje é complicado (sobre)viver sendo operário de obras ou piloto de elevador. Há 20, 30 anos, meio século, não. Podia-se ter uma casa, colocar comida em casa, os filhos estudariam numa escola pública de razoável qualidade e ele ainda teria tempo para compor para a escola de samba do coração.
Com o tempo, estrangularam não só a classe-média, mas e principalmente, os pobres. Agora, só restou os miseráveis.
domingo, 4 de setembro de 2005
As melhores piadas de humor-negro:
"CUBA: O presidente de Cuba, Fidel Castro, ofereceu enviar 1.100 médicos para Houston com 26 toneladas de medicamentos para tratar as vítimas.
VENEZUELA: O presidente Hugo Chavez, um crítico dos EUA, ofereceu enviar combustível mais barato, ajuda humanitária e equipes de emergência.
(...)
IRÃ: Oferece ajuda humanitária ao país que o condenou como parte do "Eixo do Mal". "As vítimas reclamaram de falta de assistência no tempo necessário e nós estamos preparados para enviar nossas contribuições para as pessoas por meio da Cruz Vermelha", disse o porta-voz do Ministério do Exterior, Hamid Reza Asefi."
"CUBA: O presidente de Cuba, Fidel Castro, ofereceu enviar 1.100 médicos para Houston com 26 toneladas de medicamentos para tratar as vítimas.
VENEZUELA: O presidente Hugo Chavez, um crítico dos EUA, ofereceu enviar combustível mais barato, ajuda humanitária e equipes de emergência.
(...)
IRÃ: Oferece ajuda humanitária ao país que o condenou como parte do "Eixo do Mal". "As vítimas reclamaram de falta de assistência no tempo necessário e nós estamos preparados para enviar nossas contribuições para as pessoas por meio da Cruz Vermelha", disse o porta-voz do Ministério do Exterior, Hamid Reza Asefi."
Pensamentos futebolísticos
- Alguém ainda duvida que o Ronaldo Fenômeno deve sair para a volta do seu xará? Duvido que o Parreira venha fazer, mas...
- Não sei não, em matéria de futebol, Seleção e Copa, esqueço por completo o meu racionalismo e transformo-me no maior dos supersticiosos. Brasil, quando chega favorito a um Campeonato do Mundo, perde. Ou vergonhosamente ou na final. Lembrai de 50, 66 e 98. Ainda existe a hipótese de não perder e voltar para casa invicto - os "campeões morais": 78 e 86. E há ainda: quando é o melhor time do mundo e perde para um outro "menos qualificado": 82.
- Quase chorei com o segundo gol brasileiro contra o Chile.
- O Robinho é molecamente genial.
- O Brasil deveria poder inscrever dois times nesses copas mixurucas do mundo. Só para fazer a final mais emocionante.
;o)
- Alguém ainda duvida que o Ronaldo Fenômeno deve sair para a volta do seu xará? Duvido que o Parreira venha fazer, mas...
- Não sei não, em matéria de futebol, Seleção e Copa, esqueço por completo o meu racionalismo e transformo-me no maior dos supersticiosos. Brasil, quando chega favorito a um Campeonato do Mundo, perde. Ou vergonhosamente ou na final. Lembrai de 50, 66 e 98. Ainda existe a hipótese de não perder e voltar para casa invicto - os "campeões morais": 78 e 86. E há ainda: quando é o melhor time do mundo e perde para um outro "menos qualificado": 82.
- Quase chorei com o segundo gol brasileiro contra o Chile.
- O Robinho é molecamente genial.
- O Brasil deveria poder inscrever dois times nesses copas mixurucas do mundo. Só para fazer a final mais emocionante.
;o)
sexta-feira, 2 de setembro de 2005
Série personagens fictícios
capítulo 6: No ponto de ônibus
Descrever Alex não é uma tarefa simples. Principalmente porque ele é um sujeito comum, que se disfarçaria no meio da multidão se transformando em massa. É baixo, magro do tipo esmirrado, usa óculos e os cabelos, agora, quando beira os 40 anos, estão ralos. Talvez, o que jogue os holofotes nele seja o hábito friorento de usar casaco com freqüência. Mora perto de minha casa e já o encontrei diversas vezes encapotado quando fazia um razoável calor nas ruas. É até curioso: eu, de bermudas, ele, de mangas-compridas.
Agora, se tentássemos descrever a personalidade de Alex, poderíamos gastar páginas e páginas e talvez não daríamos conta de tantas excentricidades. Aliás, o fato de usar casaco com demasiada freqüência aponta muito para esse perfil. Reparem: ele é hipocondríaco, inseguro, só saiu da casa da mãe quando ela morreu - há pouquíssimo tempo; tem poucos amigos e é demasiadamente metódico.
Recentemente, porém, aconteceu um fato curioso na vida de Alex. Ele me contou dias desses, quando estávamos no ponto.
Alex estava no mesmo local, num domingo, esperando o ônibus. Falou-me que usava roupas do mesmo gênero, ou seja, uma calça cáqui, camisa bege e um casaco largo marrom. Carregava um livro para ler no caminho e, como sempre acontecia, estava desligado do mundo. Então uma mulher muito bonita, vestindo-se sensualmente se aproximou dele. Alex ficou tenso. São raros os casos de mulheres que se aproximam dele. Ela foi sutil:
- oi.
Ele ficou nervoso, gaguejou, não sabia onde colocar as mãos, em que direção olhar, desviou dela rapidamente, mas depois que percebeu que era com ele mesmo, não teve outra saída senão respondê-la:
- oi.
Ela continuou:
- Que livro é esse?
Alex não sabia o que responder, a situação era por demais inesperada. Vacilou o título:
- "Cuca Fundida"
Ela engatou novamente:
- E é legal?
Alex foi mais rápido dessa vez. Pigarreou, abaixou e levantou a cabeça em seqüência:
- É, até agora está sendo, pelo menos.
- Sabe, é que, você não vai acreditar...
Ele sussurrou: "Eu já não estou acreditando"
- O quê?
- "Nada" - rápido.
- Bem, é que, sabe, eu te vi assim, parado, cara, é louco demais, você não vai acreditar...
- Pode falar, pior do que está, não pode ser...
- Olha, eu te achei, eu acho que, a gente, nós, é, nós poderíamos nos conhecer melhor...
- Bem... Não sei...
Ela arregalou os olhos: "O quê?"
- É que... Bem, eu não quero que você me entenda errado...
Incisiva, mas delicada: - Pode falar!
- É que, a gente, nós, nós, isso, nós acabamos de nos ver, aqui, num ponto de ônibus. Você não quer que eu acredite nisso, né?
- Mas, peraí, você está entendendo tudo errado. Vamos começar do início. Qual é o seu nome?
- Alex.
- O meu é Monica. Prazer.
Ela se esticou para dar-lhe dois beijos, ele ficou perdido novamente. Foi Monica que voltou a falar:
- Agora, poderíamos falar, conversar sobre qualque assunto. Eu te vi aqui, parado, com esse livro e esses óculos... Nossa, o que é que eu to falando? To meio louca, desculpa, to sem graça.
- Olha, eu acho que você está confundindo as coisas. Você não deve pensar que pode chegar assim, sem mais nem menos e vir com conversinha, falar qualquer coisa. Vocês, mulheres, pensam que são quem? Que só porque durante eras os homens correram atrás de vocês, agora podem também caçar? É isso?
- Não é nada disso...
Ele se exaltou: - Será que você está nesse exato momento me vendo como uma presa? Alguém que você deve abater? É isso? Sou apenas alguém que você conhece no ponto de ônibus, usa e depois joga fora?
- Você é um neurótico, vou-me embora...
- Isso, vai sim, prova que você não queria nada sério comigo. Queria apenas se aproveitar da minha situação aqui, desprotegido, quieto, sem nenhuma segurança...
- Você é louco...
Monica pega o primeiro ônibus que passa enquanto Alex continua falando em altas vozes para a janela fechada do carro:
- As mulheres, depois da revolução sexual, acham que podem fazer qualquer coisa. Não respeitam ninguém. Daqui a pouco, se transformarão em predadoras violentas. Exigirão do homem que mantenha-se ereto apenas para a satisfação dela...
Quando o ônibus sai, Alex pára de falar. Ele arfava. Estava possesso, fora de si. Mas, como o seu ônibus demorou, ele foi se acalmando. Encontramo-nos logo depois e ele se lembrou dos pormenores para me contar. Ou, inventou algumas partes, para ficar mais interessante. Sei que foi essa a história que ele me contou. Nunca saberemos ao certo.
capítulo 6: No ponto de ônibus
Descrever Alex não é uma tarefa simples. Principalmente porque ele é um sujeito comum, que se disfarçaria no meio da multidão se transformando em massa. É baixo, magro do tipo esmirrado, usa óculos e os cabelos, agora, quando beira os 40 anos, estão ralos. Talvez, o que jogue os holofotes nele seja o hábito friorento de usar casaco com freqüência. Mora perto de minha casa e já o encontrei diversas vezes encapotado quando fazia um razoável calor nas ruas. É até curioso: eu, de bermudas, ele, de mangas-compridas.
Agora, se tentássemos descrever a personalidade de Alex, poderíamos gastar páginas e páginas e talvez não daríamos conta de tantas excentricidades. Aliás, o fato de usar casaco com demasiada freqüência aponta muito para esse perfil. Reparem: ele é hipocondríaco, inseguro, só saiu da casa da mãe quando ela morreu - há pouquíssimo tempo; tem poucos amigos e é demasiadamente metódico.
Recentemente, porém, aconteceu um fato curioso na vida de Alex. Ele me contou dias desses, quando estávamos no ponto.
Alex estava no mesmo local, num domingo, esperando o ônibus. Falou-me que usava roupas do mesmo gênero, ou seja, uma calça cáqui, camisa bege e um casaco largo marrom. Carregava um livro para ler no caminho e, como sempre acontecia, estava desligado do mundo. Então uma mulher muito bonita, vestindo-se sensualmente se aproximou dele. Alex ficou tenso. São raros os casos de mulheres que se aproximam dele. Ela foi sutil:
- oi.
Ele ficou nervoso, gaguejou, não sabia onde colocar as mãos, em que direção olhar, desviou dela rapidamente, mas depois que percebeu que era com ele mesmo, não teve outra saída senão respondê-la:
- oi.
Ela continuou:
- Que livro é esse?
Alex não sabia o que responder, a situação era por demais inesperada. Vacilou o título:
- "Cuca Fundida"
Ela engatou novamente:
- E é legal?
Alex foi mais rápido dessa vez. Pigarreou, abaixou e levantou a cabeça em seqüência:
- É, até agora está sendo, pelo menos.
- Sabe, é que, você não vai acreditar...
Ele sussurrou: "Eu já não estou acreditando"
- O quê?
- "Nada" - rápido.
- Bem, é que, sabe, eu te vi assim, parado, cara, é louco demais, você não vai acreditar...
- Pode falar, pior do que está, não pode ser...
- Olha, eu te achei, eu acho que, a gente, nós, é, nós poderíamos nos conhecer melhor...
- Bem... Não sei...
Ela arregalou os olhos: "O quê?"
- É que... Bem, eu não quero que você me entenda errado...
Incisiva, mas delicada: - Pode falar!
- É que, a gente, nós, nós, isso, nós acabamos de nos ver, aqui, num ponto de ônibus. Você não quer que eu acredite nisso, né?
- Mas, peraí, você está entendendo tudo errado. Vamos começar do início. Qual é o seu nome?
- Alex.
- O meu é Monica. Prazer.
Ela se esticou para dar-lhe dois beijos, ele ficou perdido novamente. Foi Monica que voltou a falar:
- Agora, poderíamos falar, conversar sobre qualque assunto. Eu te vi aqui, parado, com esse livro e esses óculos... Nossa, o que é que eu to falando? To meio louca, desculpa, to sem graça.
- Olha, eu acho que você está confundindo as coisas. Você não deve pensar que pode chegar assim, sem mais nem menos e vir com conversinha, falar qualquer coisa. Vocês, mulheres, pensam que são quem? Que só porque durante eras os homens correram atrás de vocês, agora podem também caçar? É isso?
- Não é nada disso...
Ele se exaltou: - Será que você está nesse exato momento me vendo como uma presa? Alguém que você deve abater? É isso? Sou apenas alguém que você conhece no ponto de ônibus, usa e depois joga fora?
- Você é um neurótico, vou-me embora...
- Isso, vai sim, prova que você não queria nada sério comigo. Queria apenas se aproveitar da minha situação aqui, desprotegido, quieto, sem nenhuma segurança...
- Você é louco...
Monica pega o primeiro ônibus que passa enquanto Alex continua falando em altas vozes para a janela fechada do carro:
- As mulheres, depois da revolução sexual, acham que podem fazer qualquer coisa. Não respeitam ninguém. Daqui a pouco, se transformarão em predadoras violentas. Exigirão do homem que mantenha-se ereto apenas para a satisfação dela...
Quando o ônibus sai, Alex pára de falar. Ele arfava. Estava possesso, fora de si. Mas, como o seu ônibus demorou, ele foi se acalmando. Encontramo-nos logo depois e ele se lembrou dos pormenores para me contar. Ou, inventou algumas partes, para ficar mais interessante. Sei que foi essa a história que ele me contou. Nunca saberemos ao certo.
Denorex
Pensei em fazer um comentário sobre as semelhanças entre as atitudes, digamos, acanhadas dos presidentes Bush e Lula em suas respectivas crises.
Ambos querem ser, parece para mim, uma espécie genérica de rainhas da Inglaterra sem poder sê-lo. Ou seja, querem ganhar o bônus esquecendo-se que, ao serem presidentes de repúblicas representativas, ganham junto um ônus que Dona Elizabeth II não tem.
São, os dois, mais importantes pelas suas figuras - de um lado o caubói texano, que representa a chamada "América Profunda", conservadora, com cultura mediana, profundamente religiosa; do outro um ex-operário semi-analfabeto, vindo do Nordeste pobre para vencer na vida - que pelas suas atitudes. São mais embalagem que conteúdo.
Mas, Arnaldo Jabor fez comentário parecido no JN de hoje. Aliás, foi sutil como uma manada de elefantes enlouquecidos. Mas não consigo arranjar o link.
Pensei em fazer um comentário sobre as semelhanças entre as atitudes, digamos, acanhadas dos presidentes Bush e Lula em suas respectivas crises.
Ambos querem ser, parece para mim, uma espécie genérica de rainhas da Inglaterra sem poder sê-lo. Ou seja, querem ganhar o bônus esquecendo-se que, ao serem presidentes de repúblicas representativas, ganham junto um ônus que Dona Elizabeth II não tem.
São, os dois, mais importantes pelas suas figuras - de um lado o caubói texano, que representa a chamada "América Profunda", conservadora, com cultura mediana, profundamente religiosa; do outro um ex-operário semi-analfabeto, vindo do Nordeste pobre para vencer na vida - que pelas suas atitudes. São mais embalagem que conteúdo.
Mas, Arnaldo Jabor fez comentário parecido no JN de hoje. Aliás, foi sutil como uma manada de elefantes enlouquecidos. Mas não consigo arranjar o link.
quinta-feira, 1 de setembro de 2005
Supresas na rede
Tudo bem que não sou nem próximo do que se pode chamar hard user da internet. Minha navegação se resume a uma meia dúzia de poucos sites que revisito diariamente ad infinitum. O Meu favoritos tem sites que nunca passei duas vezes. Logo, não conheço nem uma parcela infinitesimal do que a web pode fornecer. Minhas pesquisas se resumem ao que o Google pode me fornecer. E como ele não é deus, apesar das semelhanças entre si, também não é onipresente, onisciente nem onipotente.
Mas, ou mesmo por isso, vezenquando, me surpreendo sobremaneira. Hoje, foi numa das minhas navegações mais cotidianas. Fui ao orkut, aquele mesmo, mas procurar uma das minhas primeiras comunidades. Navega de lá, fuça cá, eis que descubro isso: TODO o "Ulisses" do James Joyce, na internet. Aliás, vejam, por favor isso.
O mundo faz um pouco mais de sentido para mim, agora...
Tudo bem que não sou nem próximo do que se pode chamar hard user da internet. Minha navegação se resume a uma meia dúzia de poucos sites que revisito diariamente ad infinitum. O Meu favoritos tem sites que nunca passei duas vezes. Logo, não conheço nem uma parcela infinitesimal do que a web pode fornecer. Minhas pesquisas se resumem ao que o Google pode me fornecer. E como ele não é deus, apesar das semelhanças entre si, também não é onipresente, onisciente nem onipotente.
Mas, ou mesmo por isso, vezenquando, me surpreendo sobremaneira. Hoje, foi numa das minhas navegações mais cotidianas. Fui ao orkut, aquele mesmo, mas procurar uma das minhas primeiras comunidades. Navega de lá, fuça cá, eis que descubro isso: TODO o "Ulisses" do James Joyce, na internet. Aliás, vejam, por favor isso.
O mundo faz um pouco mais de sentido para mim, agora...
Esercizio per l'università
O “mensalão” no cinema
Não é de hoje que o casamento entre cinema e política stricto sensu rende filhotes. Como exemplos, só de filmes lançados este ano, temos: “Cabra Cega” de Toni Venturi, “Peões”, de Eduardo Coutinho, e “Entreatos” de João Moreira Salles. Junto a isso, o Brasil vive um período conturbado que atinge o Poder Executivo e o Legislativo nacional. Inúmeras denúncias de corrupção envolvem parlamentares e até mesmo o presidente da República. Pode-se suspeitar então que, mais dia, menos dia, este cenário sirva para alguma produção cinematográfica como mote ou pano de fundo, certo? Bem, não se pode ter tanta certeza.
Apesar de achar que política sempre fornece um belo material para o cinema, o roteirista e diretor chileno radicado no Brasil, Jorge Duran diz que essa crise política não difere de outras: “a crise pertence ao Brasil, não é nada diferente do que houve”. Segundo o roteirista de “Dois perdidos numa noite suja”, o escândalo só tomou essa proporção porque Lula não tem base política: “com Fernando Henrique também vivíamos uma sucessão de crises, com queda de ministros e tudo mais. Raramente, porém, cogitaram seriamente a queda de FH”. Professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ, Márcio Gonçalves também partilha de opinião parecida: “acho que a atual crise não veiculará em um filme no futuro”.
Quanto à simbiose entre cinema e política aludida no primeiro parágrafo, alguns a entendem como algo intrínseco, como Jean-Pierre Gorin. O fundador, ao lado de Godard e outros do Grupo Dziga Vertov de cinema esquerdista na Paris de 1968, disse para O Globo em 23/08/05 que “qualquer cinema é político, porque todo filme é reflexo de uma história e é feito com uma determinada função”. Duran tem outra opinião: “há uma diferença de perspectiva entre o público e o cineasta”. Já Gonçalves é mais filosófico: “depende do que você chama de política”.
O cineasta chileno, atualmente na fase de pós-produção do seu “É proibido proibir”, sugere um possível motivo para que a atual crise nossa de cada dia não paute também o cinema: “ainda não conhecemos de verdade todos os fatos que circulam sobre os escândalos”. Talvez com o distanciamento histórico necessário e os segredos sendo revelados entre em cartaz nas salas de exibição, algum longa-metragem sobre o “mensalão”. Basta esperar.
O “mensalão” no cinema
Não é de hoje que o casamento entre cinema e política stricto sensu rende filhotes. Como exemplos, só de filmes lançados este ano, temos: “Cabra Cega” de Toni Venturi, “Peões”, de Eduardo Coutinho, e “Entreatos” de João Moreira Salles. Junto a isso, o Brasil vive um período conturbado que atinge o Poder Executivo e o Legislativo nacional. Inúmeras denúncias de corrupção envolvem parlamentares e até mesmo o presidente da República. Pode-se suspeitar então que, mais dia, menos dia, este cenário sirva para alguma produção cinematográfica como mote ou pano de fundo, certo? Bem, não se pode ter tanta certeza.
Apesar de achar que política sempre fornece um belo material para o cinema, o roteirista e diretor chileno radicado no Brasil, Jorge Duran diz que essa crise política não difere de outras: “a crise pertence ao Brasil, não é nada diferente do que houve”. Segundo o roteirista de “Dois perdidos numa noite suja”, o escândalo só tomou essa proporção porque Lula não tem base política: “com Fernando Henrique também vivíamos uma sucessão de crises, com queda de ministros e tudo mais. Raramente, porém, cogitaram seriamente a queda de FH”. Professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ, Márcio Gonçalves também partilha de opinião parecida: “acho que a atual crise não veiculará em um filme no futuro”.
Quanto à simbiose entre cinema e política aludida no primeiro parágrafo, alguns a entendem como algo intrínseco, como Jean-Pierre Gorin. O fundador, ao lado de Godard e outros do Grupo Dziga Vertov de cinema esquerdista na Paris de 1968, disse para O Globo em 23/08/05 que “qualquer cinema é político, porque todo filme é reflexo de uma história e é feito com uma determinada função”. Duran tem outra opinião: “há uma diferença de perspectiva entre o público e o cineasta”. Já Gonçalves é mais filosófico: “depende do que você chama de política”.
O cineasta chileno, atualmente na fase de pós-produção do seu “É proibido proibir”, sugere um possível motivo para que a atual crise nossa de cada dia não paute também o cinema: “ainda não conhecemos de verdade todos os fatos que circulam sobre os escândalos”. Talvez com o distanciamento histórico necessário e os segredos sendo revelados entre em cartaz nas salas de exibição, algum longa-metragem sobre o “mensalão”. Basta esperar.
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