Série personagens fictícios
capítulo 8: a ex-jornalista, atual empresária
Não dava mais, era o máximo que qualquer ser humano poderia agüentar: 16 horas ininterruptas de trabalho. Para quê? Para que conseguir sonoras com o secretário, apurar que nem uma louca todos os números do orçamento, da verba federal, ligar para Brasília diversas vezes ao dia? Para ser acordada por um assessor chato às sete da manhã, depois de ter dormido depois das duas da madrugada, que quer saber por que o nome do superintendente estava errado nos créditos? Para perceber novamente que sua matéria estava errada, do início ao fim, que ninguém leu a pauta que você deixou lá, que você ficou horas batendo, com todo o cuidado, que você saiu mais tarde só por isso, para entender tacitamente que todo o esforço foi à toa? Maria Antônia simplesmente desistia.
Levantou-se de sua mesa e foi na do seu chefe direto avisá-lo. Ele ainda tentou persuadi-la, mas Maria não conseguia escutar nada. Só pensava em sair por aquela porta que estava na sua frente e nunca mais voltar. Por isso, ela caminha enquanto o chefe tenta ainda convencê-la. "Tchau... melhor: adeus. Eu até gosto de você, Gil, mas não...", Antônia só balança a cabeça e vai-se embora.
Dias depois (período este que ignorou por completo os apelos do telefone para ser atendido), Maria voltou a si: o que é que faria para sobreviver? E, pela primeira vez em sua vida, uma angustiazinha gelou o seu estômago. E agora? Não queria apenas abandonar a TV, mas todo o jornalismo... Mas, o que é que ela sabia fazer além de produzir pautas? Além de escrever, ter contatos, marcas entrevistas, agendar vivos, o que é que ela sabia fazer?
Sempre fora tão independente: morava sozinha desde os 20 anos, não ia ligar agora para a mãe pedindo dinheiro. Não mesmo. Era a última coisa que faria. E Priscila? Mas Pri tá viajando, tá em Paris, de férias. Há as pessoas da TV, mas agora não quer conviver com ninguém de lá. Quer se desintoxicar... Há gente boa lá, mas não agora, agora não. Que tal o Breno, o ex-namorado? Eles mantêm uma relação legal, são amigos, se falam vezenquando, será que o Breno poderia ajudar? Bem... Olha... Melhor não... A última vez foi aquela coisa... Ele veio para a casa dela e já tava falando em morar ali, em reviver os velhos tempos... É melhor não.
Então era isso: era Maria Antônia e mais ninguém. Nossa. Dá um desespero pensar nisso. Ficar, assim, tão sozinha. Não ter ninguém para dividir as barras. Não saber nem por onde começar. Quem está dentro do turbilhão é sempre a pior pessoa para achar a saída. Por que a Pri tinha que viajar logo agora? Logo no meio da crise? Será que Antônia não agüentaria mais um pouco? Não, isso não. Só em pensar em voltar para aquela redação dá calafrios e ânsia de vômito.
Mas como sobreviver? Bem, um tempo, alguns meses, Maria consegue segurar. Tem o FGTS, as férias vencidas (15 meses trabalhando direta, que nem uma maluca!), algumas economias... Também, nunca dava tempo para sair. E quando dava, Maria Antônia estava tão cansada que ela queria só ficar em casa, vendo um filme na TV e dormindo antes do final. Isso realmente não era vida.
Maria Antônia foi meditar: o que realmente consistia o seu trabalho? Colocar, arranjar gente, das mais diferentes espécies, para aparecer na TV. E como isso era difícil, nossa. Pode até parece inacreditável, como assim, né, como assim não querem aparecer na televisão? Mas não é tão simples como parece. Porque o Gilberto sempre queria um sujeito tão específico, sei lá, um tenista destro que gosta de roupas azuis, e onde é que você vai achar um tenista destro que gosta de roupas azuis? Putz, isso era um saco. Mas até que dava para passar quando se conseguia. E ela já sabia até os macetes, então era suportável. O pior mesmo era agüentar o muito barulho dos repórteres por nada, o chilique do Gilberto porque não há o tal jogador de tênis destro, mas canhoto, e porque ninguém valorizava o seu trabalho, aquilo que você acreditava, que ficava horas a mais para deixar perfeitinho. Por que ninguém lia o que você escrevia? Será que os textos eram extensos? Bem, não importa. Nunca mais Maria Antônia Gomez Tremonti vai escrever uma pauta de TV.
Além disso, o que mais Antônia fazia? Bem, ela tinha projetos específicos e... Peraí... Peraí... E se... Será?... Mas, e se... CLARO! Por que não? Por que não criar uma agência de personagens? Por que não fornecer essa matéria-prima para as TVs do país inteiro? Os contatos, ela tem. Os meios de conseguir as pessoas mais esdrúxulas, ela sabe. Para ganhar dinheiro é um pulo. Ela cria um banco de dados, armazena cada uma das personagens, com dados pessoais e também as características mais marcantes que podem render alguma coisa. Olhar clínico, ela também tem. Promete para cada um deles a possibilidade de aparecer na televisão, quem é que não gostaria?, e cobra uma mensalidade mixuruca, só para manter o cadastro. Ela ganha no varejo. Não ia enganar ninguém e tornaria a vida dos coleguinhas muito mais fácil. Era um trabalho justo, ético, nobre como outro qualquer...
E foi assim que nasceu a primeira agência de personagens para fins jornalísticos.
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