Com a eliminação da sempre temida (para os brasileiros) França e da tetracampeã Itália, com a derrota da outrora assombrosa Espanha para Suíça, e a decepção da empolgante Alemanha após um início arrebatador além da Inglaterra sendo apenas a Inglaterra de sempre, pode parecer para o incauto que essa Copa está cheia de zebras. Por mais que seja tentador, eu tenho que discordar um pouco.
Mesmo sendo um torcedor quatrienal, já que o meu Fluminense não empolga tanto assim no ínterim, me considero um conhecedor modesto da tradição do velho-esporte-bretão na sua vertente Copa do Mundo. Sei todos os vencedores até hoje, onde foram disputados os mundiais, a partir de 1950 (antes era a pré-história), lembro de jogos memoráveis, e outros nem tanto, esqueço propositalmente de decepções e, principalmente, experimento a sensação de torcer descontroladamente por um time de futebol, mesmo que não seja o Brasil. Após apresentar as minhas credenciais, posso dizer que acredito ser possível enxergar algumas situações constantes, que se repetem sempre nos campeonatos mundiais, principalmente nos mais recentes.
Não é coincidência, portanto, que os europeus estejam indo mal, a grosso modo. Via de regra, os grandes - aqueles que já chegaram em finais - tremem quando precisam atravessar o Atlântico, o Mediterrâneo, ou simplesmente ir para o fim do mundo (para eles). Um dos argumentos mais fortes quanto a isso é: o Brasil foi o único país que venceu fora do seu continente (em 1958 e 2002). Mas se você ainda não se deu por satisfeito, basta lembrar da Copa da Coreia-Japão do fiasco dos Bleus e da Azurra para ter exemplos à mão.
Se ainda não se convenceu, recordai de 1994. Os semifinalistas foram: Bulgária, de Hristo Stoichkov, companheiro à época de Romário no Barcelona, a Suécia (ok, já chegou a uma final, em 1958, mas não é exatamente um grande, concorda?), a Itália (sempre há uma exceção) e o Brasil. O fim é lembrado por todos, naquele abraço mais-que-fraternal entre Pelé e Galvão ao som das clássicas palavras: "é tetra, é tetra, é tetra".
Em 2002, não foi diferente: o quarto lugar foi para Coreia do Sul (!), o terceiro para a Turquia (alguém se lembra deles?), o vice ficou para Alemanha, naquele frango do Kahn, e o Brasil, o campeão.
Reparem que não é uma superstição - apesar de parecer uma. Superstição seria: todas as vezes que o Brasil joga a semifinal com um time que havia enfrentado na primeira fase (Suécia e Turquia, por exemplo), ganha a Copa. No caso, mesmo pegando poucos exemplos, é a demonstração de como as grandes seleções europeias simplesmente não jogam fora de casa.
OK, voltemos um pouco mais, à 1986: Bélgica, França, Alemanha e Argentina foram os primeiros colocados. Mas a França, apesar do Platini, não poderia, à essa época, ser considerada uma grande seleção. Nunca tinha conseguido nenhum resultado expressivo (jamais chegara à final na História das Copas), por exemplo. Nem falemos, portanto, na Bélgica. E está bom de exemplos.
Outro fator bastante comum, e que foi visto como uma novidade nessa copa, são os resultados completamente adversos. Se for na primeira rodada, então, quando os times ainda estão nervosos com a estreia, é pule de dez. Nunca vou esquecer o nome do camaronês autor do gol contra a Argentina na partida inicial da Copa de 1990: François Omam Biyik (digitei sem conferir a grafia e, quando a fiz, só tinha errado o jeito de escrever o seu "Omam"). Biyik pode ter ficado esquecido numa copa em que Roger Milla deslanchou, mas o meu canário amarelo foi batizado naquele dia com seu nome.
(Como era difícil pronunciar o seu sobrenome, Biyik, - três fonemas iguais em sequência - e nem havia necessidade de "chamar" o pássaro, eu parcamente usava sua alcunha. Mas o bicho pode dizer que não morreu, anos depois, incógnito.)
A vitória da Alemanha em 1994 por magros 1x0 para a Bolívia, fora da altitude de La Paz que tinha feito o Brasil de vítima nas eliminatórias, foi quase uma derrota. E o que falar da França (novamente) que perdeu vergonhosamente para o Senegal em 2002?
Isso para mostrar que também é comum que a atual campeã jogue mal o campeonato seguinte. Com a exceção da Itália (ainda na pré-História, em 1934 e 1938) e do Brasil (em 1958 e 1962), nunca houve um bicampeonato. Argentina (em 1986 e 1990) e Brasil (1994 e 1998) foram campeões e chegaram às finais no campeonato seguinte. E Alemanha (1986 e 1990) e Brasil, novamente (1998 e 2002) foram vice e, quatro anos depois, campeães. Há ainda o caso da Holanda, que em 1974 e 1978 foi duas vezes - e injustamente - vice.
(Mas quem disse que o futebol é justo? Se começarmos a lembrar dos casos conhecidos, temos que falar do Brasil de 1950, da Hungria de 1954 e novamente do Brasil de 1982, para ficar nos mais conhecidos.)
Ir mal na primeira fase também não quer dizer nada. Argentina começou horrivelmente a Copa de 1990, se classificando em terceiro no seu grupo (na época, por serem "apenas" 24 seleções, os melhores terceiros passavam à frente) e enfrentando o Brasil nas oitavas. Todo mundo se lembra do resultado e do nome de Claudio Canniggia. (Tive pesadelo por dias...)
E claro, do clássico caso italiano, de 1982, e o também inesquecível (para nós) Paolo Rossi. (Outra superstição daria conta de que o time que começa mal e vence o Brasil acaba ganhando a Copa. Mas isso talvez não seja superstição, também, apenas a demonstração da importância do país quando o assunto é bola no pé. Mas, de qualquer forma, é melhor não ter pego, agora, a Espanha. Just in case.) A Itália, aliás, é conhecida por engrenar - se é que engrena aos poucos.
Por último: em copas sempre há uma zebra. Sempre. Um time que ninguém dava nada e que vai longe, ou que empolga, sem ninguém lembrar deles quatro anos depois. Já citei aí em cima a Coreia do Sul em 2002. E também Camarões em 1990. E a Bulgária, de 1994. Em 1998, foi a vez da Nigéria (lembro até hoje da comemoração do fulano, agarrado às redes do gol, com uma felicidade "amadora". Foi bonito. Mas foi mesmo em 1998?). E em 2006, bem, 2006 foi a copa mais sem graça desde... 1990. A zebra, talvez, tenha sido a França, mas quem tem Zidane, nunca deixa de ser favorito.
Isso quer dizer que, mesmo com os resultados aparentemente estranhos, são todos, no fundo, previsíveis.
2 comentários:
Muito bacana! Mas a França de 86 já era um grande time, tinha feito uma excelente Copa em 82 e tinha sido campeã da Europa. O Platini era o melhor jogador do continente deles!
Quem manda falar sobre um assunto quando você nem era nascido (not)?
Sim, eu sei que a França era um time importante na época - não é qualquer uma que manda para casa o Brasil, mesmo nos pênaltis, mas quis avaliar a Copa do Mundo como uma competição que independe das demais. Se não, Grécia (na última copa) e Espanha (nessa) seriam candidatas fortes ao título - o que, bem, até você discorda.
E mesmo que os Bleus tenham jogado bem em 1982, a França nunca tinha feito uma final. Este argumento e a quantidade de vezes que uma seleção se classifica para as Copas, tornando-se uma figura fácil, reiterante, esperada, associada à competição, foram os meus argumentos para chamar um time de grande em copas.
De qualquer maneira, valeu muito o seu detalhamento.
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