'kill bill 1+2' - tarantino, sempre.
'A Vila' - ok, podem falar que a ideia era de um episódio do 'além da imaginação', mas eu não sabia. e podem falar que o shyamalan é um picareta, mas é o melhor filme que ele fez nessa década.
'Valsa com Bashir' - a história por si só já é bizarra: um massacre de católicos contra árabes, sob as benções de israelenses. mas em rotoscopia, a sensação é de horror, o horror.
'punch-drunk-love' - a cena inicial do carro capotando visto na primeira fileira de um cinema com a tela wide é inesquecível.
'munique' - tem aquela baboseira da transa, ao fim, ok; mas o spielberg filma bem pra chuchu.
'réquiem para um sonho' - esse moço Darren Aronofsky é um ótimo diretor e um péssimo roteirista. as sacadas dele nesse filme são ótimas. e o que é o "ass to ass"?
'dogville' - um filme que parece teatro que até o batata gostou? o lars von trier tem muitos problemas, mas entre eles não está a falta de bom gosto.
'A ilha do medo' - mostrou que scorsese é muito melhor que o eastwood [que filmou outro livro do lehane, o 'sobre meninos e lobos'].
'Lúcia e o sexo' - narrativa circular, rocambolesca, que vai para a frente só de vez em quando e que tem PAZ VEGA. nada mais a acrescentar.
'As invasões bárbaras' - uma espécie de saudosismo do que não foi, uma vontade de valorizar um passado quando éramos mais inteligentes, mesmo que não tínhamos vivido. foi essa a sensação que eu tive.
mais filmes que mereciam entrar aqui:
'amnésia'
'a vida dos outros'
'a queda'
'adeus lênin'
'oldboy'
'o filho da noiva'
'antes do pôr-do-sol'
'caché'
'a festa nunca termina'
'match point'
'cidade dos sonhos'
'o retorno'
'encontros e desencontros'
'Tiros em Columbine'
'Samsara'
'Diários de motocicleta'
'Senhores do crime'
'Entre os muros da escola'
'2046'
'O fantástico sr. Raposo'
'x-men 2'
'Apocalyptico'
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Top 10 filmes da década
Top 10 filmes da década, sem ordem com exceção do primeiro [o meu critério é altamente subjetivo: o impacto que os filmes tiveram sobre mim logo que os vi, por isso vou tirar os filmes que repercutiram depois].
- 'Brilho eterno de uma mente sem lembranças' - não me canso de ver esse filme. Gondry é o maior diretor dessa geração videoclipe e o Kaufman é um gênio [que precisa de um diretor imaginativo para controlar seus devaneios];
- 'Cidade de Deus' - mudou o patamar dos filmes brasileiros e projetou o nome do Meirelles para o mundo inteiro, além de fazer um filme de máfia melhor que 'Os bons companheiros'.
- 'Tropa de elite' 1+2 [migué meu] - conseguiu impressionar e surpreender duas vezes e criou um super-herói brasileiro [falei isso antes da 'veja', ok?];
- 'Ratatouille' - foi difícil escolher um único filme da pixar; acho 'Os incríveis' e 'Wall-e' e 'Up' obras-primas. mas entre todos, acho a história do ratinho cozinheiro o que mais me comoveu...
'A rede social' - o retrato de uma geração que ainda me assusta absurdamente. E a volta de um diretor que 'tava meio pelas tabelas.
'Batman - dark knight' - um herói que deve ser visto como o bandido para o bem da sociedade. Assusta só de reescrever isso aqui. E tem aquele coringa, o segundo maior vilão da década.
'L'ultimo bacio' - Gabriele Muccino fez um dos maiores filmes pequenos que já vi. e, em seguida, foi cooptado pelo Will Smith.
'Irreversível' - quantas vezes um filme incomodou tanto os espectadores? ganhou de 'Dogville' nessa subcategoria pessoal por conta da Monica Bellucci.
'Onde os fracos não têm vez' - o melhor faroeste moderno - e um dos melhores de todos os tempos. Isso sem falar no Javier Bardem, o maior vilão da década.
'O segredo dos seus olhos' - pensei que, por mais que tenha gostado d''O filho da noiva', esse filme levou a fórmula do Campanella além. E tem o Ricardo Darín, um dos melhores atores do mundo.
Dois brasileiros, cinco americanos, sendo que desses um é dirigido por um francês e outro é uma animação sobre a França; puro-sangue, só três, sendo um o máximo do cinema americano atualmente, o de quadrinhos; outro o clássico faroeste; e por último, um filme sobre um dos lugares menos americano dos eua, Harvard. Um italiano, que logo foi para os EUA; um francês-argentino; e um argentino, com passagem pelos EUA.
Foi a década em que o cinema americano de qualidade menos se pareceu com os eua; e o cinema do mundo mais tentou ser Hollywood.
- 'Brilho eterno de uma mente sem lembranças' - não me canso de ver esse filme. Gondry é o maior diretor dessa geração videoclipe e o Kaufman é um gênio [que precisa de um diretor imaginativo para controlar seus devaneios];
- 'Cidade de Deus' - mudou o patamar dos filmes brasileiros e projetou o nome do Meirelles para o mundo inteiro, além de fazer um filme de máfia melhor que 'Os bons companheiros'.
- 'Tropa de elite' 1+2 [migué meu] - conseguiu impressionar e surpreender duas vezes e criou um super-herói brasileiro [falei isso antes da 'veja', ok?];
- 'Ratatouille' - foi difícil escolher um único filme da pixar; acho 'Os incríveis' e 'Wall-e' e 'Up' obras-primas. mas entre todos, acho a história do ratinho cozinheiro o que mais me comoveu...
'A rede social' - o retrato de uma geração que ainda me assusta absurdamente. E a volta de um diretor que 'tava meio pelas tabelas.
'Batman - dark knight' - um herói que deve ser visto como o bandido para o bem da sociedade. Assusta só de reescrever isso aqui. E tem aquele coringa, o segundo maior vilão da década.
'L'ultimo bacio' - Gabriele Muccino fez um dos maiores filmes pequenos que já vi. e, em seguida, foi cooptado pelo Will Smith.
'Irreversível' - quantas vezes um filme incomodou tanto os espectadores? ganhou de 'Dogville' nessa subcategoria pessoal por conta da Monica Bellucci.
'Onde os fracos não têm vez' - o melhor faroeste moderno - e um dos melhores de todos os tempos. Isso sem falar no Javier Bardem, o maior vilão da década.
'O segredo dos seus olhos' - pensei que, por mais que tenha gostado d''O filho da noiva', esse filme levou a fórmula do Campanella além. E tem o Ricardo Darín, um dos melhores atores do mundo.
Dois brasileiros, cinco americanos, sendo que desses um é dirigido por um francês e outro é uma animação sobre a França; puro-sangue, só três, sendo um o máximo do cinema americano atualmente, o de quadrinhos; outro o clássico faroeste; e por último, um filme sobre um dos lugares menos americano dos eua, Harvard. Um italiano, que logo foi para os EUA; um francês-argentino; e um argentino, com passagem pelos EUA.
Foi a década em que o cinema americano de qualidade menos se pareceu com os eua; e o cinema do mundo mais tentou ser Hollywood.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Dez melhores discos da década
Pouca gente se dá conta que a primeira década do século xxi só acabou este ano. Ano passado foi a vez das milhares de retrospectivas.
Porém, sendo coerentes, eu e os meus amigos [o fotógrafo Thiago 'Abel' Facina, os jornalistas e DJs Marcos 'Texas' Ramos e Daniel 'Tamba' Tambarotti, os só jornalistas Helton 'Ruivo' Setta e Raphael 'Robson' Roque, o cineasta Luiz Henrique 'Batata' Campos, o desenhista e animador José Luiz 'Zé' Brandão Albuquerque, o publicitário Samuel 'Samuca' Tonin, seu irmão, o farmacêutico Daniel 'An'Tonin, o jornalista+RP+marketingman Eduardo 'Edu' Senise, com a complacência de Thiago Tudesco] elegemos os dez melhores álbuns dos últimos dez anos. Para concordar, discordar, para comentar. Veja abaixo a lista:
Strokes, "Is this it" - 10 votos;
Daft Punk - "Discovery" - 7 votos;
Amy Winehouse, "back to black" - 7 votos;
Arcade Fire – "Funeral" - 6 votos;
Hot Chip - "The Warning" - 6 votos;
Outkast, "Speakerboxxx/The Love Below" - 5 votos;
Interpol, "Turn on the bright lights" - 5 votos;
Radiohead, "In Rainbows" - 5 votos;
LCD - "Sound of Silver" - 4 votos
e [dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três...]
Gnarls Barkley - "St. Elsewhere" - 3 votos
menção honrosa para [houve um critério de desempate]:
- The Killers, "Hot fuzz" - 3 votos
- Hot Chip - "One night stand" - 3 votos
- Franz Ferdinand, idem - 3 votos
também citados pelo menos duas vezes:
- Hide quoted text -
- System of a Down - "Toxicity" - 2 votos
- Burial - "Untrue" - 2 votos.
- Gui Boratto - "Chromophobia" - 2 votos
- Junior Boys - "Last exit" - 2 votos
- Los Hermanos, "Bloco do Eu Sozinho" - 2 votos
Porém, sendo coerentes, eu e os meus amigos [o fotógrafo Thiago 'Abel' Facina, os jornalistas e DJs Marcos 'Texas' Ramos e Daniel 'Tamba' Tambarotti, os só jornalistas Helton 'Ruivo' Setta e Raphael 'Robson' Roque, o cineasta Luiz Henrique 'Batata' Campos, o desenhista e animador José Luiz 'Zé' Brandão Albuquerque, o publicitário Samuel 'Samuca' Tonin, seu irmão, o farmacêutico Daniel 'An'Tonin, o jornalista+RP+marketingman Eduardo 'Edu' Senise, com a complacência de Thiago Tudesco] elegemos os dez melhores álbuns dos últimos dez anos. Para concordar, discordar, para comentar. Veja abaixo a lista:
Strokes, "Is this it" - 10 votos;
Daft Punk - "Discovery" - 7 votos;
Amy Winehouse, "back to black" - 7 votos;
Arcade Fire – "Funeral" - 6 votos;
Hot Chip - "The Warning" - 6 votos;
Outkast, "Speakerboxxx/The Love Below" - 5 votos;
Interpol, "Turn on the bright lights" - 5 votos;
Radiohead, "In Rainbows" - 5 votos;
LCD - "Sound of Silver" - 4 votos
e [dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três...]
Gnarls Barkley - "St. Elsewhere" - 3 votos
menção honrosa para [houve um critério de desempate]:
- The Killers, "Hot fuzz" - 3 votos
- Hot Chip - "One night stand" - 3 votos
- Franz Ferdinand, idem - 3 votos
também citados pelo menos duas vezes:
- Hide quoted text -
- System of a Down - "Toxicity" - 2 votos
- Burial - "Untrue" - 2 votos.
- Gui Boratto - "Chromophobia" - 2 votos
- Junior Boys - "Last exit" - 2 votos
- Los Hermanos, "Bloco do Eu Sozinho" - 2 votos
sábado, 18 de dezembro de 2010
Noel Rosa 100 anos
Desde o dia em que assisti a essa palestra, fiquei ainda mais impressionado com o Noel. Por conta disso, vou fazer uma pequena homenagem, com uma de suas melhores e mais conhecidas músicas:
Conversa de botequim
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa.
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos.
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro.
(Refrão)
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...
Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empresta algum dinheiro,
Que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente.
(Refrão)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Conversa de botequim
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa.
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos.
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro.
(Refrão)
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...
Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empresta algum dinheiro,
Que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente.
(Refrão)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
É proibido cantar [funk]
Primeiro o fato: MCs são presos por cantarem funks com apologias ao tráfico de drogas. O argumento da polícia é que as músicas, falando de armas e dos traficantes, seduzem os adolescentes para entrar nas favelas. As imagens mostram eles se referindo a criminosos foragidos do Alemão, afirmando que eles foram para a Rocinha. O repórter mostra dois MCs [um inclusive, de cuecas] que, visivelmente nervosos, se contradizem. Mostra cordões de ouro como se perguntasse: um pé-rapado desse tem dinheiro para comprar cordão de ouro? Um terceiro, Smith, diz que só vai se pronunciar na presença do advogado e alega liberdade de expressão. A reportagem ainda mostra um quarto MC preso: numa batida, no Leblon, por tráfico de drogas [colocando toda a história num mesmo saco, questão de tempo, eu sei, mas é estranho].
Agora, duas considerações.
DoisPontoUm: Smith é o personagem de um documentário, dirigido, fotografado e com som de amigos. Ou seja, é um filme de amigos. O curta se chama "Grosso calibre" e foi financiado pela ONU exatamente para demonstrar como a violência influencia a cultura em países periféricos. Ele participa de uma competição, cujo vencedor vai ganhar equipamentos cinematográficos [Veja aqui e vote nele, se quiser, compartilhando nas redes sociais]. Portanto a prisão do Smith e dos outros me chamou a atenção mais que outros casos parecidos - mas devem existir às dezenas.
O MC faz apologia / elogio ao crime? Tanto quanto quem canta uma versão proibidona do clássico do Robertão: "É proibido fumar [maconha]". OK, talvez um pouco mais. OK, talvez MUITO mais. Mas, pergunto: e daí?
A polícia diz que jovens são seduzidos pela música desses MCs. Temos um problema aqui: por que alguns jovens são seduzidos e outros, não? E, de todos que gostam da música, quantos são realmente criminosos? Por mais que a policia não goste de pormenorizar, temos que admitir que há jovens que são seduzidos e outros que não. Qual é a diferença entre eles? Será que a música cumpre um papel realmente definitivo nessa opção? Será que não há outras carências e a música é apenas a parte de entretenimento dos jovens? Por fim, uma pergunta que é o inverso do argumento, mas que é totalmente sincera: será mesmo que alguém entra para o tráfico por conta dessas músicas?
Por fim, a alegação de MC Smith. Liberdade de expressão. Até onde vai a liberdade de expressão? Até o limite do crime, respondo. Até quando não comete algo ilegal, como fazer elogios ao crime, ou a criminosos. Mas esse limite não é muito tênue? Não parece que cantores pobres sofrem mais com esse tipo de perseguição que outros, mais ricos e bem sucedidos? Exemplo: a galera do Planet Hemp foi presa por fazer apologia [lembra?] às drogas. Logo a grita foi geral e hoje Marcelo D2 é o cara. Aparece duas vezes no horário nobre da TV Globo no mesmo dia.
OK, novamente estou fazendo comparações desmedidas, mas volto a perguntar: alguém vai defender esses MCs?
DoisPontoDois: Conversei recentemente com a historiadora Adriana Facina, que fez sua tese de doutora exatamente sobre o funk. Um de seus argumentos mostra como o estilo sofre o mesmo tratamento que o samba sofria no início do século passado. Era um som de preto, pobre, favelado. [Mas quando toca, ninguém fica parado. A música está certíssima.] Por isso, quem gosta de funk, que faz funk, quem frequenta os bailes, é discriminado. É criminalizado. É preso.
Adriana comentou um aspecto curioso, que ninguém leva em consideração, demonstrando o comportamento de todos para com o funk. “Quem critica o ‘proibidão’ o faz por causa de quem está falando isso, que é o morador da favela. Ignoram, também, a persona artística do cantor. Será que quando Chico Buarque interpreta uma música como mulher ele se torna gay?”, ela perguntou. E eu complementei: eles cantam as mesmas coisas que os rappers americanos, que exaltam a criminalidade, o tal de gangsta rap. Alguém nos EUA é preso por dizer que é o bonzão, porque dá tiro, mata os inimigos e pega geral? Isso não é apologia / elogio do crime? [Lembra que Smith falou de liberdade de expressão? Temos que aprender muito com os americanos, ainda, nesse aspecto...]
“O que cantam os chamados 'proibidões', não é diferente do que é narrado em ‘Tropa de elite’ ou pela imprensa sensacionalista”, diz a professora. “Funk fala sobre o aluguel do caveirão, que todo mundo sabe que acontece, mas não aparece na imprensa. Bezerra da Silva fazia isso [esse tipo de denúncia] também”, compara.
E é verdade. Eles cantam o que veem, o que presenciam, o cotidiano de cada um. Deveria ser uma vergonha para o Estado isso, mas, como sempre, o Estado tenta sumir com a "prova do crime", em vez de acabar com o crime.
Smith é um ídolo nas favelas e onde quer que ele ande as pessoas cantam suas músicas [o doc. mostra bem isso]. Smith é um artista e deveria ser tratado dessa maneira - e olha que eu acho a música dele chata pra dedéu. Essa história me parece, como sempre, uma forma de criminalizar o pobre.
Agora, duas considerações.
DoisPontoUm: Smith é o personagem de um documentário, dirigido, fotografado e com som de amigos. Ou seja, é um filme de amigos. O curta se chama "Grosso calibre" e foi financiado pela ONU exatamente para demonstrar como a violência influencia a cultura em países periféricos. Ele participa de uma competição, cujo vencedor vai ganhar equipamentos cinematográficos [Veja aqui e vote nele, se quiser, compartilhando nas redes sociais]. Portanto a prisão do Smith e dos outros me chamou a atenção mais que outros casos parecidos - mas devem existir às dezenas.
O MC faz apologia / elogio ao crime? Tanto quanto quem canta uma versão proibidona do clássico do Robertão: "É proibido fumar [maconha]". OK, talvez um pouco mais. OK, talvez MUITO mais. Mas, pergunto: e daí?
A polícia diz que jovens são seduzidos pela música desses MCs. Temos um problema aqui: por que alguns jovens são seduzidos e outros, não? E, de todos que gostam da música, quantos são realmente criminosos? Por mais que a policia não goste de pormenorizar, temos que admitir que há jovens que são seduzidos e outros que não. Qual é a diferença entre eles? Será que a música cumpre um papel realmente definitivo nessa opção? Será que não há outras carências e a música é apenas a parte de entretenimento dos jovens? Por fim, uma pergunta que é o inverso do argumento, mas que é totalmente sincera: será mesmo que alguém entra para o tráfico por conta dessas músicas?
Por fim, a alegação de MC Smith. Liberdade de expressão. Até onde vai a liberdade de expressão? Até o limite do crime, respondo. Até quando não comete algo ilegal, como fazer elogios ao crime, ou a criminosos. Mas esse limite não é muito tênue? Não parece que cantores pobres sofrem mais com esse tipo de perseguição que outros, mais ricos e bem sucedidos? Exemplo: a galera do Planet Hemp foi presa por fazer apologia [lembra?] às drogas. Logo a grita foi geral e hoje Marcelo D2 é o cara. Aparece duas vezes no horário nobre da TV Globo no mesmo dia.
OK, novamente estou fazendo comparações desmedidas, mas volto a perguntar: alguém vai defender esses MCs?
DoisPontoDois: Conversei recentemente com a historiadora Adriana Facina, que fez sua tese de doutora exatamente sobre o funk. Um de seus argumentos mostra como o estilo sofre o mesmo tratamento que o samba sofria no início do século passado. Era um som de preto, pobre, favelado. [Mas quando toca, ninguém fica parado. A música está certíssima.] Por isso, quem gosta de funk, que faz funk, quem frequenta os bailes, é discriminado. É criminalizado. É preso.
Adriana comentou um aspecto curioso, que ninguém leva em consideração, demonstrando o comportamento de todos para com o funk. “Quem critica o ‘proibidão’ o faz por causa de quem está falando isso, que é o morador da favela. Ignoram, também, a persona artística do cantor. Será que quando Chico Buarque interpreta uma música como mulher ele se torna gay?”, ela perguntou. E eu complementei: eles cantam as mesmas coisas que os rappers americanos, que exaltam a criminalidade, o tal de gangsta rap. Alguém nos EUA é preso por dizer que é o bonzão, porque dá tiro, mata os inimigos e pega geral? Isso não é apologia / elogio do crime? [Lembra que Smith falou de liberdade de expressão? Temos que aprender muito com os americanos, ainda, nesse aspecto...]
“O que cantam os chamados 'proibidões', não é diferente do que é narrado em ‘Tropa de elite’ ou pela imprensa sensacionalista”, diz a professora. “Funk fala sobre o aluguel do caveirão, que todo mundo sabe que acontece, mas não aparece na imprensa. Bezerra da Silva fazia isso [esse tipo de denúncia] também”, compara.
E é verdade. Eles cantam o que veem, o que presenciam, o cotidiano de cada um. Deveria ser uma vergonha para o Estado isso, mas, como sempre, o Estado tenta sumir com a "prova do crime", em vez de acabar com o crime.
Smith é um ídolo nas favelas e onde quer que ele ande as pessoas cantam suas músicas [o doc. mostra bem isso]. Smith é um artista e deveria ser tratado dessa maneira - e olha que eu acho a música dele chata pra dedéu. Essa história me parece, como sempre, uma forma de criminalizar o pobre.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
'Procura da poesia'
Ouvi um trecho de "Procura da poesia", do Drummond, ontem. Acho que é a poesia que mais me marcou a minha vida. O trecho que ouvi ontem era o que aparecia na capa do meu livro de literatura do primeiro grau, o meu primeiro livro de literatura. Fiquei durante anos encarando a pergunta que a penúltima estrofe me fazia: "trouxeste a chave?" Será que eu teria trazido a chave? Será que eu seria autorizado pela poesia a entrar em seu mundo?
Não sei se foi a partir daí, mas, encaro a literatura [e a arte em geral] como uma forma de jogo, entre o autor e o espectador. Um coloca as regras, mas se o outro não as captar, não há jogada. Um é a fechadura o outro tem que trazer a chave. Mas não era isso que Drummond queria dizer no poema. Ou não é o que eu acho agora que ele queria dizer. Mas isso não importa. A obra de arte é a que consegue se desdobrar infinitamente, até a ponto que o autor, o jogador, nem imaginava, ou pretendia. Copio a poesia aqui.
Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Não sei se foi a partir daí, mas, encaro a literatura [e a arte em geral] como uma forma de jogo, entre o autor e o espectador. Um coloca as regras, mas se o outro não as captar, não há jogada. Um é a fechadura o outro tem que trazer a chave. Mas não era isso que Drummond queria dizer no poema. Ou não é o que eu acho agora que ele queria dizer. Mas isso não importa. A obra de arte é a que consegue se desdobrar infinitamente, até a ponto que o autor, o jogador, nem imaginava, ou pretendia. Copio a poesia aqui.
Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Brasil: amor & ódio
Um grupo de amigos em que faço parte começou uma discussão por conta dos comentários nas fotos daquele site de grandes imagens, com um especial sobre o Alemão. Rolou uma vergonha por parte de alguns camaradas por conta do nível dos brasileiros que estavam ali. Como estou superinfluenciado pelas minhas leituras para terminar a monografia da pós, tomei as dores e fiz um mega-email, que copio abaixo.
Roberto Schwarz, em um dos livros em que ele analisa o Machado, "Ao vencedor as batatas" [essa frase é muito boa], fala que Machado foi um gênio como crítico de costumes de uma sociedade brasileira que era baseada em três "classes": os escravos, os senhores de escravos e os "agregados". a discussão intelectual sempre ficou nas duas últimas que tentaram, sem muito resultado, se tornar europeus, importando correntes de pensamento e impondo a força conceitos que não se aplicavam, como, por exemplo, as ideias iluministas. como ser iluminista e escravocrata ao mesmo tempo? acho muito interessante a parte que ele comenta esse "agregado". vou copiar aqui uma interpretação.
Roberto Schwarz, em um dos livros em que ele analisa o Machado, "Ao vencedor as batatas" [essa frase é muito boa], fala que Machado foi um gênio como crítico de costumes de uma sociedade brasileira que era baseada em três "classes": os escravos, os senhores de escravos e os "agregados". a discussão intelectual sempre ficou nas duas últimas que tentaram, sem muito resultado, se tornar europeus, importando correntes de pensamento e impondo a força conceitos que não se aplicavam, como, por exemplo, as ideias iluministas. como ser iluminista e escravocrata ao mesmo tempo? acho muito interessante a parte que ele comenta esse "agregado". vou copiar aqui uma interpretação.
Schwarz explica que o Brasil – esse personagem metonímico – exercia uma função de agente duplo, sendo a favor, na teoria, das ideias “modernas” europeias, e agindo como um “atrasado”, ao exercer a escravidão. Essa função tem origem na própria formação econômica do período, escreve. Éramos um país de grandes latifúndios que, por um lado, dependia da mão-de-obra escrava para a produções dos bens agrícolas, e, por outro, vendia esses produtos ao mercado externo, majoritariamente europeu, liberal e burguês. O “marxista brechtiano”[1] fala que, além desses dois atores da sociedade brasileira desse período, o escravo e o senhor, havia uma terceira figura que estava entre os dois extremos, mas ligada aos dois, como se fosse uma ponte, o que ele chama de “homem livre”, com um adendo: “porém dependente”, e o caricaturiza num personagem de fácil identificação: o agregado. Para Schwarz, a parte central para entender esse terceiro elemento e a sua relação com os senhores, é desvendar a instituição do “favor”. Diz ele que será entre essas duas esferas superiores, os senhores e os “agregados”, que se dará a vida intelectual. “O favor, ponto por ponto, pratica a dependência à pessoa, a exceção à regra, a cultura interessada, remuneração, e serviços pessoais”, escreve. O favor ainda tinha uma função de assegurar para as duas partes envolvidas, principalmente para os favorecidos, de que, “nem mais miserável dos favorecidos” era um escravo. Era uma marca de ascenção sobre um grupo social. Era uma relação que expunha um certo tipo de status. Segundo Schwarz, “Machado de Assis será mestre nestes meandros”, sendo capaz de fazer uma crônica de costumes, temperada com sua tradicional ironia para demonstrar suas incongruências.
Depois, rolou uma discussão de "nós" [brasileiros] x "eles" [estrangeiros], que eu também entrei, para confundir, não para explicar, como diria lá o Chacrinha. Demonstrei que, hoje em dia, não somos assim tão diferentes, principalmente na internet. Copio abaixo:
saiu o google zeitgeist, que é a retrospectiva do google para 2010.
os dez assuntos mundiais que mais cresceram foram: chatroulette, ipad, justin bieber, nicki minaj, friv myxer, katy perry, twitter, gamezer, facebook.
ou seja, celebridades, redes sociais, gadgets, gente que a gente nunca ouviu falar.
no brasil, foram: larissa riquelme, formspring, justin bieber, bbb 2010, enem 2010, restart, hotmail.com.br, luan santana, assistir filmes online, globo.com.br.
bem, não modifica tanto assim. e ainda temos assuntos mais "sérios", como enem 2010, e "assistir filmes online" [convenhamos que um pouco de anarquia faz bem]. também mostramos o quanto somos estranhos: procurar "hotmail.com.br" e "globo.com.br". ou somos viciados no google ou somos mongóis.
tudo bem, o mundo não é o bastante para a gente - e é influenciado por um bando de gente estranha - nós inclusive. vamos ver outros países. frança, pode ser?
chatroulette, grepolis, portailorange, justin bieber, facebook, gmail, message, hotmail sign in, haiti, deezer.fr, pole emploi.
redes sociais, celebridades, mongolismo-vício-portais, site de procura de emprego [é a crise, estúpido] e haiti.
considerando que houve uma catástrofe no haiti esse ano e que há muito haitiano na frança, eu desconsidero o caráter humanitário simples dessa busca.
ou seja, talvez estejamos vivendo uma situação em que o nível mundial é muito parecido. não há tanta diferença assim entre o "nós" e o "eles", pelo menos não na internet.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Esperança, vigor e paz
Além de não ser bom em chute [vide aqui e aqui], torço para o futebol muito raramente. Sou um tricolor de final de campeonato, como ouvi dizer. Desde a queda tripla do Fluminense às divisões subterrâneas, desisti de perder o pouco tempo que tenho acompanhando o velho esporte bretão. Mas é inegável como a parte da paixão, do irracional, que envolve o esporte ainda me fascina. Lembra da mitologia que eu estava um dia sugerindo como necessária? O futebol tem de sobra.
Por isso, ontem, fiquei muito empolgado escrevendo um texto sobre a história do clube das Laranjeiras, que se confunde com a história do próprio futebol. Não fiz um estardalhaço, mas fiquei feliz com a vitória. Acredito que o time conseguiu agir de acordo com as máximas pregadas por seu hino: deu esperança, jogou com vigor, mas sem se esquecer da paz, jamais.
Aliás, vendo o hino do time, me peguei pensando como foi que eu me tornei Fluminense. Tudo bem que eu era um conservadorzinho, quando pequeno, mas frases como "quem espera sempre alcança", além de brega, é contra tudo o que eu imagino hoje em dia. Não acredito na inação, nem no destino [também não acredito no livre-arbítrio, mas isso é outra história].
Em um segundo momento do hino, canta Lamartine Babo, "Vence o Fluminense / Com sangue do encarnado." Sangue do encarnado? Já não chega cantarem "A benção João de Deus", para um Papa [a saber, João Paulo II]? Eu sei que é a cor se chama "encarnado" [descobri ontem, para dizer a verdade], mas não consigo me livrar do pensamento católico. Novamente, estou longe disso.
A única cor que se salva, portanto, é o branco, associado à paz e à harmonia. É possível conviver com isso.
Além disso, o time tem uma tradição elitista conservadora, o que me deixa com os dois pés atrás.
Estava eu a pensar nisso, por que eu me tornei Fluminense, recorrendo ao meu pai, na sua provável única grande influência em minha vida, quando me deparei com o maior craque o time já produziu: Nelson Rodrigues. Não há ninguém maior na História do Fluminense que o dramaturgo. Pelo menos, na minha humilíssima opinião. Foi ele quem me deu a resposta para a minha pergunta. Uma resposta literária, como a pergunta merecia. “Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir”.
Ele também me deu uma boa resposta em relação ao meu adormecimento: “Nas situações de rotina, um 'pó-de-arroz' pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumba”.
E, por último, demonstrou que o Fluminense não é exatamente um time só da elite, pelo contrário. “O mais exato seria dizer que ele é o clube de todas as classes”. Abaixo, copio uma crônica dele, de 1959, publicada pela primeira vez no "Jornal dos Sports", do seu irmão flamenguista Mário Filho, intitulada "A incomparável torcida tricolor", que eu tirei daqui.
Por isso, ontem, fiquei muito empolgado escrevendo um texto sobre a história do clube das Laranjeiras, que se confunde com a história do próprio futebol. Não fiz um estardalhaço, mas fiquei feliz com a vitória. Acredito que o time conseguiu agir de acordo com as máximas pregadas por seu hino: deu esperança, jogou com vigor, mas sem se esquecer da paz, jamais.
Aliás, vendo o hino do time, me peguei pensando como foi que eu me tornei Fluminense. Tudo bem que eu era um conservadorzinho, quando pequeno, mas frases como "quem espera sempre alcança", além de brega, é contra tudo o que eu imagino hoje em dia. Não acredito na inação, nem no destino [também não acredito no livre-arbítrio, mas isso é outra história].
Em um segundo momento do hino, canta Lamartine Babo, "Vence o Fluminense / Com sangue do encarnado." Sangue do encarnado? Já não chega cantarem "A benção João de Deus", para um Papa [a saber, João Paulo II]? Eu sei que é a cor se chama "encarnado" [descobri ontem, para dizer a verdade], mas não consigo me livrar do pensamento católico. Novamente, estou longe disso.
A única cor que se salva, portanto, é o branco, associado à paz e à harmonia. É possível conviver com isso.
Além disso, o time tem uma tradição elitista conservadora, o que me deixa com os dois pés atrás.
Estava eu a pensar nisso, por que eu me tornei Fluminense, recorrendo ao meu pai, na sua provável única grande influência em minha vida, quando me deparei com o maior craque o time já produziu: Nelson Rodrigues. Não há ninguém maior na História do Fluminense que o dramaturgo. Pelo menos, na minha humilíssima opinião. Foi ele quem me deu a resposta para a minha pergunta. Uma resposta literária, como a pergunta merecia. “Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir”.
Ele também me deu uma boa resposta em relação ao meu adormecimento: “Nas situações de rotina, um 'pó-de-arroz' pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumba”.
E, por último, demonstrou que o Fluminense não é exatamente um time só da elite, pelo contrário. “O mais exato seria dizer que ele é o clube de todas as classes”. Abaixo, copio uma crônica dele, de 1959, publicada pela primeira vez no "Jornal dos Sports", do seu irmão flamenguista Mário Filho, intitulada "A incomparável torcida tricolor", que eu tirei daqui.
Amigos, reparem: - há algo de patético na torcida do Fluminense. Nós, com a nossa crassa e ignara simplicidade, temos a mania de falar em “aristocrático clube das Laranjeiras”. E eu vos digo : - “aristocrático” em termos. Será aristocrático porque, no seu quadro social, falta tudo, menos grã-finos. Mas há algo mais no Fluminense, algo mais do que a aristocracia que lhe atribuem. Mais exato seria dizer que ele é o clube de todas as classes.
Sim, amigos : - há de tudo em Álvaro Chaves. Vocês querem tubarão? Afirmo-vos que os há de todos os tipos. Desde o tubarão de borracha, o tubarão de piscina, que as crianças cavalgam, até o tubarão mesmo, de insaciável voracidade. Costumamos desprezar o cartola. Mas vamos e venhamos: - com o seu charuto afrontoso e ultrajante, a conspurcar de cinza todos os tapetes, ele tem o seu charme. Sim, no Fluminense, há cartolas em penca. Vocês querem o príncipe? É o que não falta no Fluminense. Esse grã-finismo autêntico é meio gostoso de se ver.Há também a família da classe média, a mocinha linda, o pai, a mãe, com os seus escrúpulos severos.
Nada, porém, é tão impressionante como o pé-rapado do Tricolor. Amigos, o Fluminense, com toda a sua aristocracia, têm na sua torcida, uma plebe que eu chamaria de épica. É uma multidão que o acompanha, com ululante fidelidade. Jogue o Fluminense com o escrete húngaro ou com o Casca-Grossa F.C. e lá estarão esses heróis de pé descalço. Como são formidáveis ao empunhar a tocha do entusiasmo tricolor! Mas eu falei em pé-rapado. Para mim, não existe o pé-rapado, o borra-botas. O que existe é o homem, o ser humano, a levar nas costas, como o peixe da Emulsão de Scott, uma alma imortal. Um homem é sempre igual a outro homem.
Mas como eu ia dizendo: - chamemos convencionalmente a plebe tricolor de plebe mesmo. É uma gente gloriosa, que não larga o clube, chova ou faça sol. Com a nossa bandeira erguida aos ventos da vitória, lá vão os pés-descalços atrás do time. Eu acredito que esses mesmos homens, em encarnações passadas, fizeram a Revolução Francesa e derrubaram bastilhas. Amigos, eis a verdade: - os campeonatos e as revoluções vivem de paixão. Sem sentimento, não se derruba uma bastilha, nem se levanta um campeonato.
Eu acho profundamente cretina a expressão “plebe ignara”. Ignara coisa nenhuma. Nós é que somos os ignaros, os crassos. Falta-nos isso que sobra no suposto pé-rapado, ou seja, a capacidade de vibrar, de se apaixonar, de viver e morrer por uma paixão. A parte mais humilde da nossa torcida é capaz, sim, de perecer pelo time. Nós temos o escrúpulo, o pudor de pular no meio da rua como um índio de Carnaval. A nossa alegria é meio envergonhada, meio arrependida. Mas a chamada plebe se embriaga com o próprio fogo. A vitória sobe-lhe à cabeça. O tricolor popular, na sua pura euforia, é capaz de trocar as pernas e cair, rente ao meio-fio, com a cara enfiada no ralo. Sim, amigos, falta-nos, a nós outros, a capacidade de tão violenta embriaguez clubística.
Na semana do jogo com o Bangu, eu penso nos pés-descalços da nossa torcida. Eu disse, aqui mesmo, outro dia, que o torcedor, qualquer que seja ele, deve ser tratado, cultivado, como uma orquídea rara. É a pura verdade. Cabe, porém, observar: - o torcedor é tanto mais vibrante quanto mais humilde socialmente. O pó-de-arroz plebeu dá tudo na sua torcida. Põe todo o seu ser, toda a sua alma, toda a sua paixão no berro do gol. Um jogo, para ele, não representa apenas um passatempo inconseqüente, mas uma decisiva experiência vital. A derrota passa a ter um sentido transcendente. E a vitória significa apenas isto: - a Ressurreição e a Vida.
Um campeonato constitui uma soma de fatos. Um deles, e dos mais importantes, é a torcida. Um time precisa sentir, atrás de si, o berro da torcida. A ausência dessa torcida representa a solidão. Nada mais triste do que um time sem ninguém. Acresce o seguinte: - ninguém faz justiça à torcida tricolor. Exalta-se a do Vasco, a do Flamengo. E querem esquecer a nossa. Mas eu vos digo: - tem razão o Benício Ferreira Filho: - a grande torcida é a do Fluminense. Nada se compara à sua flama e à sua fidelidade. Outras podem ser mais numerosas. Uma torcida, porém, não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento. E a torcida leva um imperecível estandarte de paixão.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)