Ontem vi uma pichação sobre um anúncio da Coca-cola. O [a] interventor [a] rabiscava o "Amor", da campanha "Mais amor", e escrevia por cima, numa participação bastante autorreferencial, "Revolta". Várias interpretações começaram, a partir dessa interferência, a pipocar na minha cabeça. A primeira, é claro, fica para o fato de a mais emblemática empresa do que poderíamos chamar de capitalismo comportamental se aproveitar de um remake de ideologia hippie, adaptada aos nossos tempos, em que se afirmaria "all we need is love".
A campanha da Coca-cola mira na associação da sua marca com uma ideia de felicidade, de "viver positivamente", com a ideia de pensar só em "coisas boas". Mostra em seu site casos de superação, como se desse uma força para a grande transformação do mundo. Isso me lembra do professor de economia que eu tive na faculdade, um cínico neoliberal num mundo de estudantes idealistas de esquerda, que adorava falar que não concebia um mundo - ou um país - em que não houvesse Coca-cola, para desdenhar de qualquer possível avanço dentro do regime cubano. Mostra também como até o capitalismo virou - ou finge ter virado - de esquerda. Parece, assim, que até os maiores banqueiros devem querer uma sociedade mais igualitária. Só nos basta, então, esperar que o capitalismo, um dia, chegue ao Brasil.
De toda forma, a resposta do [a] nosso [a] revoltado [a] pichador [a] mostra que sempre haverá quem vigie o vigia. Ou seja, a contracultura sempre escapa das armas da hegemonia. Enquanto alguém estiver pedindo amor, outra voz - talvez menor, mais baixa, mas ainda assim insistente - vai pedir revolta. E vice-versa. É dessas dicotomias que, já dizia o velho Aristóteles, vivemos.
Porém ["ah, porém"], essa intervenção mostra bastante como vivemos em um mundo asséptico em que se pensa que é possível viver apenas uma face das moedas, sem querer encarar o seu oposto. Ou, em outras palavras, como se fosse possível viver o "amor" sem a "revolta". Como se um não fosse conectado diretamente ao outro, e a muitos outros sentimentos.
Tenho problemas com a palavra "amor". Acho que ficou desgastada por anos e anos de frases vazias, em que as pessoas repetiam como se fossem uma forma de entrar num mundo cor-de-rosa, em que tudo fosse feito de algodão-doce, e que as pessoas viveriam mergulhadas em MDMA. Não que esteja sugerindo que o "amor" seja algo sério, ao contrário. Sou partidário de Oswald de Andrade, que em sua pílula pescou que "Amor = humor". Mas, como diria outro poeta, se você "mora na filosofia / para que rimar / amor e dor?".
"Amor" é um sentimento guarda-chuva - para usar uma expressão do marketing, já que estamos falando sobre. Abaixo de suas varetas, há diversos outros sentimentos, que o compõem, inclusive a "dor", citado no verso do Caetano. Mesmo que ele, no provável momento de muita dor [lembrai do "Tristeza não tem fim / felicidade sim"], se pergunta como um filósofo, isto é, como esse cara que se diz tão inteligente, pode cair no conto do "amor", e, ainda pior, como ele se permitiu sentir a "dor" desse "amor", a verdade é que um e outro são inseparáveis, indissociáveis. E Caetano, que seria ferido pelas garras da ferina tigresa, entre outras garras, sabe disso.
Não estou propondo que as pessoas se encaminhem para trituradores de carne, como aqueles personagens do filme "The wall", sobre o disco homônimo do Pink Floyd, mas que aceitem toda a complexidade e a dimensão do "amor", ou desse sentimento imenso que existe e que vem recebendo o nome de "amor". Nele cabem a raiva, a revolta, o ódio, o tédio, a ansiedade, o nervosismo, mas também, a felicidade, a plenitude, a tranquilidade, a calmaria. Não é possível ter um sem ter o outro. É capaz de termos mais alguns sentimentos que outros, mas não dá para escolher, como num supermercado o que levaremos para casa. A "revolta" não é a Coca-cola tradicional que deixamos para trás porque engorda muito, para escolhermos a light.
Talvez fosse melhor substituir, momentaneamente, a palavra "amor", por uma outra, para dar um refresco a ela. E "amor" ou o que ela representa é tão grandioso que em seu lugar eu só consigo pensar em uma outra, também imensa, e também multifacetada: "vida". Então, na próxima vez que eu falar "eu vivo você", já sabe, não tem nada a ver com telefonia celular.
A campanha da Coca-cola mira na associação da sua marca com uma ideia de felicidade, de "viver positivamente", com a ideia de pensar só em "coisas boas". Mostra em seu site casos de superação, como se desse uma força para a grande transformação do mundo. Isso me lembra do professor de economia que eu tive na faculdade, um cínico neoliberal num mundo de estudantes idealistas de esquerda, que adorava falar que não concebia um mundo - ou um país - em que não houvesse Coca-cola, para desdenhar de qualquer possível avanço dentro do regime cubano. Mostra também como até o capitalismo virou - ou finge ter virado - de esquerda. Parece, assim, que até os maiores banqueiros devem querer uma sociedade mais igualitária. Só nos basta, então, esperar que o capitalismo, um dia, chegue ao Brasil.
De toda forma, a resposta do [a] nosso [a] revoltado [a] pichador [a] mostra que sempre haverá quem vigie o vigia. Ou seja, a contracultura sempre escapa das armas da hegemonia. Enquanto alguém estiver pedindo amor, outra voz - talvez menor, mais baixa, mas ainda assim insistente - vai pedir revolta. E vice-versa. É dessas dicotomias que, já dizia o velho Aristóteles, vivemos.
Porém ["ah, porém"], essa intervenção mostra bastante como vivemos em um mundo asséptico em que se pensa que é possível viver apenas uma face das moedas, sem querer encarar o seu oposto. Ou, em outras palavras, como se fosse possível viver o "amor" sem a "revolta". Como se um não fosse conectado diretamente ao outro, e a muitos outros sentimentos.
Tenho problemas com a palavra "amor". Acho que ficou desgastada por anos e anos de frases vazias, em que as pessoas repetiam como se fossem uma forma de entrar num mundo cor-de-rosa, em que tudo fosse feito de algodão-doce, e que as pessoas viveriam mergulhadas em MDMA. Não que esteja sugerindo que o "amor" seja algo sério, ao contrário. Sou partidário de Oswald de Andrade, que em sua pílula pescou que "Amor = humor". Mas, como diria outro poeta, se você "mora na filosofia / para que rimar / amor e dor?".
"Amor" é um sentimento guarda-chuva - para usar uma expressão do marketing, já que estamos falando sobre. Abaixo de suas varetas, há diversos outros sentimentos, que o compõem, inclusive a "dor", citado no verso do Caetano. Mesmo que ele, no provável momento de muita dor [lembrai do "Tristeza não tem fim / felicidade sim"], se pergunta como um filósofo, isto é, como esse cara que se diz tão inteligente, pode cair no conto do "amor", e, ainda pior, como ele se permitiu sentir a "dor" desse "amor", a verdade é que um e outro são inseparáveis, indissociáveis. E Caetano, que seria ferido pelas garras da ferina tigresa, entre outras garras, sabe disso.
Não estou propondo que as pessoas se encaminhem para trituradores de carne, como aqueles personagens do filme "The wall", sobre o disco homônimo do Pink Floyd, mas que aceitem toda a complexidade e a dimensão do "amor", ou desse sentimento imenso que existe e que vem recebendo o nome de "amor". Nele cabem a raiva, a revolta, o ódio, o tédio, a ansiedade, o nervosismo, mas também, a felicidade, a plenitude, a tranquilidade, a calmaria. Não é possível ter um sem ter o outro. É capaz de termos mais alguns sentimentos que outros, mas não dá para escolher, como num supermercado o que levaremos para casa. A "revolta" não é a Coca-cola tradicional que deixamos para trás porque engorda muito, para escolhermos a light.
Talvez fosse melhor substituir, momentaneamente, a palavra "amor", por uma outra, para dar um refresco a ela. E "amor" ou o que ela representa é tão grandioso que em seu lugar eu só consigo pensar em uma outra, também imensa, e também multifacetada: "vida". Então, na próxima vez que eu falar "eu vivo você", já sabe, não tem nada a ver com telefonia celular.
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