Foucault deu uma série de palestras sobre a pintura de Manet, na segunda metade de 1960, o apontando, talvez conscientemente, talvez instintivamente, como uma resposta ao Velázquez, ou melhor dizendo, como se fossem artistas gêmeos, perdidos no tempo, e nascidos em outro espaço - se eu entendi bem [o que eu duvido]. Para Foucault, o que Manet faz é aceitar o quadro como um objeto que existe, não um ente que quase milagrosamente está em determinado lugar, reproduzindo determinada imagem. Foucault levanta dois [ou três] aspectos para comprovar esse argumento.
"Manet réinvente, ou peut-être invente-t-il, le tableau-objet, le tableau comme matérialité, comme chose colorée que vient éclairer une lumière extérieure et devant lequel ou autour duquel vient tourner le spectateur."
O primeiro é a tentativa de inserir em seus quadros linhas verticais e horizontais, em elementos pictóricos, para representar, ou ecoar as próprias dimensões da tela. Como se ele apontasse, com esses elementos, os limites entre o pintado e o não pintado, como se mostrasse consciência sobre ser este um quadro, portanto criado por alguém, com algum tipo de intenção, e não um objeto que simplesmente apareceu completamente sem referência anterior.
O segundo tem a ver com a luz, e o primeiro exemplo que Foucault dá é o quadro intitulado "Le fifre", o pífano. A iluminação - que desde o quattrocento italiano sempre seria, segundo o francês, indicada dentro da própria tela - aparece do lado de fora do quadro, na posição em que o espectador está, como se apontasse para a continuação, ou o início da pintura ainda fora dela.
Em "Le déjeuner sur l'herbe", há ainda a posição da mão do personagem central, que indica as direções de onde viriam os dois pontos de luz. Há uma artificialidade, para reforçar o caráter de produção, não de mero acaso, ou de algo "natural", da arte. A pintura, assim, se distancia de uma tentativa de cópia do mundo para uma tentativa de re-produção.
Além disso, Foucault também faz questão de lembrar da posição de determinados personagens nos quadros de Manet, que observam sempre o lado de fora da tela, mas em ambos os lados, seja na direção do espectador, seja para trás do quadro. É o caso, por exemplo, de "La serveuse de bocks".
Mas o principal ponto de Foucault é sobre a posição do espectador nos quadros de Manet. O exemplo principal para ilustrar isso seria "Un bar aux Folies-Bergère" [abaixo], em que o pintor convida o espectador a ocupar dois lugares diferentes - logo em frente à garçonete, ou tentado enquadrar seu reflexo. Foucault sugere que há uma necessidade de o espectador tomar uma decisão de onde vai ver a tela, já que não haveria uma posição "correta" para isso. Isso força o espectador a um atitude mais ativa em relação ao quadro, percebendo o engenho do pintor. E adiantando uma das questões mais importantes da arte no século seguinte, a interação, cada vez mais próxima, entre o produtor e o espectador, a ponto de essas fronteiras, hoje em dia, estarem embaçadas.
Curiosa a presença de um espelho nesta obra de Manet - elemento que também aparece em "Las meninas" e que, de certa forma, pode ser uma metáfora, por si só, para a natureza da pintura. Também é curioso que o livro que aparece sua interpretação sobre o quadro de Velázquez comece com uma citação de Borges, que é conhecidamente um homem que tinha com os espelhos uma relação quase mitológica. Borges, um homem literato, com pouca participação em outras áreas - escreveu roteiros com Bioy Casares, gostava de milongas, raramente citava pintores - tinha um pavor seminal dos reflexos. Não dá para passar despercebido o fato de o argentino, entretanto, ter ficado cego muito novo. E que as pinturas são produções artísticas essencialmente visuais, como ressalta outro francês, Merleau-Ponty. Acho que deve ter alguma relação aí escondida.
O primeiro é a tentativa de inserir em seus quadros linhas verticais e horizontais, em elementos pictóricos, para representar, ou ecoar as próprias dimensões da tela. Como se ele apontasse, com esses elementos, os limites entre o pintado e o não pintado, como se mostrasse consciência sobre ser este um quadro, portanto criado por alguém, com algum tipo de intenção, e não um objeto que simplesmente apareceu completamente sem referência anterior.
O segundo tem a ver com a luz, e o primeiro exemplo que Foucault dá é o quadro intitulado "Le fifre", o pífano. A iluminação - que desde o quattrocento italiano sempre seria, segundo o francês, indicada dentro da própria tela - aparece do lado de fora do quadro, na posição em que o espectador está, como se apontasse para a continuação, ou o início da pintura ainda fora dela.
Em "Le déjeuner sur l'herbe", há ainda a posição da mão do personagem central, que indica as direções de onde viriam os dois pontos de luz. Há uma artificialidade, para reforçar o caráter de produção, não de mero acaso, ou de algo "natural", da arte. A pintura, assim, se distancia de uma tentativa de cópia do mundo para uma tentativa de re-produção.
Além disso, Foucault também faz questão de lembrar da posição de determinados personagens nos quadros de Manet, que observam sempre o lado de fora da tela, mas em ambos os lados, seja na direção do espectador, seja para trás do quadro. É o caso, por exemplo, de "La serveuse de bocks".
Mas o principal ponto de Foucault é sobre a posição do espectador nos quadros de Manet. O exemplo principal para ilustrar isso seria "Un bar aux Folies-Bergère" [abaixo], em que o pintor convida o espectador a ocupar dois lugares diferentes - logo em frente à garçonete, ou tentado enquadrar seu reflexo. Foucault sugere que há uma necessidade de o espectador tomar uma decisão de onde vai ver a tela, já que não haveria uma posição "correta" para isso. Isso força o espectador a um atitude mais ativa em relação ao quadro, percebendo o engenho do pintor. E adiantando uma das questões mais importantes da arte no século seguinte, a interação, cada vez mais próxima, entre o produtor e o espectador, a ponto de essas fronteiras, hoje em dia, estarem embaçadas.
Curiosa a presença de um espelho nesta obra de Manet - elemento que também aparece em "Las meninas" e que, de certa forma, pode ser uma metáfora, por si só, para a natureza da pintura. Também é curioso que o livro que aparece sua interpretação sobre o quadro de Velázquez comece com uma citação de Borges, que é conhecidamente um homem que tinha com os espelhos uma relação quase mitológica. Borges, um homem literato, com pouca participação em outras áreas - escreveu roteiros com Bioy Casares, gostava de milongas, raramente citava pintores - tinha um pavor seminal dos reflexos. Não dá para passar despercebido o fato de o argentino, entretanto, ter ficado cego muito novo. E que as pinturas são produções artísticas essencialmente visuais, como ressalta outro francês, Merleau-Ponty. Acho que deve ter alguma relação aí escondida.
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