Se for para ser direto: não, Crisis in six scenes não é uma boa série. Woody Allen não entendeu [ou não deve ter acompanhado] nada do que aconteceu nas produções para a TV, internet e - no caso dele - uma empresa que vende qualquer coisa na rede, nos últimos anos. Sua produção não pode ser caracterizada nem como tradicional ou conservadora, mas um engano do formato: ele simplesmente fez um longa-metragem, com qualidade de TV, deixou as gorduras, e o cortou em seis episódios de 20 minutos, com um facão. Portanto é possível ver tudo de uma só vez, sem muito esforço. Entretanto...
O octogenário diretor captou, do seu jeito neurótico e com a leveza que a idade lhe proporcionou, um dos traços fundamentais do que acontece hoje em dia não somente nos EUA, mas talvez em todo mundo Ocidental, incluindo aí sua periferia - isto é, nós aqui no Brazilquistão. Um dos espíritos do nosso tempo que pode ser resumida numa frase muito simples: o que é que nós podemos fazer?
O esqueleto da série é o mesmo de Manhattan murder mystery, filme de 1993, que Allen rodou com Diane Keaton, depois de toda a primeira - e mais dura - fase da separação com Mia Farrow. Diane Keaton, ex-mulher de Allen, estrela do clássico Annie Hall, aceitou voltar a trabalhar com ele em um dos momentos mais conturbados da vida do cineasta - o que pode colaborar para a ideia de que ele não é, assim, um monstro como se pinta.
No longa como na série, Allen interpreta um sujeito medroso que aceita passar por situações de perigo convencido pela esposa [na série, interpretada pela veterana Elaine May]. No filme, investigar um misterioso assassinato em Manhattan, como diz o título do filme; na série, passada na década de 1960, o escritor de segundo escalão que quer ser um J. D. Salinger tem que receber em casa uma guerrilheira americana interpretada por Miley Cyrus que luta por igualdade, justiça, e o fim do capitalismo.
É nesse momento que aparece a sutil e genial sacada do artista. Todos na série são esquerdistas para os padrões americanos. São contra a guerra do Vietnã, a favor da igualdade racial, votam nos democratas, acreditam na liberdade como bem supremo. Mesmo Alan Brockman, um rapaz que está se hospedando na mansão dos protagonistas, e que tem como meta uma vida bem burocraticamente burguesa [se casar, ter filhos, continuar os negócios do pai como banqueiro...] é um liberal, isto é, se coloca do lado certo da História. Entretanto no momento em que a pequena guerrilheira chega no recinto essas pessoas de bem são jogadas automaticamente para a defesa. Eles percebem que votar de quatro em quatro anos no candidato menos pior não é o suficiente.
Estamos fazendo o máximo que podemos para diminuir as mazelas de onde eu vivo - ou vivo meu cotidiano fechando os olhos para o que acontece ao meu redor, pensando apenas na minha vida e na da minha família, com a desculpa de que voto no candidato correto? Variações da mesma pergunta passam na cabeça de todos os principais personagens ao longo dos seis episódios, junto a tiradas cômicas sobre o comandante Mao, o barbudo Marx e aquele simpático Che. A série, sem muito esforço, levanta várias perguntas também para o espectador: o que é ser parte de uma democracia? Como diminuir as desigualdades sociais, acabar com a corrupção, minorar a violência? Em suma, a pergunta de um milhão de dólares que perpassa a cabeça de nove de dez pessoas preocupadas com a situação atual do Brasil e do mundo: O que é que nós podemos fazer?
Sem escorregar em um maniqueísmo das conclusões fáceis, Allen dá respostas diferentes para cada um dos personagens, a partir das suas próprias trajetórias e questões de vida. Mostrando que a mudança pode estar em gestos pequenos, como não se deixar ser capturado pela correnteza da manada fácil e obrigatória, ou apenas desobedecer as expectativas conservadoras dos pais para seguir a sua vontade, ou mesmo criar e participar de protestos pelos direitos civis, ou simplesmente se dedicar a escrever um livro que tanto desejou. Num mundo em que a euforia e o gozo fácil se infiltram nos poros do cotidiano e substituem alegrias mais substanciosas, talvez seguir o próprio desejo [sem ser egoísta por isso] seja a maior revolução que podemos cometer.
O octogenário diretor captou, do seu jeito neurótico e com a leveza que a idade lhe proporcionou, um dos traços fundamentais do que acontece hoje em dia não somente nos EUA, mas talvez em todo mundo Ocidental, incluindo aí sua periferia - isto é, nós aqui no Brazilquistão. Um dos espíritos do nosso tempo que pode ser resumida numa frase muito simples: o que é que nós podemos fazer?
O esqueleto da série é o mesmo de Manhattan murder mystery, filme de 1993, que Allen rodou com Diane Keaton, depois de toda a primeira - e mais dura - fase da separação com Mia Farrow. Diane Keaton, ex-mulher de Allen, estrela do clássico Annie Hall, aceitou voltar a trabalhar com ele em um dos momentos mais conturbados da vida do cineasta - o que pode colaborar para a ideia de que ele não é, assim, um monstro como se pinta.
No longa como na série, Allen interpreta um sujeito medroso que aceita passar por situações de perigo convencido pela esposa [na série, interpretada pela veterana Elaine May]. No filme, investigar um misterioso assassinato em Manhattan, como diz o título do filme; na série, passada na década de 1960, o escritor de segundo escalão que quer ser um J. D. Salinger tem que receber em casa uma guerrilheira americana interpretada por Miley Cyrus que luta por igualdade, justiça, e o fim do capitalismo.
É nesse momento que aparece a sutil e genial sacada do artista. Todos na série são esquerdistas para os padrões americanos. São contra a guerra do Vietnã, a favor da igualdade racial, votam nos democratas, acreditam na liberdade como bem supremo. Mesmo Alan Brockman, um rapaz que está se hospedando na mansão dos protagonistas, e que tem como meta uma vida bem burocraticamente burguesa [se casar, ter filhos, continuar os negócios do pai como banqueiro...] é um liberal, isto é, se coloca do lado certo da História. Entretanto no momento em que a pequena guerrilheira chega no recinto essas pessoas de bem são jogadas automaticamente para a defesa. Eles percebem que votar de quatro em quatro anos no candidato menos pior não é o suficiente.
Estamos fazendo o máximo que podemos para diminuir as mazelas de onde eu vivo - ou vivo meu cotidiano fechando os olhos para o que acontece ao meu redor, pensando apenas na minha vida e na da minha família, com a desculpa de que voto no candidato correto? Variações da mesma pergunta passam na cabeça de todos os principais personagens ao longo dos seis episódios, junto a tiradas cômicas sobre o comandante Mao, o barbudo Marx e aquele simpático Che. A série, sem muito esforço, levanta várias perguntas também para o espectador: o que é ser parte de uma democracia? Como diminuir as desigualdades sociais, acabar com a corrupção, minorar a violência? Em suma, a pergunta de um milhão de dólares que perpassa a cabeça de nove de dez pessoas preocupadas com a situação atual do Brasil e do mundo: O que é que nós podemos fazer?
Sem escorregar em um maniqueísmo das conclusões fáceis, Allen dá respostas diferentes para cada um dos personagens, a partir das suas próprias trajetórias e questões de vida. Mostrando que a mudança pode estar em gestos pequenos, como não se deixar ser capturado pela correnteza da manada fácil e obrigatória, ou apenas desobedecer as expectativas conservadoras dos pais para seguir a sua vontade, ou mesmo criar e participar de protestos pelos direitos civis, ou simplesmente se dedicar a escrever um livro que tanto desejou. Num mundo em que a euforia e o gozo fácil se infiltram nos poros do cotidiano e substituem alegrias mais substanciosas, talvez seguir o próprio desejo [sem ser egoísta por isso] seja a maior revolução que podemos cometer.
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