quinta-feira, 8 de agosto de 2002

Ultimamente freqüentei ambientes em que pude escutar definições diferentes do que seria cinema. Então, surgiu a inquietação óbvia, o que é cinema afinal?

Para ambientar melhor, um dos grupos – talvez o menos preparado – comentou um exemplo do que eles não consideram cinema. Disseram que a trilogia “Senhor dos anéis” não era cinema por ser uma adaptação literal do livro que originou. Até ai, a teoria estaria completamente furada, principalmente se considerarmos que o cinema abusa de adaptações literais de obras literárias. Porém, eles afirmaram que o cinema não precisa retratar todos os detalhes e pormenores especificados nos livros por meio de palavras (diálogos ou o recurso do off). Ou seja, o que eles queriam dizer desde o início era que o cinema é uma arte (?) visual, que lida com imagens em movimento, e não literária. Pode usar o recurso da palavra escrita ou falada, mas nunca será prioritário.

O outro grupo que escutei afirmou que, para início de conversa, cinema é feito com película. Cinema é filme. Qualquer coisa feita com vídeo, por mais que tenha inclinações dramatúrgicas não será cinema. Cinema seria o processo de queima da película pela luz que entra através das lentes. Cinema teria a ver com o processo óptico apenas. Vídeo teria ligação com o processo digital.

Com isso abre-se uma imensidão de possibilidades para se pensar. É óbvio que, por ter melhor qualidade, a película de 35 mm foi, durante anos, a preferida entre os que aspiravam se tornar cineastas. O vídeo, mesmo sendo bem mais barato e mais prático – não é necessário revelar e tem-se o resultado na hora – perdia no quesito qualidade.

Porém, com o desenvolvimento da tecnologia de vídeo digital, já é possível fazer “filmes” 100% digitais – desde a captação de imagens até a sua projeção – e sem perder qualidade nenhuma com isso. Vide o segundo episódio de “Star Wars”.

É claro que, para não haver nenhuma perda de qualidade na projeção, deve-se ter equipamentos digitais de projeção. Senão, o processo de projeção passa pela transferência do vídeo digital para a película de 35 mm e depois para os projetores tradicionais, com uma pequena perda de definição nesse caso.

Com esses projetores digitais, o vídeo conseguiu a mesma qualidade da película, mas as suas grandes vantagens iniciais – o barateamento, por causa da carência de câmeras de alta definição a preços acessíveis, e a praticidade da produção, por causa da necessidade de implementação desses novos projetores – foram por água abaixo.

Mas, e não é preciso ser nenhum gênio para descobrir isso, a tecnologia digital tende a substituir a película. Basta que haja uma substituição dos projetores tradicionais pelos digitais e que as câmeras digitais fiquem mais populares e acessíveis. E então, teremos produções de cinema, ou apenas de vídeo digital?

Já vejo nostálgicos daqui a vinte, trinta anos que dirão que, “na época deles que era bom”. Ou aqueles que sentiram saudade da película, da textura da película, ou das faltas e problemas e manchas da película. Mais ou menos como acontece atualmente com o vinil e o cd, ou o sexo sem e com camisinha de antes e depois da aids.

(Aqui cabe um parêntese. Não há como ter uma posição imparcial e imutável agora. Com essa tecnologia toda que o digital traz, haverá uma melhora substancial da edição, ou da inclusão de efeitos especiais, por exemplo. O problema da captação e da projeção será, logo, logo, resolvido. E então, por qual lado optar? O da película e o gosto do tradicional, ou o digital e opção pela facilidade?).

E com o predomínio futuro do vídeo digital, voltamos para a pergunta inicial, será isso cinema? Filme é óbvio que não é. Gravaremos as cenas, ao invés de filma-las. Mas isto não é cinema? Porque, se o fato de filmar, única e exclusivamente, já consistir em “fazer cinema”, todas as produções caseiras de super8 que eram tão comuns até mais ou menos a década de 70 deveriam ser consideradas cinema.

E se alguém, agora, disser que cinema deve ter algum tipo de sentido, não início, meio e fim, mas um sentido por onde corre a narrativa, e por isso as produções caseiras não se encaixam na definição, podemos perguntar, então, onde encaixaríamos os filmes experimentais. Nem cito o caso de filmes surrealistas, ou filmes com montagens desconexas, porque, mal ou bem, estes têm sempre um sentido, há uma mensagem intrínseca, que talvez não tenhamos as chaves necessárias para decodificar. Isto de “Cão Andaluz” do Buñuel e “Muholland Drive” do David Lynch a todos os filmes do Godard. O caso é dos filmes experimentais. Filmes onde basta à câmera abrir as suas lentes para queimar a película. Onde tudo é tentado e permitido, onde novas formas de entender o cinema são estudadas, onde não há limite e, normalmente, onde o cinema dá passos para frente. Isso, então, não seria cinema?

Não, posso escutar algumas pessoas respondendo a pergunta. E talvez eu mesmo responda que não também. Eu, até hoje, não considerei nenhuma obra estritamente experimental cinema. E, dessa forma, cinema seria a representação dramática através de imagens projetadas em movimento e cortes que suprimam o desnecessário e provoque elipses, independente da forma de captação, armazenamento e de projeção dessas imagens. Mas, será isso mesmo?

Também não. Isso pode ser novela, mini-série, telefilme ou qualquer coisa que passe na televisão, por exemplo. Com a internet e a melhora em conexões então... Tudo fica bem mais confuso. Tudo bem. Cinema é o que foi feito para passar no Cinema ou que fica bem ao ser exibido no Cinema. O lugar da projeção daria o nome para a arte. Ah, a tal da pós-modernidade...

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