Durante uns bons anos me martirizei por não ter fé em nada. Considerava-me um vazio, por ser apenas essa carcaça que me envolve. Chegava a ponto de invejar os fanáticos religiosos, já que eles tinham algo porque viver e para que continuar vivendo.
Essa necessidade de algum tipo de fé era um sintoma direto da minha total e irrestrita falta de amor por algo. Amor do tipo mais irracional que existe, aquele que não obedece nenhum tipo de lógica. Quando se tem o raciocínio como bíblia, você tende a ter algum tipo de trava a gostar infinitamente de alguma coisa, nem que seja por alguns instantes. Tudo deve ser medido. Uma chatice que não se cura só com pensamento.
Passei pela fase romântica e idealizava dias e noites as meninas perfeitas. Elas deveriam ter todas as qualidades que eu quisesse e esqueceriam de ter os defeitos que são tão comuns às pessoas. Só faltava, na minha cabeça, que ela fosse uma princesa ou coisa que o valha.
Depois desisti desses rótulos e só esperei por alguém. Claro que já estava contaminado por anos de idealização e foi-me difícil deixar de ser deveras exigente. Hoje não espero nada do campo romântico. Já me dou por satisfeito de ser um solteiro convicto e acho até grandes vantagens nisso.
Houve também a era das culpas pelo mundo. Típica atitude juvenil. Culpa-se tudo a volta. E, claro, a si próprio também. Não se deve fazer nada de prazeroso porque nada tem sentido. Deve-se, apenas, encasular-se e esperar o fim de todo esse sofrimento. Infundado.
Foi nessa época, mais ou menos, que o sentimento da falta de fé foi mais forte. Me sentia oco porque não acreditava em nada. Dessa forma, nada faz sentido também. Se nem acreditamos no amanhã, por que devemos esperá-lo?
Então o máximo que me permitia era viver num eterno estado de humor irônico e sarcástico contra tudo. Se nada faz sentido o que eu tenho a ver com isso? – tenho certeza que algum filósofo famoso já disse isso e penso que a idéia seja um plágio involuntário.
Hoje, continuo achando que nada faz sentido. E continuo com a idéia de que não posso, nem nunca poderei, dar um sentido imenso para nada. Já ouvi em botecos que o que vale é procurar esse sentido e tentar aproveitar o máximo, através de uma busca genuína e inócua, de prazer. Claro que ainda não entendi direito o que era essa tal “busca inócua e genuína”, mas também não ficarei quebrando minha cabeça para achar sentido nisso.
Já ouvi dizer que “ignorance is bliss”. E de certa forma concordo. Porém, o inverso não deve se aplicar necessariamente. A ansiedade de procurar uma resposta pode realmente fazer um buraco no seu estômago que dói, dói muito.
Como não achava sentido em nada, pensei em fugir. Outra típica atitude juvenil. Já que não pode vencê-lo fuja. Como se o bicho-papão não corresse sempre atrás de você, onde quer que você esteja.
Tinha escolhido Porto Alegre, uma cidade que adorei ter passado cinco dias. Ou seja, através de cinco dias cheguei a conclusão de tudo o que eu tinha que fazer para dar um sentido na minha vida.
Não quero dizer que tinha sido imprudente, mesmo porque certas horas a imprudência nada mais é que a maior qualidade que se pode ter, mas não acredito que me mudar de lugar faça as dúvidas irem embora e as respostas chegarem.
Ou até podem. Aliás, esse tipo de desejo – de me mudar para tentar aplacar essa busca por respostas – ainda me dá algum tipo de esperança. Já que eu acredito que essa mudança pode me dar alguma alento, mesmo não tendo nada que comprove, logo tenho fé.
O incrível é que até para ter fé – o máximo da irracionalidade a que o homem pode chegar, portanto o mais perto da emoção – recorro a expedientes teóricos.
Isso tudo para dizer que nessas últimas semanas li no jornal uma entrevista com o Walter Carvalho, fotógrafo de oito entre dez produções nacionais para o cinema. E ele disse algo que me tocou fundo. Afirmou que, se ele tinha algum tipo de religião, era o cinema.
Na hora me deu um estalo. Era óbvio que eu substituía essa minha vida emocional com doses cavalares de cinema, literatura, música. Ali poderia me expor ao máximo. A sala escura é o meu templo, a tela branca onde se projeta a imagem, meu altar, os diretores, meus santos. Sou devoto de Woody Allen e Françoise Truffaut. Acho Alfred Hitchcock divino e não há nada mais profético do que o legado de Ingmar Bergman. Isso para ficar na igreja cinematográfica.
Logo depois, me disseram que as representações artísticas iniciaram-se como fruto de culto a divindades. Então me lembrei de alguma aula que deveria ter assistido e que preferi ir beber cerveja. Porém, devo ter lido algum texto sobre isso, pois a idéia não me era tão escandalosa. Aliás, fazia bastante sentido.
Além de representar cenas do cotidiano, de retratar a História, a arte também era associado ao divino, ao misticismo, ao xamã ou pajé que cuspia fogo e se pintava.
E por uma “coincidência”, a maioria das respostas que encontro sobre qualquer das perguntas que ainda tem respostas para serem dadas, vem dessas artes que me atingem.
Sei que não encontrarei nem um quinto das respostas que procuro. Mas, saber que também tenho minha religião, e é compartilhada por ninguém menos que o Walter Carvalho, me dá uma certa sensação de conforto. Pode até ser meio ignorante, mas é reconfortável.
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