Queiramos ou não, “Matrix” será um dos marcos do cinema na virada do milênio. E eu assino embaixo. O filme já entrou na categoria dos que eu perdi a conta de quantas vezes assisti, junto com outros díspares como “Advogado do Diabo”, “Clube da Luta” ou “Noite Americana”.
Podem alegar que ele tem um excesso de cenas de luta, um tanto quanto desnecessário para a mensagem principal que quiseram passar, ou que o roteiro não inova muito, narrando apenas a eterna busca pelo messias, assunto retratado desde os tempos bíblicos. Mas é inegável, até para o mais cético dos críticos, a inovação técnica e estética proporcionada pela obra dos irmãos Warchowski.
A quantidade de plágios consentidos e referências não autorizadas de “Matrix” em peças publicitárias, clipes, curtas e outros longas é incontável. A seqüência inicial já se tornou um clássico. Foi responsável por uma das primeiras campanhas de promoção megalomaníaca da história dos estúdios, se não a primeira. Influenciaram a moda e até o mercado de telefonia celular.
Mas o que me interessa realmente são alguns diálogos que podem ser pescados durante a projeção que, se não explicam o mundo que vivemos, ajuda a pensar sobre.
Para começar, “Matrix” é uma pergunta sobre o que vemos diariamente é a verdade ou apenas a projeção daquilo que queremos ver. Assim ficamos na dúvida sobre a nossa sanidade visual e sobre a veracidade de tudo a nossa volta. Não seria tudo apenas nossa imaginação para protegermos da realidade? E, principalmente e mais amplo, o que é essa tal de realidade que vivemos?
Certo de que o nosso mundo é tudo uma farsa, Neo, o personagem de Keanu Reeves, pergunta o porquê de não terem feito, então, uma farsa perfeita, onde todos nós fôssemos nórdicos bem nutridos e sem problemas de subsistência. A resposta é desconcertante. Morpheu (Laurence Fishburne), avisa para ele que haviam tentado outras vezes a perfeição, mas a humanidade tendia a destruição e a desgraça.
Junte essa informação a uma outra pinçada de um diálogo de um dos agentes com Morpheu. O agente diz que despreza os seres humanos e explica que o comportamento destrutivo e parasita do humano nada tem de parecido com o dos outros mamíferos, mas com o de outro ser vivo, o vírus. O incrível é que, por mais ficção científica que possa parecer o filme, essas afirmações transbordam realismo a ponto de assustar.
No campo pessoal, na saga do herói para salvar o mundo e se transformar no escolhido, tem um dos diálogos que mais me agradam. Neo duvida da sua capacidade, mesmo tendo sido apontado por Morpheu como sendo “o cara”. Para dissolver esse problema, ele, Neo, vai conversar com um oráculo.
Longe dos estereótipos, o que tudo sabe e tudo vê é uma mulher negra de cabelos brancos que cuida de criança super-dotadas. Neo e a Oráculo conversam e ele pergunta se é o escolhido, no que ela responde que não se pode dizer se ele era o escolhido. Que ele deveria sentir isso. Mas se ele quisesse uma resposta, essa era não, ele não era o escolhido.
Lembro que quando vi pela primeira vez, com 17 anos, fiquei um tanto quanto assustado e incrédulo com essa idéia de que eles iriam fazer um filme de messias sem o dito cujo. Seria para lá de surpreendente.
Entra a parte final do filme e Neo tem que enfrentar a batalha decisiva, aquela que parecia não ter poderes para tal, aquela que ele deverá ser testado ao máximo, oh... Neo entra de cabeça, mesmo pensando que não era o tal moço escolhido. Percebemos, com o passar do tempo, que, contrariando o que a Oráculo havia dito, ele era realmente o cara. Ele sente isso.
Morpheu estava certo nas suas expectativas e diz para Neo que a Oráculo só disse o que ele precisava ouvir para conseguir se sagrar como o messias.
A Oráculo funciona com aquela voz da consciência que escutamos diariamente que nos diz não seremos ninguém, porque se tivéssemos a plena certeza do resultado do futuro, sentaríamos no chão e esperaríamos cair do céu. Ou, em linguagem popular, não sabendo que era impossível, foi lá e fez.
O filme lida muito bem em contar a história do “destino versus livre arbítrio”. Afirma com bastante convicção que até temos uma certa margem de manobra, mas as grandes decisões independem da nossa vontade. Pode gostar ou não, aceitar ou desdenhar, mas, da forma como é posto, é impossível não entender o ponto-de-vista.
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