Em certa hora, ficou somente eu e ela na mesa. Todo mundo teve que se levantar por um motivo ou por outro qualquer. Eu e aqueles grandes olhos azuis ali do meu lado. Aquela pele branquinha, aquele cabelo encaracolado negríssimo que brilhava, o cigarro, a fumaça os dentes amarelados pela nicotina, a bolsa de médico onde ela carregava tudo, e que sem querer tinha já metido o olho dentro. Eu tentando ser simpático, mas completamente intimidado pela segurança que ela demonstrava. Foi então que ela me perguntou;
Diz aí, o que você faz da vida?
O que eu faço da vida? Pensei em começar a contar a história da minha vida, a minha ascensão e decadência, meus triunfos e minhas decepções, mas percebi logo em seguida que isso não seria nada divertido, principalmente para uma mesa de bar. Passou pela minha cabeça que a pergunta poderia ser apenas retórica, ela queria preencher o espaço vazio que ficou quando todo mundo levantou e fez uma pergunta qualquer, uma daquelas “será que vai dar praia amanhã”, mas como ela não parecia ser o tipo que costumar ir muito à praia, fez de maneira diferente. Assim, responderia rapidamente um “Sim, acho que amanhã o sol vai esquentar”, só para também preencher o espaço, demonstraríamos como éramos civilizados e continuaríamos debatendo sobre amenidades por alguns instantes até que alguma alma caridosa viesse nos salvar. Porém fui impedido por um sentimento especial que emana lá de dentro da minha alma, a necessidade extrema de ser diferente das outras pessoas. Assim, tinha que responder algo, no mínimo, relevante. Mas, para ser algo que ela se lembre, teria que usar muitas palavras, coisa que, acho, não tinha nem tempo, nem ela estaria interessada. Certo momento me deu um estalo e resolvi ser um pouco poético e responder de maneira ampla e através de metáforas. O único problema, e ele veio colado na solução, era parecer aqueles bichos-grilo que tentam sempre entrar em comunhão com a natureza e com todos os seres que vivem a partir dela. A pergunta dela, que foi solta como uma pequena pluma, já estava quase chegando ao chão, eu deveria rapidamente dizer alguma coisa para ter mais tempo para pensar. E, por outro lado, com mais uma frase entre nós, poderia avaliar realmente o que ela queria como resposta. Foi então que soltei a brilhante;
Como assim, especificamente?
Ela bebia seu chope nesse momento e quase engasgou com a minha réplica. Conclui, a partir disso, que ela estava mais interessada com o espaço vazio mesmo. Fiquei imaginando o que ela tinha pensado, algo do tipo, Peraí, eu fiz uma pergunta simples, o que mais ele queria? Ao terminar de imaginar tal frase, vi que ela não necessariamente deveria querer apenas ser simpática. Havia ainda a possibilidade de demonstrar o seu interesse em mim de maneira sucinta, o que até aquele momento tinha sido descartado. Seria uma porta de entrada para um diálogo, ela começaria assim, ampla, e a partir dali, encontraríamos nossas semelhanças e conversaríamos sobre elas. Ela colocou o copo na mesa e arqueou as sobrancelhas.
Ué, o que é que você faz, ora? Trabalha, estuda...
Ela estava interessada no que eu fazia mesmo. Mas, não, eu não trabalhava, não estudava, não era nada. Minha existência se resume em sobreviver, ver uns filmes, assistir ao tempo passar, ler alguns livros, me entediar, procurar algum veneno antimonotonia, me embebedar, escutar algumas músicas. Nada demais. Nada que seja louvável ou que alguma pessoa se orgulhe. Pensei em dizer isso e deixar que ela chafurdasse em cima de mim. Mas, o tiquinho de orgulho próprio que ainda tenho me impediu e sugeriu que eu fugisse um pouco da realidade. Não era mentir, pois não diria nada que não fosse verdade, apenas a disfarçaria. Maquiagem, isso. Diria essas coisas que eu faço só que de maneira indireta. Tomei mais um gole da minha cerveja para dar mais um tempo. Duvidei que eu fosse eficiente em montar algum tipo de personagem tão rapidamente, e me tornaria ridículo na velocidade inversa. A cerveja desceu pela minha garganta e eu ainda engoli um pouco mais de saliva para demonstrar que estava com a boca cheia. Coloquei o sorriso número cinco de simpatia no rosto e decidi enfrentar a questão de frente. Seria tremendamente sincero, diria o que passasse pela minha cabeça na hora. Só assim, sendo o mais verdadeiro possível, tornando-me transparente é que poderia me sentir satisfeito, e, se ela não gostasse, estaria claro que não foi uma boa idéia dela me fazer este tipo de pergunta, da próxima vez ela deveria escolher melhor as palavras, e, é óbvio, nós não passaríamos dessa conversa. Tomei ar, deixei meu pulmão expulsá-lo vagarosamente e abri a boca mais uma vez para falar;
Eu não...
Vamos embora, já achei Carol. Ela estava no banheiro.
Laura voltara e me interrompera. Olhei para a menina e seus grandes olhos azuis repousavam tranqüilos nos de Laura. Sentia-se confortável, era perceptível, parecia que tinha conseguido passar pelo teste de ficar alguns minutos sozinha comigo. O que mais ela queria era levantar-se agora. Já tínhamos pago a conta, fiquei de pé na frente dela e assenti para Laura. Puxei sua cadeira, ela agradeceu e fomos embora. Sem voltar a conversar sobre nenhum tipo de assunto.
Diz aí, o que você faz da vida?
O que eu faço da vida? Pensei em começar a contar a história da minha vida, a minha ascensão e decadência, meus triunfos e minhas decepções, mas percebi logo em seguida que isso não seria nada divertido, principalmente para uma mesa de bar. Passou pela minha cabeça que a pergunta poderia ser apenas retórica, ela queria preencher o espaço vazio que ficou quando todo mundo levantou e fez uma pergunta qualquer, uma daquelas “será que vai dar praia amanhã”, mas como ela não parecia ser o tipo que costumar ir muito à praia, fez de maneira diferente. Assim, responderia rapidamente um “Sim, acho que amanhã o sol vai esquentar”, só para também preencher o espaço, demonstraríamos como éramos civilizados e continuaríamos debatendo sobre amenidades por alguns instantes até que alguma alma caridosa viesse nos salvar. Porém fui impedido por um sentimento especial que emana lá de dentro da minha alma, a necessidade extrema de ser diferente das outras pessoas. Assim, tinha que responder algo, no mínimo, relevante. Mas, para ser algo que ela se lembre, teria que usar muitas palavras, coisa que, acho, não tinha nem tempo, nem ela estaria interessada. Certo momento me deu um estalo e resolvi ser um pouco poético e responder de maneira ampla e através de metáforas. O único problema, e ele veio colado na solução, era parecer aqueles bichos-grilo que tentam sempre entrar em comunhão com a natureza e com todos os seres que vivem a partir dela. A pergunta dela, que foi solta como uma pequena pluma, já estava quase chegando ao chão, eu deveria rapidamente dizer alguma coisa para ter mais tempo para pensar. E, por outro lado, com mais uma frase entre nós, poderia avaliar realmente o que ela queria como resposta. Foi então que soltei a brilhante;
Como assim, especificamente?
Ela bebia seu chope nesse momento e quase engasgou com a minha réplica. Conclui, a partir disso, que ela estava mais interessada com o espaço vazio mesmo. Fiquei imaginando o que ela tinha pensado, algo do tipo, Peraí, eu fiz uma pergunta simples, o que mais ele queria? Ao terminar de imaginar tal frase, vi que ela não necessariamente deveria querer apenas ser simpática. Havia ainda a possibilidade de demonstrar o seu interesse em mim de maneira sucinta, o que até aquele momento tinha sido descartado. Seria uma porta de entrada para um diálogo, ela começaria assim, ampla, e a partir dali, encontraríamos nossas semelhanças e conversaríamos sobre elas. Ela colocou o copo na mesa e arqueou as sobrancelhas.
Ué, o que é que você faz, ora? Trabalha, estuda...
Ela estava interessada no que eu fazia mesmo. Mas, não, eu não trabalhava, não estudava, não era nada. Minha existência se resume em sobreviver, ver uns filmes, assistir ao tempo passar, ler alguns livros, me entediar, procurar algum veneno antimonotonia, me embebedar, escutar algumas músicas. Nada demais. Nada que seja louvável ou que alguma pessoa se orgulhe. Pensei em dizer isso e deixar que ela chafurdasse em cima de mim. Mas, o tiquinho de orgulho próprio que ainda tenho me impediu e sugeriu que eu fugisse um pouco da realidade. Não era mentir, pois não diria nada que não fosse verdade, apenas a disfarçaria. Maquiagem, isso. Diria essas coisas que eu faço só que de maneira indireta. Tomei mais um gole da minha cerveja para dar mais um tempo. Duvidei que eu fosse eficiente em montar algum tipo de personagem tão rapidamente, e me tornaria ridículo na velocidade inversa. A cerveja desceu pela minha garganta e eu ainda engoli um pouco mais de saliva para demonstrar que estava com a boca cheia. Coloquei o sorriso número cinco de simpatia no rosto e decidi enfrentar a questão de frente. Seria tremendamente sincero, diria o que passasse pela minha cabeça na hora. Só assim, sendo o mais verdadeiro possível, tornando-me transparente é que poderia me sentir satisfeito, e, se ela não gostasse, estaria claro que não foi uma boa idéia dela me fazer este tipo de pergunta, da próxima vez ela deveria escolher melhor as palavras, e, é óbvio, nós não passaríamos dessa conversa. Tomei ar, deixei meu pulmão expulsá-lo vagarosamente e abri a boca mais uma vez para falar;
Eu não...
Vamos embora, já achei Carol. Ela estava no banheiro.
Laura voltara e me interrompera. Olhei para a menina e seus grandes olhos azuis repousavam tranqüilos nos de Laura. Sentia-se confortável, era perceptível, parecia que tinha conseguido passar pelo teste de ficar alguns minutos sozinha comigo. O que mais ela queria era levantar-se agora. Já tínhamos pago a conta, fiquei de pé na frente dela e assenti para Laura. Puxei sua cadeira, ela agradeceu e fomos embora. Sem voltar a conversar sobre nenhum tipo de assunto.
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