françois truffaut
A primeira vez que ouvi falar de “De repente num Domingo” foi em 1999, no início da faculdade, quando peguei uma daquelas listas de melhores do século da TIME americana que colocava o filme em segundo lugar. (por curiosidade o primeiro era o óbvio “Cidadão Kane”, do Orson Welles, e o terceiro era “Chinatown”, do Roman Polanski).
Duas coisas me surpreenderam, ser um filme de produção francesa numa eleição de americanos, e segundo, ser do Truffaut. Só agora, quase quatro anos depois consegui assisti-lo.
Truffaut é um sujeito curioso. Foi relegado a coadjuvante da Novelle Vague e viveu a sombra do (quase sempre indecifrável) Godard. Ele sempre foi considerado um autor que retratava o cotidiano, as relações conjugais, os dramas pessoais, ou seja, menor. Porém, ele manteve uma disparidade na sua obra impressionante.
O cineasta teve uma infância pobre, fazendo até pequenos furtos para, principalmente, ir ao cinema. Começou cedo a escrever sobre filmes na bíblia dos críticos, “Cahiers du Cinema”, e esculhambava as produções francesas da época cheias de pompa e empáfia, e muito distante do homem comum.
Chegaram para ele e perguntaram se ele sabia fazer melhor. Ele disse que faria. Então, meteu a mão na massa e saiu, assim de lambuja “Os incompreendidos”. Um drama altamente autobiográfico que conta a história do pequenino Antoine Doinel, o alter-ego de Truffaut, interpretado nos cinco filmes que existiu por Jean-Pierre Leaud, o queridinho da Novelle Vague.
“De repente num Domingo” não faz parte dessa coleção auto-referencial. É uma produção focada em outro dos gêneros que Truffaut mais explorou, o suspense. É notória a admiração do francês pelo mestre Hitchcock, e “De repente...” não deixa nada a desejar para o inglês. (Há um livro clássico que registra um longo bate-papo entre os dois e que se esgotou na editora há muito tempo. É o típico livro que quem achar pode comprar dois, porque um você me vende.)
Longe desse perfil, é bom lembrar que a Meg Rian e Sandra Bullock deveriam agradecer todos os dias para o baixote. Foi ele o “inventor” da comédia romântica, baseada em casais e relacionamentos homem-mulher, bem a cara das duas, com obras como “Domicílio Conjugal”.
Ainda dirigiu grandes produções e reconstituições de época, como “Adele H.” que conta a história da filha de Victor Hugo, a Adele do título; um triângulo amoroso para lá de imprevisível, Jules e Jim, lançado em vhs no Brasil; um dos melhores filmes para retratar como são os bastidores da produção de um filme, Noite Americana, também lançado em vídeo; e dezenas de outras histórias bem diferentes umas das outras.
O que torna o narigudo tão curioso para nós brasileiros é que apenas três filmes dele foram editados em vhs no Brasil (os dois já citados mais o último roteiro que ele deixou antes de morrer chamado “Ladra e Sedutora”, filmado por outro cineasta), e só agora se cogita remasterizar sua obra para dvd. Mesmo sendo mais palatável ao gosto médio do que Godard, ninguém nunca se interessou nele. Ou se interessou, como ouvi de um cara sobre o grupo estação, mas na hora de produzir as fitas, não levou o projeto a frente. Não me perguntem o motivo.
Para ver a obra do moço deve se rezar para algum festival de cinema ou tv que o homenageie (como aconteceu em 99, no próprio grupo estação), ou recorrer a fitas importadas, tendo que se virar para ler as legendas em inglês, ou pior, entender o francês original.
Truffaut morreu, se não me falha a memória, em 86 de câncer. Deixou uma obra sempre pontuada pela originalidade e na tentativa constante de fugir de clichês de gêneros. Quando, ao vermos um filme dele, achamos um, sempre lembramos que foi ele mesmo que o inventou.
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