Foi apenas uma coincidência nós termos visitado apenas países que têm uma tradição em comum muito particular: Inglaterra, Bélgica e Alemanha são conhecidas como as grandes escolas de cerveja do mundo. Foi uma coincidência, mas uma boa coincidência.
Após a passagem - relâmpago, no caso da Alemanha, mas bastante intensa - por todos esses destinos cervejísticos, dá para pinçar algumas curiosidades, que dizem bastante sobre a cultura desses países, não apenas no ramo da cerveja.
Começamos, sem muito motivo, pela Inglaterra. Lugar da cerveja quente, amarga e sem gás. Onde se bebe, quase que exclusivamente, no pub, que originalmente queria dizer "public house", onde se faz amizades instantâneas, onde é impossível ficar sozinho. Os pubs vendem, via de regra, as real ales, ou cask ales, e, agora, o que eles chamam de "continental lagers" - além de cidras, que já me pregaram três peças. Nos últimos anos, os mais jovens - aqueles com paladares menos exigentes, ou que ainda estão acostumados com alimentos mais doces, ou que não querem passar por privações, ou que preferem sabores mais simples... enfim - têm preferido marcas importadas da Alemanha [Beck], França [Kronenbourg], Bélgica [Stella Artois] e até Jamaica [Red Stripes]. Realmente, a ale é uma cerveja difícil, talvez a mais difícil de todas as escolas. Fora da ilha de Albion, não estamos acostumados às suas principais características. Por isso, há uma associação que tenta defendê-las, que incentiva seu consumo e sua produção. É comum que as pessoas torçam o nariz para ela, no primeiro gole e, depois, ao se acostumarem com sua maneira única de refrescar, tenham dificuldades de encarar as outras escolas.
Na Bélgica, por outro lado, há todas as experimentações possíveis e imagináveis. Cerveja com coco, com limão, cerveja em que não se coloca fermento, cerveja com fermentação natural. Dizer apenas "cerveja belga" é limitar a quantidade de possibilidades que eles produzem, e não dizer muita coisa - já que não dá para passar uma informação muito clara sobre o que seria isso. Não é o lugar onde se têm mais cervejarias - essa posição, pelo que escutei, fica com a Alemanha -, mas certamente é a que tem mais variedade. Principalmente porque os alemães respeitam, e muito, a Reinheitsgebot - a famosa lei de pureza alemã, que só permite a produção da cerveja com os ingredientes "originais": malte, água, lúpulo - e, depois, fermento. Os belgas experimentam, erram, e, não por acaso, têm a Westvleteren 12, a cerveja sempre votada como a melhor do mundo, e seis das sete trapistas. Se é por uma questão de dificuldade de acesso, se é porque há todo uma lenda em volta da cerveja, se é porque há um mistério envolvido, ou se é porque a Westvleteren é realmente boa, depende de cada paladar aprovar.
Os alemães, certamente, não concordarão. Vão achar que é muito doce. Se há uma coisa que eles evitam é a cerveja mais maltada. Geralmente tomam weiss, bock ou até mesmo döppelbock acompanhadas de alguma comida, para compensar o açúcar. E, se a pils é uma invenção tcheca, da cidade de Pilzen, temos que lembrar que todo o leste europeu foi e é ainda muito influenciado pelos alemães, principalmente por conta do Sacro Império Germânico, que dominou áreas grandes da região. Só lembrar que Kafka, tcheco, escrevia em alemão, ainda no século XX. Que Schopenhauer, filósofo que se considerava alemão, nasceu na cidade de Dantzig, que hoje pertence à Polônia, sob o nome de Gdańsk. E que Kant, que ninguém imagina ser outra coisa que não alemão, nasceu e viveu toda a vida na pacata Königsberg, que hoje pertence à Rússia.
A cerveja alemã é infinitamente mais barata que em qualquer outro lugar que já estive. Como se informasse por meio de seu preço que todo mundo tem direito à cerveja. Como se mostrasse que cerveja faz parte da dieta básica de qualquer ser-humano - ou, ao menos, de qualquer alemão. Uma garrafa de 500 ml em uma supermercado não passa de 50 centavos de euro - para efeito de comparação, mesmo as latas mais baratas da Inglaterra esbarram no £ 1. Por outro lado, eles não têm tanta variedade. Todos têm direito à cerveja, mas para que todos tenham direito, não é possível fazer grandes apostas. É preciso baratear os custos. A Alemanha é o país do "carro do povo" - lembremos. É o país que, mesmo com uma população de mais de 80 milhões de habitantes, ainda tem um índice de Gini - que mede a desigualdade social dos países - quase igual ao da Suécia, a campeã. É o país onde não há uma grande empresa entre as maiores do mundo, mas há inúmeras no segundo escalão - como se mostrasse que eles não querem ter apenas uma companhia em que dependessem toda a sua economia, mas diversas. É o país que não tem uma metrópole, com uma população gigantesca, mas que há diversos centros urbanos ricos, com os seus entornos igualmente ricos, que são conectados por trens inigualáveis de bons e por autobahns, onde não há qualquer limite de velocidade.
Não tenho - nem quero ter - uma escola preferida. Para que decidir por uma melhor cerveja do mundo, para sempre, se é possível mudar sempre, dependendo do humor?
Após a passagem - relâmpago, no caso da Alemanha, mas bastante intensa - por todos esses destinos cervejísticos, dá para pinçar algumas curiosidades, que dizem bastante sobre a cultura desses países, não apenas no ramo da cerveja.
Começamos, sem muito motivo, pela Inglaterra. Lugar da cerveja quente, amarga e sem gás. Onde se bebe, quase que exclusivamente, no pub, que originalmente queria dizer "public house", onde se faz amizades instantâneas, onde é impossível ficar sozinho. Os pubs vendem, via de regra, as real ales, ou cask ales, e, agora, o que eles chamam de "continental lagers" - além de cidras, que já me pregaram três peças. Nos últimos anos, os mais jovens - aqueles com paladares menos exigentes, ou que ainda estão acostumados com alimentos mais doces, ou que não querem passar por privações, ou que preferem sabores mais simples... enfim - têm preferido marcas importadas da Alemanha [Beck], França [Kronenbourg], Bélgica [Stella Artois] e até Jamaica [Red Stripes]. Realmente, a ale é uma cerveja difícil, talvez a mais difícil de todas as escolas. Fora da ilha de Albion, não estamos acostumados às suas principais características. Por isso, há uma associação que tenta defendê-las, que incentiva seu consumo e sua produção. É comum que as pessoas torçam o nariz para ela, no primeiro gole e, depois, ao se acostumarem com sua maneira única de refrescar, tenham dificuldades de encarar as outras escolas.
Na Bélgica, por outro lado, há todas as experimentações possíveis e imagináveis. Cerveja com coco, com limão, cerveja em que não se coloca fermento, cerveja com fermentação natural. Dizer apenas "cerveja belga" é limitar a quantidade de possibilidades que eles produzem, e não dizer muita coisa - já que não dá para passar uma informação muito clara sobre o que seria isso. Não é o lugar onde se têm mais cervejarias - essa posição, pelo que escutei, fica com a Alemanha -, mas certamente é a que tem mais variedade. Principalmente porque os alemães respeitam, e muito, a Reinheitsgebot - a famosa lei de pureza alemã, que só permite a produção da cerveja com os ingredientes "originais": malte, água, lúpulo - e, depois, fermento. Os belgas experimentam, erram, e, não por acaso, têm a Westvleteren 12, a cerveja sempre votada como a melhor do mundo, e seis das sete trapistas. Se é por uma questão de dificuldade de acesso, se é porque há todo uma lenda em volta da cerveja, se é porque há um mistério envolvido, ou se é porque a Westvleteren é realmente boa, depende de cada paladar aprovar.
Os alemães, certamente, não concordarão. Vão achar que é muito doce. Se há uma coisa que eles evitam é a cerveja mais maltada. Geralmente tomam weiss, bock ou até mesmo döppelbock acompanhadas de alguma comida, para compensar o açúcar. E, se a pils é uma invenção tcheca, da cidade de Pilzen, temos que lembrar que todo o leste europeu foi e é ainda muito influenciado pelos alemães, principalmente por conta do Sacro Império Germânico, que dominou áreas grandes da região. Só lembrar que Kafka, tcheco, escrevia em alemão, ainda no século XX. Que Schopenhauer, filósofo que se considerava alemão, nasceu na cidade de Dantzig, que hoje pertence à Polônia, sob o nome de Gdańsk. E que Kant, que ninguém imagina ser outra coisa que não alemão, nasceu e viveu toda a vida na pacata Königsberg, que hoje pertence à Rússia.
A cerveja alemã é infinitamente mais barata que em qualquer outro lugar que já estive. Como se informasse por meio de seu preço que todo mundo tem direito à cerveja. Como se mostrasse que cerveja faz parte da dieta básica de qualquer ser-humano - ou, ao menos, de qualquer alemão. Uma garrafa de 500 ml em uma supermercado não passa de 50 centavos de euro - para efeito de comparação, mesmo as latas mais baratas da Inglaterra esbarram no £ 1. Por outro lado, eles não têm tanta variedade. Todos têm direito à cerveja, mas para que todos tenham direito, não é possível fazer grandes apostas. É preciso baratear os custos. A Alemanha é o país do "carro do povo" - lembremos. É o país que, mesmo com uma população de mais de 80 milhões de habitantes, ainda tem um índice de Gini - que mede a desigualdade social dos países - quase igual ao da Suécia, a campeã. É o país onde não há uma grande empresa entre as maiores do mundo, mas há inúmeras no segundo escalão - como se mostrasse que eles não querem ter apenas uma companhia em que dependessem toda a sua economia, mas diversas. É o país que não tem uma metrópole, com uma população gigantesca, mas que há diversos centros urbanos ricos, com os seus entornos igualmente ricos, que são conectados por trens inigualáveis de bons e por autobahns, onde não há qualquer limite de velocidade.
Não tenho - nem quero ter - uma escola preferida. Para que decidir por uma melhor cerveja do mundo, para sempre, se é possível mudar sempre, dependendo do humor?
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