Coerência. Coerência sucks. Eu sei para onde a história tem que ir. Ou para onde a história deveria ir. Ou para onde a história pode ir, caso eu consiga arranjar forças para seguir adiante. Porque antes dos momentos hipnóticos, antes dos momentos memoráveis, há sempre o feijão-com-arroz para se enfrentar. E empurrar a pedra morro acima é chato, para dizer o mínimo sobre o trabalho do Sísifo. Mesmo que depois ele perceba o quão divertido é surfar sobre a pedra morro abaixo – apesar de achar que ele não acha tão legal assim a pedra descer, com a ajuda dos santos, o que é uma pena – e nem sou apenas eu quem diz isso.
Claro que para haver os picos têm que haver as depressões. Para comer o filé, tem que se passar pelos vegetais [apesar de que essa metáfora não é muito boa para gente como eu, que gosta mais de legumes e verduras que de carnes]. Enfim, você já entendeu. Ou deveria ter entendido.
Nesse momento, tenho que escrever umas cenas, formulei umas cenas para escrever, para contextualizar as próximas ações, o desenrolar da trama – ah, a contextualização, esse sobrenome da coerência – mas elas não são, assim, divertidas. Ao contrário. E escrever, por mais que as pessoas dizem que é cansativo, que dói, que sangra, e todo esse blablablá que cheira a lamentação autoelogiativa, do tipo “como eu sofri para produzir essa obra-prima, não é qualquer um que pode escrever algo tão bom quanto isso, e eu mesmo tive que sofrer horrores para tal”, etc etc etc, e que não é o caso para mim, escrever, agora, depois desse tempo todo, é um ato divertido. Descobri isso. Eu que nunca tinha sentado para escrever nada por receio, por medo de parecer muito óbvio, na dúvida de que as pessoas pensem que eu me ache importante demais para querer ser lida. Não é isso. Ou, ao menos, não é apenas isso.
Escrever é onde eu posso expor as minhas ideias mais claramente – mesmo que para mim mesmo – e depois relê-las para saber o que de verdade eu queria dizer, ou o que eu estava pensando, ou onde é que eu estava com a cabeça naquela hora. Escrever é uma forma de conversa, para mim, um diálogo comigo mesmo, em que o papel se transforma numa espécie de espelho que reflete, não a mim, que isso é romântico demais, mas minhas palavras para mim mesmo. O papel é o meio que leva as sentenças dos meus dedos para os meus olhos, esses dois órgãos tão distantes, mas tão comunicativos. É a palavra se tornando algo físico, é a materialização, se não de todo o pensamento, que seria impossível de uma maneira tão binária, pelo menos de uma faceta dele, de uma interpretação, ou melhor, de uma possibilidade de interpretação. O pensamento é bem mais complexo que essas palavras podem intuir, ou, ao menos, mais caótico, não respeita qualquer regra, ordem, concordância, coerência ou precisa de contextualização. O tempo é diferente, os links, automáticos, os pulos, gigantescos, e uma piscadela de olho quer dizer toda a obra de Shakespeare. Escrever é transformar, editar, cortar um pedaço dessa massa amorfa, desse composto incolor, ou melhor, que tende ao cinza escuro, por ser todas as cores juntas, ou ao branco absoluto, ou ao preto completo, escrever é retirar material dessa fonte, que não para de jorrar e espalhar num chão branco e modelar, modelar, modelar até que ganhe uma forma, não necessariamente representativa, não necessariamente conhecida, nem familiar – o século xx e suas experiências temáticas e estilísticas nos deram essa liberdade –, podendo ser apenas algo bonito, algo sinestésico, algo que nos remeta à beleza pura – e a beleza não tem necessariamente nada a ver com o bonito, o belo é o encontro desse caminho em direção a essa massa original, que é a massa original de todas as coisas existentes ou que apenas foram pensadas, imaginadas, ocorreram na mente de alguém e não teve tempo de registrar. Bem, acho que perdi um pouco o rumo. Vamos retornar.
Onde eu estava? Ah, sim, sobre o escrever. Bem, escrever é esse ato simplório que todo mundo – ou quase todo mundo – aprende por volta dos 6 anos de idade, e nos dá acesso ao que houve no passado, ao que pode haver no futuro. Escrever é a materialização também do tempo, que não pode ser medido, se não por critérios falhos. Escrever é criar o antes, o agora, e o depois – novamente penso em sujeito, verbo e predicado, as peças, as pecinhas que compõem uma frase, que, por sua vez, é o embrião do que é o escrever. Escrever não é o juntar de palavras – ou, não se resume a apenas isso, vai além. As letras que formam palavras são importantes, essenciais, até, mas não vejo onde poderia estar a beleza numa palavra. Ela isolada não recebe qualquer informação – e aí eu já caí na armadilha da contextualização, eu que sou quem mais faz introduções a qualquer assunto, que gosta de manter todos a par do desenrolar da história para que todos possam acompanhar com riqueza de detalhes, ou com a opção de ir e voltar e avançar e retornar, do jeito que quiser.
Dizia, porém, que as palavras não são a peça inicial do escrever. Elas são como as pedras que podem ficar pelo caminho, e você tropeçar, mas a fonte inicial, o escrever nasce nas frases, já nas frases, como se antes não fosse possível a existência. Como se antes, como se as palavras fossem apenas órgãos, essenciais, sim, mas incapazes de criar a vida. Apenas no seu conjunto, cada um com um sentido diferenciado, cada um com a sua possibilidade de visão, de ângulo, implícito, explícito, implícito e explícito ao mesmo tempo, vários implícitos e um apenas explícito. A frase é o haver.
Bem, depois dessa postergação – dessa procrastinação –, voltemos ao trabalho duro, para encontrar a recompensa ao fim.
Claro que para haver os picos têm que haver as depressões. Para comer o filé, tem que se passar pelos vegetais [apesar de que essa metáfora não é muito boa para gente como eu, que gosta mais de legumes e verduras que de carnes]. Enfim, você já entendeu. Ou deveria ter entendido.
Nesse momento, tenho que escrever umas cenas, formulei umas cenas para escrever, para contextualizar as próximas ações, o desenrolar da trama – ah, a contextualização, esse sobrenome da coerência – mas elas não são, assim, divertidas. Ao contrário. E escrever, por mais que as pessoas dizem que é cansativo, que dói, que sangra, e todo esse blablablá que cheira a lamentação autoelogiativa, do tipo “como eu sofri para produzir essa obra-prima, não é qualquer um que pode escrever algo tão bom quanto isso, e eu mesmo tive que sofrer horrores para tal”, etc etc etc, e que não é o caso para mim, escrever, agora, depois desse tempo todo, é um ato divertido. Descobri isso. Eu que nunca tinha sentado para escrever nada por receio, por medo de parecer muito óbvio, na dúvida de que as pessoas pensem que eu me ache importante demais para querer ser lida. Não é isso. Ou, ao menos, não é apenas isso.
Escrever é onde eu posso expor as minhas ideias mais claramente – mesmo que para mim mesmo – e depois relê-las para saber o que de verdade eu queria dizer, ou o que eu estava pensando, ou onde é que eu estava com a cabeça naquela hora. Escrever é uma forma de conversa, para mim, um diálogo comigo mesmo, em que o papel se transforma numa espécie de espelho que reflete, não a mim, que isso é romântico demais, mas minhas palavras para mim mesmo. O papel é o meio que leva as sentenças dos meus dedos para os meus olhos, esses dois órgãos tão distantes, mas tão comunicativos. É a palavra se tornando algo físico, é a materialização, se não de todo o pensamento, que seria impossível de uma maneira tão binária, pelo menos de uma faceta dele, de uma interpretação, ou melhor, de uma possibilidade de interpretação. O pensamento é bem mais complexo que essas palavras podem intuir, ou, ao menos, mais caótico, não respeita qualquer regra, ordem, concordância, coerência ou precisa de contextualização. O tempo é diferente, os links, automáticos, os pulos, gigantescos, e uma piscadela de olho quer dizer toda a obra de Shakespeare. Escrever é transformar, editar, cortar um pedaço dessa massa amorfa, desse composto incolor, ou melhor, que tende ao cinza escuro, por ser todas as cores juntas, ou ao branco absoluto, ou ao preto completo, escrever é retirar material dessa fonte, que não para de jorrar e espalhar num chão branco e modelar, modelar, modelar até que ganhe uma forma, não necessariamente representativa, não necessariamente conhecida, nem familiar – o século xx e suas experiências temáticas e estilísticas nos deram essa liberdade –, podendo ser apenas algo bonito, algo sinestésico, algo que nos remeta à beleza pura – e a beleza não tem necessariamente nada a ver com o bonito, o belo é o encontro desse caminho em direção a essa massa original, que é a massa original de todas as coisas existentes ou que apenas foram pensadas, imaginadas, ocorreram na mente de alguém e não teve tempo de registrar. Bem, acho que perdi um pouco o rumo. Vamos retornar.
Onde eu estava? Ah, sim, sobre o escrever. Bem, escrever é esse ato simplório que todo mundo – ou quase todo mundo – aprende por volta dos 6 anos de idade, e nos dá acesso ao que houve no passado, ao que pode haver no futuro. Escrever é a materialização também do tempo, que não pode ser medido, se não por critérios falhos. Escrever é criar o antes, o agora, e o depois – novamente penso em sujeito, verbo e predicado, as peças, as pecinhas que compõem uma frase, que, por sua vez, é o embrião do que é o escrever. Escrever não é o juntar de palavras – ou, não se resume a apenas isso, vai além. As letras que formam palavras são importantes, essenciais, até, mas não vejo onde poderia estar a beleza numa palavra. Ela isolada não recebe qualquer informação – e aí eu já caí na armadilha da contextualização, eu que sou quem mais faz introduções a qualquer assunto, que gosta de manter todos a par do desenrolar da história para que todos possam acompanhar com riqueza de detalhes, ou com a opção de ir e voltar e avançar e retornar, do jeito que quiser.
Dizia, porém, que as palavras não são a peça inicial do escrever. Elas são como as pedras que podem ficar pelo caminho, e você tropeçar, mas a fonte inicial, o escrever nasce nas frases, já nas frases, como se antes não fosse possível a existência. Como se antes, como se as palavras fossem apenas órgãos, essenciais, sim, mas incapazes de criar a vida. Apenas no seu conjunto, cada um com um sentido diferenciado, cada um com a sua possibilidade de visão, de ângulo, implícito, explícito, implícito e explícito ao mesmo tempo, vários implícitos e um apenas explícito. A frase é o haver.
Bem, depois dessa postergação – dessa procrastinação –, voltemos ao trabalho duro, para encontrar a recompensa ao fim.
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