Acabei de ler "Disgrace", do Coetzze, John Maxwell Coetzze. Pela primeira vez, em muito tempo, considero o livro bom, mas fiquei sem vontade de escrever na sua metade. Porque o livro não tem uma metade muito clara. Ao fim, fiquei, como dizem os ingleses, puzzled. Com uma interrogação bem no meio da testa. É possível identificar três atos, mas três atos que, apesar de bastante interligados, como se fossem um a razão do outro, são muito diferentes entre si.
A obra é narrada na terceira pessoa do singular, por um narrador que, mais que onisciente, é um irônico, tão cronicamente irônico, que chega a ser, vez por outra, sádico. Como se fosse o próprio escritor que, sem se segurar, solta comentários aqui e ali. Fiz diversas anotações de comentários maliciosos, cruéis até, logo nas primeiras páginas, que são, com a perdão da palavra, deliciosos.
Por sua vez, o personagem principal, David Lurie, um scholar especializado em Wordsworth, e que pesquisa sobre Byron, é trágico: vai em direção ao fogo, para se queimar, apenas para não se abaixar, apenas para não se modificar. Ele se envolve com uma aluna que o denuncia à Universidade. Em vez de se defender, ele tenta argumentar que, mesmo velho, ele também tinha o direito de se apaixonar, que não havia idade para cometer uma loucura por amor. Claro que esses argumentos não são levados em consideração.
As escolhas dos autores de quem o personagem principal gosta - românticos -, portanto, não parecem à toa. Aliás, nada no livro parece à toa. A obra é composta como se fosse um cubo mágico, daqueles de criança, que os adultos normais não conseguem montar. Não deve ser coincidência que Coetzee tem um degree em matemática.
De qualquer forma, essas referências, essas ligações, essas mensagens subliminares não são de fácil decodificação. Ele joga um jogo que você deve se jogar para tentar desvendar algo além da superfície. E nada garante sucesso.
No segundo ato, a ironia some, logo após um incidente, logo após ele e a filha sofrerem um ataque, em uma cena de extrema violência que vai marcar todo o restante da obra. Ela é estuprada, ele é queimado vivo, os cachorros do canil são mortos, a casa, devastada, o carro dele, roubado.
A partir de então, o livro mostra como pai e filha se recuperam, e como eles vêm o vizinho, que, o pai acredita, teria uma ligação com os criminosos. Mas isso seria uma referência a relação entre os brancos e os negros, na África do Sul, pós-apartheid? Há uma citação histórica?
Em certos momentos, o pai insinua que a filha não quer denunciar os estupradores porque sente uma culpa por tudo o que os brancos fizeram durante o regime de repressão aos negros. A filha nunca admite que é esse o caso, mas deixa escapar que os estupradores quiseram marcá-la, como se fossem animais, e, aquele, o território deles. Como se dissesse que a África profunda, a África longe das cidades, é selvagem, sempre foi e sempre será. A lei do homem branco não se aplica. A lógica é outra. Só quem a conhece, pode viver nela, respeitando essas regras que não são escritas, mas sabidas por todos.
Para passar o tempo, o pai, o acadêmico, o intelectual, aquele que não se importa com mais ninguém, vai trabalhar em uma veterinária que elimina os bichos que estão à beira da morte. Há uma referência clara ao fato de Coetzee ser um grande incentivador dos direitos dos animais. Aliás, isso se encaixa bem no seu perfil, de homem isolado, quase vivendo uma vida monástica, sem aparentar humor em nenhuma circunstância.
Portanto, os animais devem cumprir um papel importante na obra - mas qual? Será que ele, Lurie, vai amolecer, vai se modificar, ao tratar de animais que vão ser abatidos porque não tem mais chances? Será que ele vai se tornar um homem menos autocentrado, pensando apenas na sua própria vida - conforme é insinuado algumas vezes? Mas será que Lurie é realmente um egoísta? Há um problema entre um professor e uma aluna se envolverem? A citação a Byron, o poeta que foi a encarnação do ideal romântico, deve querer responder algo.
O terceiro ato, menor, mostra Lurie tentando escrever uma ópera sobre Byron, mas em que o poeta se torna um personagem menor, e uma de suas amantes, a protagonista. O que o chama para a composição é a música, algo que ele nunca tinha experimentado, que brota nele, que ele identifica como arte.
Não deve ser coincidência o fato de a sua filha reclamar que Lurie tenta controlar sua vida e usar a relação protagonista versus antagonista para explicar que ela também tem uma vida e que não iria viver de acordo com as ideias do pai. Ele seria Byron? A filha, a amante de Byron? A amante de Byron representaria a aluna da faculdade? Lurie perde o protagonismo de sua vida? Temos alguma chance de guiar nossa vida?
Ocorre-me agora: a obra sempre mostra uma relação entre protagonistas e personagens secundários. Ou, relações de poder de todas as formas: entre professor e aluna, homem e mulher, pai e filha, vítima e algoz, brancos e negros nas cidades, no passado, negros e brancos, no campo, no presente, humanos e animais, protagonistas e personagens secundários. Parece que é mais que coincidência, parece que é um tema.
No fim, Lurie desiste de fazer com as demais pessoas ajam como suporte para a sua vida, e aceita o inevitável.
A obra é narrada na terceira pessoa do singular, por um narrador que, mais que onisciente, é um irônico, tão cronicamente irônico, que chega a ser, vez por outra, sádico. Como se fosse o próprio escritor que, sem se segurar, solta comentários aqui e ali. Fiz diversas anotações de comentários maliciosos, cruéis até, logo nas primeiras páginas, que são, com a perdão da palavra, deliciosos.
Por sua vez, o personagem principal, David Lurie, um scholar especializado em Wordsworth, e que pesquisa sobre Byron, é trágico: vai em direção ao fogo, para se queimar, apenas para não se abaixar, apenas para não se modificar. Ele se envolve com uma aluna que o denuncia à Universidade. Em vez de se defender, ele tenta argumentar que, mesmo velho, ele também tinha o direito de se apaixonar, que não havia idade para cometer uma loucura por amor. Claro que esses argumentos não são levados em consideração.
As escolhas dos autores de quem o personagem principal gosta - românticos -, portanto, não parecem à toa. Aliás, nada no livro parece à toa. A obra é composta como se fosse um cubo mágico, daqueles de criança, que os adultos normais não conseguem montar. Não deve ser coincidência que Coetzee tem um degree em matemática.
De qualquer forma, essas referências, essas ligações, essas mensagens subliminares não são de fácil decodificação. Ele joga um jogo que você deve se jogar para tentar desvendar algo além da superfície. E nada garante sucesso.
No segundo ato, a ironia some, logo após um incidente, logo após ele e a filha sofrerem um ataque, em uma cena de extrema violência que vai marcar todo o restante da obra. Ela é estuprada, ele é queimado vivo, os cachorros do canil são mortos, a casa, devastada, o carro dele, roubado.
A partir de então, o livro mostra como pai e filha se recuperam, e como eles vêm o vizinho, que, o pai acredita, teria uma ligação com os criminosos. Mas isso seria uma referência a relação entre os brancos e os negros, na África do Sul, pós-apartheid? Há uma citação histórica?
Em certos momentos, o pai insinua que a filha não quer denunciar os estupradores porque sente uma culpa por tudo o que os brancos fizeram durante o regime de repressão aos negros. A filha nunca admite que é esse o caso, mas deixa escapar que os estupradores quiseram marcá-la, como se fossem animais, e, aquele, o território deles. Como se dissesse que a África profunda, a África longe das cidades, é selvagem, sempre foi e sempre será. A lei do homem branco não se aplica. A lógica é outra. Só quem a conhece, pode viver nela, respeitando essas regras que não são escritas, mas sabidas por todos.
Para passar o tempo, o pai, o acadêmico, o intelectual, aquele que não se importa com mais ninguém, vai trabalhar em uma veterinária que elimina os bichos que estão à beira da morte. Há uma referência clara ao fato de Coetzee ser um grande incentivador dos direitos dos animais. Aliás, isso se encaixa bem no seu perfil, de homem isolado, quase vivendo uma vida monástica, sem aparentar humor em nenhuma circunstância.
Portanto, os animais devem cumprir um papel importante na obra - mas qual? Será que ele, Lurie, vai amolecer, vai se modificar, ao tratar de animais que vão ser abatidos porque não tem mais chances? Será que ele vai se tornar um homem menos autocentrado, pensando apenas na sua própria vida - conforme é insinuado algumas vezes? Mas será que Lurie é realmente um egoísta? Há um problema entre um professor e uma aluna se envolverem? A citação a Byron, o poeta que foi a encarnação do ideal romântico, deve querer responder algo.
O terceiro ato, menor, mostra Lurie tentando escrever uma ópera sobre Byron, mas em que o poeta se torna um personagem menor, e uma de suas amantes, a protagonista. O que o chama para a composição é a música, algo que ele nunca tinha experimentado, que brota nele, que ele identifica como arte.
Não deve ser coincidência o fato de a sua filha reclamar que Lurie tenta controlar sua vida e usar a relação protagonista versus antagonista para explicar que ela também tem uma vida e que não iria viver de acordo com as ideias do pai. Ele seria Byron? A filha, a amante de Byron? A amante de Byron representaria a aluna da faculdade? Lurie perde o protagonismo de sua vida? Temos alguma chance de guiar nossa vida?
Ocorre-me agora: a obra sempre mostra uma relação entre protagonistas e personagens secundários. Ou, relações de poder de todas as formas: entre professor e aluna, homem e mulher, pai e filha, vítima e algoz, brancos e negros nas cidades, no passado, negros e brancos, no campo, no presente, humanos e animais, protagonistas e personagens secundários. Parece que é mais que coincidência, parece que é um tema.
No fim, Lurie desiste de fazer com as demais pessoas ajam como suporte para a sua vida, e aceita o inevitável.
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