Não adianta. Estou numa situação – estamos, nós humanidade, em uma situação – que não tem – para usar uma expressão bem a cara da parábola anterior e, de quebra, fazer um eco escroto – salvação. Não temos. Não é possível comunicar tudo o que eu quero, tudo o que eu pensei. Não é possível comunicar 100% da minha mensagem. Eu sempre soube disso, mas, às vezes, caio no erro de querer passar absolutamente tudo. Como se isso possível fosse. Quando racionalizo, paro, me olho, e falo: não dá. Mas se for no piloto-automático, se for sem pensar, sempre vou fantasiar que é possível passar tudo o que eu penso, tudo o que eu quero, por meio das minhas interferências.
Mentira. A verdade é que acredito que a “Verdade” pode, sim, ser encontrada. Mas ela é algo intransmissível, claro. Ela pode ser achada, mas só se for sem-querer, como uma epifania. E não é por meio de uma comunicação clara, limpa, direta, como a dos relatórios, ou a dos textos acadêmicos. Estes mexem com a razão. A “Verdade” tem a ver com algo muito mais íntimo, talvez um órgão invisível que todos nós temos e que só é tocado quando outra pessoa toca em seu próprio órgão também. E isso só acontece por meio da fantasia, da narrativa, da emoção transbordada. Pode até acontecer com textos aparentemente duros, que se pretendem não-ficcionais, mas só quando eles ultrapassam as barreiras da razão e entram no ambiente vaporífico da imaginação, onde tudo é possível, só quando ele toca esse tímpano interno, que emite som, emite ondas sonoras que são captadas pelo outro tímpano que estiver ao alcance, só então ela aparece.
A “Verdade”, então, mexe com o corpo de quem a recebe. Transforma esse receptor em alguma coisa diferente do que era antes de recebê-la. Marca sua memória, cria um divisor temporal, um antes e um depois, ao mesmo tempo que interrompe o passar do tempo, cria um intervalo, cria um momento, um momentum, em que o mundo para de girar, o relógio interrompe o rodar, suspende-se o correr natural, mas deixa a mente agitada, em uma velocidade incomum. Talvez seja isso, o tempo nem precisa parar, a mente, apenas, é que se acelera de tal maneira que, comparativamente, o mundo estaciona. A “Verdade” traz outras “verdades” dentro de si, como se fosse um armário cheio de portas que, ao se abrir, se ligaria a outras portas, como se estivesse grávida de “verdades” e a medida que se vai abrindo essas portas, descobrindo as pequenas “verdades” que formam a grande “Verdade”, uma sensação de êxtase, de estorpor que percorre o corpo, como um gozo, como o gozo, o maior gozo do mundo, que desfalece automaticamente. Perde o controle da vida, deixa por alguns segundos a direção, apaga o mundo lá fora. Tira o ar por tempo insuficiente para matar alguém, mas o bastante para dar a impressão que a sua hora chegou.
E só a arte, em qualquer formato, em qualquer casca, mesmo quando não é a intenção, mesmo que não tenha sido criado pelo homem, só a arte, aquilo que atinge a beleza, aquilo que é belo, que é quando se fala sobre o que é o mais seu, aquilo que é mais você, quando, além de se escutar, além de ouvir essa voz que fala dentro de si, você propaga essa voz, você transforma os seus pulmões em alto-falantes, transforma os seus dedos em impressores, o seu corpo em vidro transparente que dá acesso ao interior, ao seu interior, só aí que se faz arte, a arte do tipo que contém a “Verdade”. E só a arte, esse tipo específico de arte, é que pode conter a “Verdade”, que é quando, atingimos, momentaneamente, de soslaio, quase sem-querer, o todo, o absoluto.
Não adianta tentar envolver a “Verdade” em símbolos que apenas a descrevem. Vão apenas contar como é a sua aparência e umas de suas possíveis interpretações. Não é possível, num exercício de megalomania, enumerar, uma a uma, suas possibilidades – o erro já foi cometido, por exemplo, na tentativa de construir a Torre de Babel. Sempre vai faltar uma possibilidade. E a totalidade menos um é igual a apenas mais um. Apenas com a arte, e a sua falta de critério, a sua inclinação pelo soar de sinos da intuição, é que podemos vislumbrar, por uma fração do tempo, o todo, que não tem formato direito, nem pode ser reproduzido. Apenas com a arte, temos a possibilidade do acesso a esse mundo, esse mundo escondido. A arte, como sugeriu Drummond, é a chave que abre o quarto onde fica o Aleph, borgeano.
Mentira. A verdade é que acredito que a “Verdade” pode, sim, ser encontrada. Mas ela é algo intransmissível, claro. Ela pode ser achada, mas só se for sem-querer, como uma epifania. E não é por meio de uma comunicação clara, limpa, direta, como a dos relatórios, ou a dos textos acadêmicos. Estes mexem com a razão. A “Verdade” tem a ver com algo muito mais íntimo, talvez um órgão invisível que todos nós temos e que só é tocado quando outra pessoa toca em seu próprio órgão também. E isso só acontece por meio da fantasia, da narrativa, da emoção transbordada. Pode até acontecer com textos aparentemente duros, que se pretendem não-ficcionais, mas só quando eles ultrapassam as barreiras da razão e entram no ambiente vaporífico da imaginação, onde tudo é possível, só quando ele toca esse tímpano interno, que emite som, emite ondas sonoras que são captadas pelo outro tímpano que estiver ao alcance, só então ela aparece.
A “Verdade”, então, mexe com o corpo de quem a recebe. Transforma esse receptor em alguma coisa diferente do que era antes de recebê-la. Marca sua memória, cria um divisor temporal, um antes e um depois, ao mesmo tempo que interrompe o passar do tempo, cria um intervalo, cria um momento, um momentum, em que o mundo para de girar, o relógio interrompe o rodar, suspende-se o correr natural, mas deixa a mente agitada, em uma velocidade incomum. Talvez seja isso, o tempo nem precisa parar, a mente, apenas, é que se acelera de tal maneira que, comparativamente, o mundo estaciona. A “Verdade” traz outras “verdades” dentro de si, como se fosse um armário cheio de portas que, ao se abrir, se ligaria a outras portas, como se estivesse grávida de “verdades” e a medida que se vai abrindo essas portas, descobrindo as pequenas “verdades” que formam a grande “Verdade”, uma sensação de êxtase, de estorpor que percorre o corpo, como um gozo, como o gozo, o maior gozo do mundo, que desfalece automaticamente. Perde o controle da vida, deixa por alguns segundos a direção, apaga o mundo lá fora. Tira o ar por tempo insuficiente para matar alguém, mas o bastante para dar a impressão que a sua hora chegou.
E só a arte, em qualquer formato, em qualquer casca, mesmo quando não é a intenção, mesmo que não tenha sido criado pelo homem, só a arte, aquilo que atinge a beleza, aquilo que é belo, que é quando se fala sobre o que é o mais seu, aquilo que é mais você, quando, além de se escutar, além de ouvir essa voz que fala dentro de si, você propaga essa voz, você transforma os seus pulmões em alto-falantes, transforma os seus dedos em impressores, o seu corpo em vidro transparente que dá acesso ao interior, ao seu interior, só aí que se faz arte, a arte do tipo que contém a “Verdade”. E só a arte, esse tipo específico de arte, é que pode conter a “Verdade”, que é quando, atingimos, momentaneamente, de soslaio, quase sem-querer, o todo, o absoluto.
Não adianta tentar envolver a “Verdade” em símbolos que apenas a descrevem. Vão apenas contar como é a sua aparência e umas de suas possíveis interpretações. Não é possível, num exercício de megalomania, enumerar, uma a uma, suas possibilidades – o erro já foi cometido, por exemplo, na tentativa de construir a Torre de Babel. Sempre vai faltar uma possibilidade. E a totalidade menos um é igual a apenas mais um. Apenas com a arte, e a sua falta de critério, a sua inclinação pelo soar de sinos da intuição, é que podemos vislumbrar, por uma fração do tempo, o todo, que não tem formato direito, nem pode ser reproduzido. Apenas com a arte, temos a possibilidade do acesso a esse mundo, esse mundo escondido. A arte, como sugeriu Drummond, é a chave que abre o quarto onde fica o Aleph, borgeano.
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