Já chega de sofrimento! Não aguento mais ver o pobre do Alain assim. Eu que disse que não era melancólica, e isso está passando dos meus limites... A verdade é que já fui. Já fui bastante melancólica, já culpei o mundo pelos meus problemas, já sofri estagnada sem saber o que fazer, triste, sozinha num canto. Mas, se eu posso me orgulhar de uma coisa, sempre achei esse posicionamento chato, cansativo, repetitivo. E se eu posso livrar Alain dessa vida, ele, que, imagino, também não gosta de passar por essas ruas-sem-saída, por que não? Se esse livro é meu, se eu escrevo o que eu quiser, se eu posso criar uma vida inteiramente nova, ou pelo menos, um fim de livro inteiramente novo para ele, por que não? Porque todo mundo passou por maus bocados na adolescência – ou todo mundo “normal”. Porque todo mundo já sentiu que o mundo tinha acabado, que estava sozinho, que não sabia como sair desse labirinto. Mas a história de Alain não é sobre isso. Ou não é apenas sobre isso. A história é uma desculpa para eu poder conversar comigo mesma, sem parecer que estou louca. É uma metáfora, para eu poder falar sobre assuntos que eu gosto, que eu acho relevante, sem que as pessoas me chamem de proselitista. Entretanto, por mais que eu me surpreende em falar o já muito falado, tenho que admitir que a história é viva, ganha os contornos que quiser, vai para o caminho que achar melhor – não respeita a minha vontade, ou somente a minha vontade – tem uma vontade própria. Uma gravidade única que a puxa em uma direção sem que eu possa fazer muito. Eu posso interromper, posso jogar a toalha, admitir a minha derrota. E escrever um posfácio! Isso, eu posso mostrar como Alain, apesar de todos esses sofrimentos, alguns tão comuns a sua idade, outros tão únicos e profundos, se tornou um adulto que, dentro do possível, é feliz. Isso talvez não faça muito sentido com o desenrolar do livro, mas eu posso usar do poder a mim concedido para ignorar as indicações e simplesmente colocá-lo com 35 anos, pai de duas filhas, morador de um bairro de classe média, casado, trabalha numa empresa tradicional, tem dinheiro o suficiente para não se preocupar com o fim do mês. Mas, peraí, isso seria uma vida feliz – ou um comercial de margarina? De qualquer forma, me ocorre que esse seria um caminho meio óbvio para um garoto como Alain. Repetir formatos já bastante conhecidos, sem coragem de enfrentar o novo, desafiar o seu entorno, e acreditar que essa vidinha cotidiana, comum, sem grandes subidas ou descidas é o melhor, mesmo. Nada contra a vida cotidiana, comum, sem grandes subidas ou descidas – desde que seja algo autêntico, genuíno. Que as pessoas queiram mesmo isso, e não apenas repitam o que já foi feito. O que, aparentemente, seria o caso de Alain. Claro que podemos nos surpreender. Ele pode dar um grito de liberdade. Esse episódio, de tão marcante, pode ser a deixa que ele precisava para mudar completamente o curso da sua história. Já que ele está completamente sozinho, ele pode resolver fazer tudo o que queria fazer e nunca teve coragem. Ele não vai precisar ignorar as pessoas a sua volta – elas não existem, mesmo. Ele pode ainda ter outros encontros, quando menos espera. Pode simplesmente resolver ser ativo, em vez de passivo. Pode admitir esses sofrimentos, querer esses sofrimentos, como quem quer mais comida, e perceber que, quando encarados de frente, os sofrimentos não assustam tanto. Pode deixar de ser melancólico, e perceber que ele não é o culpado pelas coisas que acontecem em sua vida – nem as boas, nem as más. E não é, claro, alguém superior, ou um destino que está escrito e ele tem que seguir, nem mesmo ele tem muita influência sobre o desenrolar dos acontecimentos. Ele só deve seguir em frente – em qualquer direção, e se assim o quiser – conforme o mundo, a natureza em sua volta, o abastece de surpresas e repetições. A partir delas – e antes delas, e com elas –, ele de agir ou reagir. Só isso.
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