Uma das grandes defesas do julgamento de um objeto artístico feitas por Kant era a necessidade do olhar desinteressado. Em cruas palavras, isso seria: o objeto deveria ser avaliado em si, sem qualquer influência exterior, sem qualquer necessidade de extrapolar o seu círculo. Um livro deveria ser bom não porque poderia ser usado para explicar como vivia certa sociedade em determinado século, mas apesar dessa explicação. Essa contextualização seria desnecessária para se encontrar a verdadeira arte. Eu sempre acreditara nisso. Acho que não mais.
Primeiro porque eu acho que esse isolamento é completamente irreal. Como você vai fazer para que outras áreas de interesse não apareçam enquanto você está apreciando uma música, por exemplo? Como não prestar atenção na letra - para aqueles que prestam -, como não reparar nas influências históricas na melodia - para aqueles reconhecem? Como deixar de ser você, naquele momento, para frio, cru, nu e insossamente ter contato com a arte sem influência?
Não estou sugerindo que se julgue um livro pelo nome que aparece em sua capa. Seria o lado oposto da contextualização. Esse raciocínio seria de "se eu conheço tudo o que tal pessoa produz, o seu novo filme será, certamente, bom". Não é isso. Não é nada disso. Estou dizendo que um julgamento "isento", ou "desinteressado", como fala Kant, é impossível de se acontecer na vida real, no dia-a-dia. Somos sempre atravessados por uma série de emoções que se modificam a cada infinitésimo.
Pensemos num blind tasting. Mesmo que outro dos paradigmas sugeridos nessa mesma obra ["Crítica da faculdade do juízo"] por Kant seja separar o juízo de gosto do juízo de belo, vou quebrar mais essa regra dele para dar mais um exemplo, talvez ainda mais controverso. Faço isso porque imagino que as experiências de prazer podem ser muito parecidas. Pensemos, portanto, num blind tasting. Normalmente são colocados mostras de vinho [ou cerveja, uísque &c.] sem a presença do rótulo e sem qualquer informação sobre a origem daquele líquido. Entendidos provam e dão notas, dentro de parâmetros, para cada uma das bebidas. No conjunto, se elege a melhor. Simples. Porém, porque devemos privar o julgador dessas informações de contexto? Em que situação alguém vai repetir essa experiência de ignorar completamente a garrafa, o rótulo, a história daquela bebida? Para que serve, portanto, provar que em uma situação quase ideal um vinho é melhor - segundo o critério desses entendidos, reunidos em uma espécie de eleição - que outro? Isso me lembra os problemas de física quando o professor dizia que era para ignorar o atrito - como se isso fosse possível.
Não vivemos isolados, não vivemos separados de nossos sentimentos, não vivemos longe de nossa história. Temos que, de posse de todo o nosso "eu", perceber, descobrir o que nos dá essa experiência de prazer - e o que não dá. E podemos, se quisermos, insistir, estudar, nos aprimorar em determinado assunto, para ter conhecimentos e revelar segredos que são escondidos para os apreciadores / observadores bissextos. Quanto mais ferramentas, mais possibilidades de aberturas de portas ocultas. [Repare, coloquei possibilidade, não certeza...]
Continuo achando que um dos seres deve encontrar a sua própria estrada. Isso não é o fim da crítica, mas a transformação da crítica em um objeto de debate, em vez de censura. É saber que a crítica nos ajuda, não no julgamento, mas na indicação de onde estão essas portas para nos transportar para outro lugar, para mudarmos de fase. Mas o julgamento, mesmo que isso possa soar bastante subjetivo, é único. Jamais - e ainda bem - teremos uma unanimidade de gosto.
Primeiro porque eu acho que esse isolamento é completamente irreal. Como você vai fazer para que outras áreas de interesse não apareçam enquanto você está apreciando uma música, por exemplo? Como não prestar atenção na letra - para aqueles que prestam -, como não reparar nas influências históricas na melodia - para aqueles reconhecem? Como deixar de ser você, naquele momento, para frio, cru, nu e insossamente ter contato com a arte sem influência?
Não estou sugerindo que se julgue um livro pelo nome que aparece em sua capa. Seria o lado oposto da contextualização. Esse raciocínio seria de "se eu conheço tudo o que tal pessoa produz, o seu novo filme será, certamente, bom". Não é isso. Não é nada disso. Estou dizendo que um julgamento "isento", ou "desinteressado", como fala Kant, é impossível de se acontecer na vida real, no dia-a-dia. Somos sempre atravessados por uma série de emoções que se modificam a cada infinitésimo.
Pensemos num blind tasting. Mesmo que outro dos paradigmas sugeridos nessa mesma obra ["Crítica da faculdade do juízo"] por Kant seja separar o juízo de gosto do juízo de belo, vou quebrar mais essa regra dele para dar mais um exemplo, talvez ainda mais controverso. Faço isso porque imagino que as experiências de prazer podem ser muito parecidas. Pensemos, portanto, num blind tasting. Normalmente são colocados mostras de vinho [ou cerveja, uísque &c.] sem a presença do rótulo e sem qualquer informação sobre a origem daquele líquido. Entendidos provam e dão notas, dentro de parâmetros, para cada uma das bebidas. No conjunto, se elege a melhor. Simples. Porém, porque devemos privar o julgador dessas informações de contexto? Em que situação alguém vai repetir essa experiência de ignorar completamente a garrafa, o rótulo, a história daquela bebida? Para que serve, portanto, provar que em uma situação quase ideal um vinho é melhor - segundo o critério desses entendidos, reunidos em uma espécie de eleição - que outro? Isso me lembra os problemas de física quando o professor dizia que era para ignorar o atrito - como se isso fosse possível.
Não vivemos isolados, não vivemos separados de nossos sentimentos, não vivemos longe de nossa história. Temos que, de posse de todo o nosso "eu", perceber, descobrir o que nos dá essa experiência de prazer - e o que não dá. E podemos, se quisermos, insistir, estudar, nos aprimorar em determinado assunto, para ter conhecimentos e revelar segredos que são escondidos para os apreciadores / observadores bissextos. Quanto mais ferramentas, mais possibilidades de aberturas de portas ocultas. [Repare, coloquei possibilidade, não certeza...]
Continuo achando que um dos seres deve encontrar a sua própria estrada. Isso não é o fim da crítica, mas a transformação da crítica em um objeto de debate, em vez de censura. É saber que a crítica nos ajuda, não no julgamento, mas na indicação de onde estão essas portas para nos transportar para outro lugar, para mudarmos de fase. Mas o julgamento, mesmo que isso possa soar bastante subjetivo, é único. Jamais - e ainda bem - teremos uma unanimidade de gosto.
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