Na semana passada, fomos a um evento dentro do "Guardian" que tinha debates sobre diversos assuntos. Como não sabíamos que era necessário reservar mesas com antecedência -o jeito londrino de ser pontual na internet-, acabamos caindo nas palestras que ainda tinham lugar sobrando, quando fomos escolhê-las, uma semana após o início do processo. Perdemos Ian McEwan e Alain de Botton, e ganhamos Clay Shirky, duas vezes. Não posso dizer que estou arrependido.
Na primeira mesa, ele foi entrevistado pelo editor-chefe do "Guardian", Alan Rusbridger, e na segunda dividiu o palco com Richard Allan, diretor de políticas para a Europa do Facebook, e Rachel Whetstone, chefe global de comunicação e políticas públicas do Google, sendo moderado por Ian Katz, o editor de notícias do "Guardian". Esse namedropping todo é só para mostrar a importância do moço que, apesar de ser ressaltado a todo momento, me pareceu bastante gente-como-a-gente.
Fisicamente, ele lembra muito o Tom Hanks, só que completamente careca. Até nos trejeitos, ele é igual ao ator americano na sua versão comédias-rasgadas. Ao lado do quase lorde inglês Rusbridger, fica até, realmente, engraçado. Shirky é um americano exagerado, que gesticula muito, se mexe na cadeira a todo momento, enquanto Rusbridger parecia uma estátua que abria a boca e emitia som. Na segunda mesa, ao ser apresentado pelo excelente moderador Katz, foi descrito como professor da New York University, que tem conhecimento profundo sobre tecnologia, o ambiente virtual, e tudo o que envolve esses aspectos, tendo escrito dois livros sobre o tema, mas que, principalmente, tem bastante insights, que passam despercebidos pelos demais. O que faz bastante jus ao que eu vi.
Entre diversos assuntos que ele falou, do jornalismo em tempos de internet, do nível do debate na rede, de como moderar comentários, do financiamento de produtos online, um, especificamente, me chamou a atenção: a liberdade na internet.
Antes de vir para cá, as colunas do Hermano Vianna no "Globo", a minha mais frequente referência à tecnologia -pelo lado, digamos, antropológico- falavam majoritariamente sobre esse mesmo campo. Hermano reclamava, assim como o Eli Pariser, do outro post, de como a proposta da rede de ser completamente livre estava, ao menos, com as perspectivas atuais, fracassando.
Hoje em dia, só visitamos sites dentro de ambientes com grandes controladores, repara só. A grande maioria da navegação está no Facebook, que estaria caminhando, segundo as previsões mais pessimistas, para substituir a rede itself. E, quando fugimos do Facebook, caímos no Google, e os seus cálculos que tentam descobrir o que nós queremos realmente ter acesso. Ou seja, não teríamos mais uma liberdade-absoluta para a escolha [e será que algum dia tivemos? ou será que é possível ter], mas uma liberdade condicional, assistida, determinada por critérios nem sempre claros, e nem sempre justos.
No meio dos tubarões do Facebook e do Google, Shirky permanecia quieto, no seu canto, escutando da moça do Google que não há qualquer diferença na busca realizada por duas pessoas com perfis diferentes, e do moço do Facebook que eles não sabem como vão se comportar na China, quando tiverem que chegar lá. Porém, como a mesa se chamava "Will be the internet open?", Katz jogou para ele, Shirky, dar a opinião final, antes de terminar.
Ele foi sóbrio, o mais sóbrio e realista que se pode ser nesses aspectos. Tentou não idealizar a rede, mas interpretar os sinais que ela dá agora, e saber o que podemos fazer com isso, o que podemos aprender. Primeiro ele disse que a internet já não é aberta, e talvez apenas idealisticamente, ou para grupos específicos, ela um dia foi. Portanto, imaginar um dia a internet livre é pensar em um paraíso que talvez nunca existiu na realidade para a maioria. Segundo ele, vivemos agora num mundo híbrido, entre o aberto e o fechado, passando por esses dois mundos, sem nem perceber.
Depois, ele falou o óbvio - que às vezes necessita ser falado: a internet "fechada" tem algumas vantagens sobre a "aberta". Se não tivesse, ninguém iria querer participar disso. Mas ele foi além e deu alguns exemplos: a ajuda para encontrar assuntos que você está procurando. Basta lembrar os tempos pré-Google para saber como era difícil pesquisar. Ou como é bom a sensação de reencontrar um amigo de infância, que você não vê há muito tempo. Ou seja, a internet fechada organiza, de alguma maneira, o caos que é a internet. [Poderíamos entrar num papo mais filosófico sobre caos e organização, mas vamos deixar para outro dia.]
O que não quer dizer que a internet fechada só tenha vantagens. Ela castra as possibilidades, negando qualquer caminho que não o pré-determinado, por critérios nem sempre cristalinos. E o usuário cada vez mais vai se acostumar aos cinco, seis sites que frequenta normalmente. Ele não deu essa metáfora, mas eu dou: o internauta atual seria como um pássaro que gosta de ficar dentro da gaiola, porque é mais seguro e, quando sai, não sabe mais voar longas distâncias.
Como ele não precisava prever o futuro, ele apenas diagnosticou o nosso presente, o que nos deixa em uma bifurcação. Mas eu arrisco dizer que devemos, à medida do possível, navegar mais anarquicamente, procurando assunto e temas que não são comuns, visitando sites totalmente desconhecidos, clicando em links [em lugares seguros] sem saber para onde vai ser levado. Porque de cotidiano monótono, já chega a vida lá fora.
Na primeira mesa, ele foi entrevistado pelo editor-chefe do "Guardian", Alan Rusbridger, e na segunda dividiu o palco com Richard Allan, diretor de políticas para a Europa do Facebook, e Rachel Whetstone, chefe global de comunicação e políticas públicas do Google, sendo moderado por Ian Katz, o editor de notícias do "Guardian". Esse namedropping todo é só para mostrar a importância do moço que, apesar de ser ressaltado a todo momento, me pareceu bastante gente-como-a-gente.
Fisicamente, ele lembra muito o Tom Hanks, só que completamente careca. Até nos trejeitos, ele é igual ao ator americano na sua versão comédias-rasgadas. Ao lado do quase lorde inglês Rusbridger, fica até, realmente, engraçado. Shirky é um americano exagerado, que gesticula muito, se mexe na cadeira a todo momento, enquanto Rusbridger parecia uma estátua que abria a boca e emitia som. Na segunda mesa, ao ser apresentado pelo excelente moderador Katz, foi descrito como professor da New York University, que tem conhecimento profundo sobre tecnologia, o ambiente virtual, e tudo o que envolve esses aspectos, tendo escrito dois livros sobre o tema, mas que, principalmente, tem bastante insights, que passam despercebidos pelos demais. O que faz bastante jus ao que eu vi.
Entre diversos assuntos que ele falou, do jornalismo em tempos de internet, do nível do debate na rede, de como moderar comentários, do financiamento de produtos online, um, especificamente, me chamou a atenção: a liberdade na internet.
Antes de vir para cá, as colunas do Hermano Vianna no "Globo", a minha mais frequente referência à tecnologia -pelo lado, digamos, antropológico- falavam majoritariamente sobre esse mesmo campo. Hermano reclamava, assim como o Eli Pariser, do outro post, de como a proposta da rede de ser completamente livre estava, ao menos, com as perspectivas atuais, fracassando.
Hoje em dia, só visitamos sites dentro de ambientes com grandes controladores, repara só. A grande maioria da navegação está no Facebook, que estaria caminhando, segundo as previsões mais pessimistas, para substituir a rede itself. E, quando fugimos do Facebook, caímos no Google, e os seus cálculos que tentam descobrir o que nós queremos realmente ter acesso. Ou seja, não teríamos mais uma liberdade-absoluta para a escolha [e será que algum dia tivemos? ou será que é possível ter], mas uma liberdade condicional, assistida, determinada por critérios nem sempre claros, e nem sempre justos.
No meio dos tubarões do Facebook e do Google, Shirky permanecia quieto, no seu canto, escutando da moça do Google que não há qualquer diferença na busca realizada por duas pessoas com perfis diferentes, e do moço do Facebook que eles não sabem como vão se comportar na China, quando tiverem que chegar lá. Porém, como a mesa se chamava "Will be the internet open?", Katz jogou para ele, Shirky, dar a opinião final, antes de terminar.
Ele foi sóbrio, o mais sóbrio e realista que se pode ser nesses aspectos. Tentou não idealizar a rede, mas interpretar os sinais que ela dá agora, e saber o que podemos fazer com isso, o que podemos aprender. Primeiro ele disse que a internet já não é aberta, e talvez apenas idealisticamente, ou para grupos específicos, ela um dia foi. Portanto, imaginar um dia a internet livre é pensar em um paraíso que talvez nunca existiu na realidade para a maioria. Segundo ele, vivemos agora num mundo híbrido, entre o aberto e o fechado, passando por esses dois mundos, sem nem perceber.
Depois, ele falou o óbvio - que às vezes necessita ser falado: a internet "fechada" tem algumas vantagens sobre a "aberta". Se não tivesse, ninguém iria querer participar disso. Mas ele foi além e deu alguns exemplos: a ajuda para encontrar assuntos que você está procurando. Basta lembrar os tempos pré-Google para saber como era difícil pesquisar. Ou como é bom a sensação de reencontrar um amigo de infância, que você não vê há muito tempo. Ou seja, a internet fechada organiza, de alguma maneira, o caos que é a internet. [Poderíamos entrar num papo mais filosófico sobre caos e organização, mas vamos deixar para outro dia.]
O que não quer dizer que a internet fechada só tenha vantagens. Ela castra as possibilidades, negando qualquer caminho que não o pré-determinado, por critérios nem sempre cristalinos. E o usuário cada vez mais vai se acostumar aos cinco, seis sites que frequenta normalmente. Ele não deu essa metáfora, mas eu dou: o internauta atual seria como um pássaro que gosta de ficar dentro da gaiola, porque é mais seguro e, quando sai, não sabe mais voar longas distâncias.
Como ele não precisava prever o futuro, ele apenas diagnosticou o nosso presente, o que nos deixa em uma bifurcação. Mas eu arrisco dizer que devemos, à medida do possível, navegar mais anarquicamente, procurando assunto e temas que não são comuns, visitando sites totalmente desconhecidos, clicando em links [em lugares seguros] sem saber para onde vai ser levado. Porque de cotidiano monótono, já chega a vida lá fora.
2 comentários:
O grande problema nessa discussão (e que os teóricos as vezes ignoram ou esquecem) é que a massa sequer sabe utilizar a internet.
Esse exemplo do pássaro que gosta da gaiola representa justamente a massa, o grosso de pessoas que acha que internet é Facebook, G1, Globo Esporte e Youtube. Se você der o infinito a essas pessoas, elas vão usar o infinito pra acessar esses 4 sites.
Eu achava que era uma questão de "geração", mas vejo esse efeito mesmo entre universitários hoje, não é algo exclusivo a "velha guarda" que cresceu sem a rede e agora aos poucos vem tendo contato com ela.
E aqueles que duvidarem que o problema do pássaro que gosta da gaiola vem de muito antes e precisa ser resolvido (também) muito antes de se chegar ao conceito internet, fica aqui um pensamento: Se hoje não conseguimos fazer as pessoas entenderem o quanto valem suas liberdades (concretas e abstratas), o quão importante é o conhecimento e a libertação que vem da filosofia, da literatura, do pensamento, do conhecimento como um todo, de como é importante uma visão crítica para que tenhamos alguma proteção contra a manipulação da mídia, de governantes, de empregadores... Como fazer com que essas mesmas pessoas se importem com suas personas online?
Claro, não desmerece o debate atual sobre liberdade e neutralidade na rede. Mas se realmente alguém quer chegar a uma solução e não debater pelo simples prazer da discussão e da troca de ideias, precisa voltar muitas etapas antes de discutir liberdade na rede.
eu acrescentaria que a persona online nada mais é que uma projeção, um tipo de projeção, da offline. ou seja, as pessoas geralmente não sabem o que fazer com liberdades, em geral, e sempre precisam procurar alguém que os regule.
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