terça-feira, 23 de julho de 2013

A polícia x o resto de nós

A polícia é um dos instrumentos essenciais para nos manter dentro de uma sociedade baseada em leis. É ela quem faz cumprir essas leis. Isso, claro, na tese.

Não deve haver, porém, lugar nenhum do mundo em que a polícia seja amada pelos seus cidadãos. O motivo é simples: a polícia é quem diz "não" para as pessoas. É o primeiro contato com a máquina estatal. Quem mostra, em primeiro lugar, os limites desse Estado e o que você é obrigado a fazer para ter as vantagens de integrar essa sociedade. É quem te tira dessa sociedade e te isola caso você faça algo que as leis não permitem.

Portanto, não é fácil a vida de policiais em qualquer lugar do mundo. Mas, aparentemente, no Rio [e não só no Rio, nem só no Brasil], a polícia carrega outras responsabilidades.

A polícia se transformou no exército [daí não ser coincidência ter uma parcela importante chamada "militar"] do estado que quer ser Estado para, simplesmente, manter o seu status quo. Em outras palavras, protege os mais importantes e ataca os desimportantes. Vira instrumento de violência. Aqui, isso acontece desde que a polícia é polícia - e antes disso já acontecia também.

A polícia não entende que é parte da sociedade, não está à parte.  Não entende que os homens e mulheres que eles agridem são seus iguais. O raciocínio "nós X eles", usado pelos policiais, demonstra como não somos nada, absolutamente nada, iguais perante nenhuma lei. E que todas as vezes que um policial usa da prerrogativa da hierarquia para obedecer as ordens de agressão está simplesmente se comportando desumanamente.

O que mais me choca em tudo isso é: como [ou por quê?!] a polícia precisa de um inimigo para lutar contra. Como age dentro de uma lógica do ressentimento. Acredita [erroneamente] que precisa do outro para existir. Do outro que deve ser combatido. Do inimigo. O outro que me dá sentido e razão de ser, porque deve ser eliminado. Mas e quando o inimigo é todo o restante da população?

sábado, 20 de julho de 2013

A humanidade segundo Hannah Arendt

[Uma versão menor do texto publicado na Revista de História.]


O que torna um homem Homem? Seriam os aspectos biológicos, uma junção de células que criam carnes, ossos, tendões, tecidos dos mais variados? Ou haveria algo além da mera questão evolutiva? Um caráter de humanidade, que diferencia o homem dos demais animais? Uma das mais importantes discussões que perpassa toda a história da filosofia, esta questão é o tema principal do filme “Hannah Arendt”, da diretora alemã Margarethe Von Trotta.

O longa-metragem, que, em certos momentos peca por um certo exagero dos atores, o que tira a naturalidade das cenas, não é exatamente uma cinebiografia da filósofa alemã de origem judia que migrou para os EUA para fugir da Segunda Guerra Mundial. Foca em um determinado episódio na história da autora de “As origens do totalitarismo” que ilumina, provavelmente, a principal discussão da sua vida: qual é “A condição humana” [não por acaso, nome de um outro de seus clássicos]?

Já morando em Nova York e com a sua vida completamente estabelecida, entre aulas na universidade e amigos e um marido a quem ela demonstra muito carinho, Hannah Arendt recebe a informação de que o famoso nazista Adolf Eichmann tinha sido preso pelo serviço secreto israelense em Buenos Aires e seria levado para julgamento em Israel. Ela, mesmo que não tivesse qualquer ligação direta com o caso, envia uma sugestão para a conceituada revista “The New Yorker” se oferecendo para cobrir, por eles, o processo.

Já na “terra sagrada”, ela assiste à dura rotina de depoimentos de testemunhas, de vítimas que passam mal em júri, e do próprio Eichmann. O alemão, em vez de admitir qualquer culpa no extermínio de milhares de homens e mulheres, se declara um mero cumpridor de ordens, um homem que simplesmente obedecia ao Führer. Mesmo que para isso tivesse que matar o próprio pai, naquele momento, ele era um soldado sem direito a retrucar as ordens enviadas. Hitler era a lei.

Hannah Arendt fica impressionada com o argumento e com o aspecto do réu. Ele parece tão normal, tão comum, tão banal, tão humano... E se ele não é o autor da ordem, seria ele o responsável pelas mortes dos judeus nos campos de concentração? Se ele é apenas o instrumento da ação de um mentor, ele seria igualmente culpado pelos crimes?

A resposta para todas as questões apresentadas até o momento neste texto é a mesma, e é insinuada logo no início do filme.

No início de sua vida intelectual, ainda bem antes da Segunda Guerra, Arendt decide ir estudar com um dos maiores filósofos do século XX, o igualmente alemão Martin Heidegger. Mesmo que anos depois Heidegger tenha colaborado com o regime nazista, os dois se aproximam e tem um caso de amor. Apesar das diferenças no campo político, os dois mantêm uma relação bastante próxima durante toda a vida, como pode ser comprovada pelas inúmeras cartas trocadas entre ambos.

Na cena em que a jovem Hannah se encontra com o já renomado professor, ele lhe pergunta: Então você quer aprender a pensar? Com a confirmação de Hannah, ele responde: O pensamento não se aprende. E não é apenas racional, mas envolve as mais variadas emoções.

A filósofa, já de volta a Nova York, se instala sobre o divã, fumando. Fica pensando o caso. Pensando o que tinha visto no julgamento, pensando as conversas que tinha tido com o seu mentor, anos antes, para tentar chegar a alguma conclusão. Pensando.

Após estourar o seu prazo, e demonstrando uma arrogância com as pessoas de fora do seu círculo de amizade quase exótica àquela personagem dócil de dentro de casa, ela entrega o texto que seria depois transformado no livro "Eichmann em Jerusalém" – e que causaria a provável maior controvérsia na sua vida.

Fazendo uma reportagem filosófica, digamos assim, Hannah Arendt não apenas desenvolve teses sobre o que viu ou pensou, mas também descreve o cotidiano do julgamento. Em uma de suas descrições, ela fala que houve uma espécie de conivência entre as lideranças judias e os comandos nazistas. Conivência essa que talvez tenha sido vista como uma forma de sobrevivência num primeiro momento, mas que, para ela, causou mais mortes no fim das contas.

Essa passagem, que não era nem próximo do ponto principal a que ela se agarrava, lhe causou uma inundação de cartas e ameaças. Judia, ela era acusada de trair o movimento sionista. Mesmo que ela dizia que sua pátria não era a Alemanha, Israel ou os EUA, mas os seus amigos.

O que a filósofa queria deixar claro era que, para ela, Eichmann, assim como todos os homens e mulheres afetados diretamente ou indiretamente pelo nazismo, tinham perdido o dom mais precioso de suas vidas: a humanidade. O totalitarismo tinha retirado a capacidade dos homens e mulheres de pensarem, do jeito que Heidegger sugeriu - e essa é uma das características principais do totalitarismo.

Fossem nazistas ou judeus, alemães ou poloneses, os homens e as mulheres se transformaram em seres sem vida, que ou repetiam ordens sem refletirem sobre, ou lutavam única e exclusivamente por sua sobrevivência. Para Arendt, o homem não sobrevive, o homem vive. Daí, de uma maneira geral, o totalitarismo nazista teria atingido a todos, sem determinações geográficas.

O filme sugere que o que torna um homem Homem é o ato de pensar, não no sentido de repetir automaticamente as decisões racionais, mas se envolver com as questões de maneira mais profunda, mais emotivamente, em suma, de maneira mais humana.

Em uma carta de Hannah Arendt para Martin Heidegger datada de setembro de 1969, ela parece confirmar esse raciocínio:

“Estamos tão habituados à antiga contraposição entre razão e paixão, espírito e vida, que nos espantamos em certa medida com a representação de um pensamento apaixonado, no qual pensar e viver se unificam. Este pensamento que se alça enquanto paixão a partir do simples fato de ter-nascido-em-um-mundo e então ‘procura seguir com o pensamento o sentido que vige em tudo o que é’ comporta tão pouco uma meta derradeira - o conhecimento ou o saber – quanto a própria vida.”

E completa em seguida:

“O fim da vida é a morte, mas o homem não vive por causa da morte. Ele vive porque é uma essência vital; e ele não pensa por causa de um resultado qualquer, mas porque é uma essência ‘pensante, isto é, meditativa’.”

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Lady Macbeth

                             Estava bêbada
A ambição que vestias? E dormiu?
E acorda para olhar pálida e verde
Pro que, livre, pensara? Doravante
Julgo assim o teu amor. Tens tanto medo
De seres, com teus atos e coragem,
Igual aos teus desejos? Queres ter
O que julgas da vida o ornamento,
Ou viveres como um covarde aos próprios olhos,
Deixando o "quero" curvar-se ao "não-ouso",
como um gato pescando?
Shakespeare, "Macbeth", fala de Lady Macbeth, no ato I, cena VII, versos de 38 a 47.

Deixo registrado esse trecho, talvez um dos mais importantes de toda a peça, para futuras divagações. Deixo junto as questões: o "quero" deve se curvar ao "não-ouso"? Querer é o mesmo que ambicionar? O que acontece se optarmos por obedecer sempre o querer?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Manifestações: políticas, eleitorais ou indiferente?

Então o senhor, governador Cabral, falou que o grande culpado pelas manifestações contra o senhor são os adversários políticos? Bem, governador, vamos lá de novo, acho que o senhor não entendeu: E daí?

O que adianta falar isso? As pessoas vão parar de protestar? É feio os adversários políticos usarem de manifestantes contra o senhor? Ou melhor: não podem manifestantes que apoiam outros adversários protestar contra o senhor? O senhor vai prender alguém por conta disso?

AH, entendi. O senhor quer tirar o apoio que a classe média tem dado a essas manifestações associando as manifestações ao Garotinho. Saquei. Bem, é, o Garotinho é um político que afugenta esse grupo, mesmo. Ele tem diversas características que assustam os ricos, como ser evangélico [horror dos horrores nos dias atuais], ser associado com diversos esquemas suspeitos de corrupção, ter tomado atitudes políticas aparentemente demagógicas [restaurantes e hotéis mais barato que bananas] etc. Eu também não gosto dele. E pode ficar tranquilo, não vou votar nele. Mas, veja, governador, eu continuo apoiando as manifestações.

Não fique preocupado, também acho estranho que os protestos se concentrem contra o senhor. Mas acho que é questão de momento. Porque o senhor, realmente, vamos concordar, fez um governo muito péssimo, principalmente se formos comparar com o do prefeito seu amigo e o da presidenta. Não que a situação deles seja exultante, pelo contrário, é que a sua é o fim do poço. De zero a dez na escala Garotinho de governabilidade, sendo zero o prefeito de Estocolmo, e onze a Garotinha, o senhor está em 9,5.

Acho que a situação fica muito complicada para o senhor quando pensamos nas ligações mais explicitadas do senhor, pessoalmente falando, com empresários de ramos escusos. Senão, vejamos: o senhor é amigo do cara da Delta! E o que dizer da sua relação com Eike? E o seu secretário de Transportes?! O seu secretário de Transportes é o Júlio Lopes! Precisamos dizer alguma coisa a mais?

Aí, tendo dificuldades de lidar com a sua queda de popularidade, apela para a sua eleição, há quatro anos [quatro anos, governador, é uma eternidade hoje em dia] e queima o seu único capital político. A segurança pública. A única coisa que o governo tinha feito que agradava a essa classe média que vive no asfalto. O tal processo de "pacificação" [já falei que eu odeio essa palavra?]. Destrói a reputação do seu secretário de Segurança. Hum. Não muito esperto, governador, nada esperto.

Governador, vamos lá, novamente. Vou tentar desenhar para demonstrar o quanto o senhor está errado:

- os seus adversários têm o direito de convocar manifestações contra o senhor. Mesmo que o seu adversário seja o Garotinho.

- as manifestações podem - e devem ser políticas. Reclamar disso é ser antidemocrático.

- todas as vezes que os seus policiais usam de força demasiada contra manifestantes - sejam eles quais forem -, eles dão capital político para os seus adversários.

- não é legal saquear nada. Eu, se fosse o lojista, ficaria revoltado contra essa situação. E responsabilizaria o senhor, não os saqueadores. Porque é a função da polícia proteger o cidadão. Mas é claro para todo mundo que ela tem como prioridade proteger o senhor. Então, para mim, é algo como: um sujeito x o estado.

- O senhor está se saindo um feio de um frouxo [não há nada de belo nisso].

Aliás, governador, o que, exatamente, o senhor fez, além de abaixar as passagens de metrô, trem e barcas? Uma sugestão para o senhor pensar: apoie a criação de todas as CPIs na Alerj. Mostre que não há nada a esconder. #fikadik.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

"O homem sem qualidades", trechos

O mundo é realmente cômico, analisado do ponto de vista da técnica; nada prático nas relações humanas, altamente antieconômico e inexato em seus métodos; e quem estiver habituado a resolver seus problemas com a régua de cálculo, simplesmente não pode mais levar a sério metade das afirmações dos homens. A régua de cálculo consta de dois sistemas de cifras e traços combinados com inaudita argúcia, de duas varetas laqueadas de branco, que deslizam uma sobre a outra, dois recortes em forma de trapézio, com ajuda dos quais se resolvem num instante as tarefas mais complicadas, sem desperdiçar nem um pensamento; a régua de cálculo é um pequeno símbolo que se carrega no bolso interno do casaco, e se sente sobre o coração como um traço branco e duro: quem possui uma régua de cálculo, e encontra alguém que faz afirmações grandiosas ou tem sentimentos grandiosos, diz: um momento, primeiro vamos calcular as margens de erro e o valor mais provável de tudo isso!
[...]
É exatamente como se a velha humanidade ineficiente tivesse adormecido sobre um formigueiro; quando despertou a humanidade nova, as formigas tinham entrado no seu sangue, e desde então ela precisa fazer movimentos incessantes, sem conseguir se livrar desse chatíssimo ímpeto de fanatismo pelo trabalho.
[...]
Realmente não é preciso falar muito a respeito; a maioria das pessoas sabe perfeitamente, hoje, que a matemática entrou em todos os campos de nossa vida, como um demônio. Talvez nem todas essas pessoas acreditem na história do Diabo a quem se pode vender a alma; mas todas as pessoas que entendem alguma coisa de alma, por serem sacerdotes, historiadores e artistas, e tirarem boas vantagens disso, testemunham que foi a matemática que arruinou a alma, que a matemática é a fonte de uma inteligência perversa que faz do homem senhor da terra, mas escravo da máquina. E assim, já no tempo em que Ulrich se tomou matemático, havia pessoas que profetizavam a derrocada da cultura européia, porque nenhuma crença, nenhum amor, nenhuma candura restavam no ser humano; e significativamente todos foram maus matemáticos na juventude e nos anos escolares. Isso provou para eles, mais tarde, que a matemática, mãe da ciência natural exata, avó da técnica, também é mãe ancestral daquele espírito do qual finalmente brotaram os gases venenosos e os pilotos de guerra.
Trechos do livro do Robert Musil. Todo o livro aqui

domingo, 14 de julho de 2013

O que eu faria no lugar do Cabral?

A pergunta do título, claro, é hipotética. Muito dificilmente eu estaria no lugar do excelentíssimo senhor governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Primeiro porque eu não sou político. Segundo porque eu não sou político. Mas, vamos considerar a situação, vamos aceitar este absurdo. Ou melhor, vamos especular: o que um governador deve fazer caso haja uma série de manifestações contra ele, na casa dele, no local de trabalho...

Primeiro, governador, aceite: há uma galera que não gosta de você. Mas não gosta é muito de você. Não gosta tanto de você a ponto de perder noites e noites para enfrentar sua covarde polícia, que usa de abuso da força como instrumento único e diário de trabalho. O senhor, por exemplo, o senhor faria isso no lugar deles? Iria para rua para tomar tiro de borracha e respirar gás lacrimogêneo? Então, em primeiro lugar: respeito-os.

Eles podem ser peões dos seus adversários políticos. Podem ser espiões infiltrados por inimigos do seu secretário de Segurança, para desmoralizá-lo e, assim, acabar com o seu principal capital político. Podem até ser uma minoria raivosa, que não representa a grande massa que votou no senhor e o elegeu e o reelegeu. Mas eles estão apanhando e continuando. Eles te odeiam. E eu, se fosse o senhor, teria medo. Então, a segunda sugestão é: tenha medo. Homens e mulheres com ódio são perigosos. Verdadeiramente perigosos.

Agora, governador, vamos falar claramente: você tem que falar mais. Eu já imaginei que o senhor deveria, como fez Mário Covas em 2000, descer para enfrentar diretamente os manifestantes. Encará-los com coragem e sofrer as consequências desse encontro. Demonstrar - ou fingir - que o senhor não tem medo deles e que vai continuar a agir dentro do que acha o correto. Mostrar, como o comandante das forças policiais do estado, você deveria ser a vanguarda desse embate. Ser um líder, um exemplo, um estadista. Mas eu acho que isso vai ser muito difícil para o senhor. Ao menos, pelas atitudes da sua covarde Polícia Militar, acho que o seu chefe máximo não é muito diferente. Tudo bem. Quem, além desses arruaceiros, não é covarde, não é mesmo?

Mas sejamos claros, governador: o seu cargo não lhe pertence. Não mesmo. O seu cargo pertence àqueles que votaram - no senhor ou contra o senhor. Repare: o seu cargo também pertence a esses aí que estão com raiva do senhor. O seu cargo é do estado do Rio de Janeiro, e de seus cidadãos, mesmo que muitos estejam alijados do conceito de cidadania.

Portanto, governador, o senhor deve aparecer mais em público. Deve dar mais coletivas. No mínimo. Não se portar como um porta-voz, que, muito raramente, dá declarações e some em seguida. O senhor deve mostrar mais o seu rosto fofo, para que as pessoas possam lhe fazer mais as perguntas que todo mundo quer fazer. O senhor não pode sumir porque, como dito ali, o mandato não pertence ao senhor.

Eu sei, eu sei. Jornalistas são chatos. O senhor, inclusive, é um representante da classe. Dos jornalistas, deixemos claro. Não são como os vândalos arruaceiros - deram um nome para eles, "black bloc", legal o nome, né?, em inglês! - não, mas são chatos. Querem saber de detalhes que para você não importa. Só porque querem saber dos seus inúmeros helicópteros. Da sua ligação pessoal com empreiteiros. São demagógicos, isso. Quem não quer fugir do engarrafamento? Quem, se pudesse, escolheria enfrentar engarrafamentos diariamente? Se estivessem no seu lugar, fariam a mesma coisa. Mas, bem, governador, eles não estão, é o senhor que está e o senhor deve explicações, pelo seu cargo.

Sejamos justos, por favor, governador, concorde comigo: o senhor pode se queimar um pouco ao falar muito com os jornalistas. O povo talvez não entenda que você, perdão, o senhor usa os helicópteros por uma questão de praticidade. É muito mais rápido e o senhor é um homem ocupado, cheio de afazeres, tem que ganhar tempo, não pode ficar preso no engarrafamento, etc. etc. etc.. Mas o senhor tem que falar.

Pense nos grandes homens, nos grandes estadistas. Pense em Churchill, talvez o maior político do século XX. Conservador, como o senhor. Queria manter o já em franca decadência império britânico em pé. Chegou a lutar na guerra dos bôeres. Um pouco antes da segunda guerra, foi uma das únicas vozes contra a campanha pacifista que dominava o discurso na Inglaterra e contra a ascensão de Hitler na Alemanha. Olhando agora, em perspectiva, é claro que ele estava correto, mas coloque-se - se possível, claro - no lugar deles, dos ingleses: eles tinham acabado de sair de uma guerra imensa, com muitos prejuízos, muitas mortes, muito sofrimento. A última coisa que eles queriam era outra guerra, e de proporções ainda mais gigantescas.

Mas Churchill, a voz solitária, estava certo e aconteceu o que aconteceu. Logo depois da Inglaterra entrar em guerra contra a Alemanha, Churchill se transformou no primeiro-ministro e sabe o que ele fez? Falou. Falou, falou e falou. Entre todos os grandes feitos de Churchill está o fato de ele ter unido o povo, mostrado que os tempos eram de uma emergência nunca antes enfrentada, mas que o povo inglês nunca iria se render.

Eu sei, eu sei, Churchill era um grande orador. Mas, pense bem: ele também era jornalista, como o senhor. Na dúvida do que falar, peça ajuda ao seu pai, outro grande jornalista.

E, sim, sim, mesmo que Churchill tenha sido considerado essencial para unir a Inglaterra, trazer os EUA para o conflito, e, enfim, ter ganho a guerra, ele não foi eleito pelo povo no primeiro pleito que aconteceu logo depois. O povo, novamente, queria a paz e ele era um homem da guerra. Isso quer dizer que nem sempre conseguimos agradar a todos.

Ah, mas governador, pense só: o senhor não pode nem mesmo concorrer nas próximas eleições. Que maravilha.

Corporativismo e falta de realidade jornalística

Está me chocando - não a palavra não é "chocando", a palavra é "entristecendo": está me entristecendo acompanhar colegas e amigos meus jornalistas de grandes empresas da mídia brasileira tentando demonstrar a importância dos grandes jornais e das TVs daqui. Entristecendo.

Tenho certeza de que é importante grandes empresas de comunicação ter espaço dentro de uma sociedade de direito. São as grandes empresas, provavelmente, que vão ter força o suficiente para poder investigar mais e mais profundamente as outras grandes empresas, as megacorporações e os principais políticos do país. Jornalismo é caro. Além disso, um escândalo veiculado para o Brasil inteiro choca mais que o mostrado para poucas pessoas. Mas o caso não é esse.

Insistir que os grandes grupos são importantes porque-são me parece usar de um argumento bem parecido como o utilizado para dar uma resposta às crianças pequenas que insistem em diversas questões. E, para jornalistas que são os reis dos "por quês?", fica, no mínimo, contraditório.

Some a isso o fato de as grandes empresas jornalísticas terem perdido - se é que um dia tiveram - a conexão com a realidade-mais-real das ruas. Elas falam para a elite, e se você não se acha parte da elite porque mora de aluguel, ou porque não tem nem carro, ou porque tem que trabalhar de segunda a sexta, às vezes com plantão, para ganhar uma mixaria, sugiro uma ida para o complexo do Alemão. Dê uma volta no mais que polêmico teleférico, passe por suas cinco estações que se estendem por todas as comunidades, e, lá de cima, perceba o quão diferente são aquelas vidas da sua.

Se tiver mais coragem, opte por, em vez de tratar os moradores da favela como bichos em um zoológico, e, assim também voltar de teleférico, fazer o percurso de retorno a pé. Desça, se não for possível todo o caminho, ao menos o Morro do Adeus, a última estação. Desça e perceba que as roupas das pessoas são completamente diferente das suas, que foram compradas nas melhores lojas do ramo, em Paris ou Miami, dependendo de que tipo de elite você é.

Confira que os meninos ainda soltam pipa, hábito perdido numa infância já remota. E jogam bola com qualquer pedaço de plástico rasgado que encontram.

Mas cuidado para não se perder pelas vielas de terra úmida e escorregadia e faminta que sustenta barracos construídos com pedaços de madeira, cacos de vidro e todos os lixos do lixo. Cuidado para não se perder e nunca mais voltar.

A cidade continua muito partida e a grande mídia [esse termo deveras genérico e gasto por anos e anos de críticas de marxistas e pseudomarxistas] não enxerga isso. Um levantamento feito pelo Observatório de Favelas e publicado ano passado mostra que em torno 50% das reportagens mostram a favela como um lugar de violência, criminalidade e drogas. Isso sem contar com as reportagens sobre UPP.

No mesmo relatório, há um apanhado sobre as pequenas mídias que apareceram dentro das favelas. Sites como o Rocinha.org, que nasceu exatamente para tentar mostrar um outro lado das favelas, como diz a sua página institucional, e hoje tem quase um milhão de acessos mensais.

Os jornalistas, ao defenderem os grandes veículos, soam apenas como corporativistas, que querem a reserva de mercado. Mais ou menos como aconteceu com a discussão da obrigatoriedade do diploma.

Esses profissionais, ótimo profissionais na maioria dos casos, se esquecem que, assim como outros "poderes constituídos", há a necessidade de legitimação para se continuar como um poder. E o que é legitimação? É soar como verdadeiro, como representante daquilo que se quer ouvir e ver.

O poder não pertence aos seus representantes, mas a quem lhes dá o poder. Isto é: o político só é eleito se tiver votação. O mesmo acontece com os meios: ele só é um grande veículo à medida que tem uma audiência condizente com isso - seja na quantidade, seja na influência indireta. No momento em que essa legitimidade acaba, não adianta reclamar pelo que, na sua opinião particular, deveria ser/existir para todo o sempre. Aí, em vez de jornalista, você, que se acha muito liberal por votar no PSol, acabou de se transformar em um conservador.

Dito isso tudo, só falta acrescentar que é também muito feio, pega muito mal, defender veículos que, vez por outra, fazem campanhas políticas ao mesmo tempo escancaradas e disfarçadas. Quase um paradoxo, mas que sabemos bem como funciona.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Conclusão: deus é necessário, mas um deus novo



É preciso de um deus para nos salvar, como afirmou Heidegger na famosa entrevista, para Der Spiegel porque o mundo sem deus – e tudo o que ele representa – não dão conta do Ser. Deus, nesse caso, é a representação gráfica e icônica da ideia da parte sinuosa do pensamento, que não pode ser apreendido, descrito ou reproduzido. O ser humano seria fundado não apenas dessa parte sinuosa, mas do conjunto do pensamento, e, como já explicado, ainda teria um lado, claramente, reto.

Com a ausência de um dos lados, ou seja, com a ausência de deus, nós acabaríamos transformando o ser humano em um objeto de si mesmo. Ele só existe desde que produza algo para esse conjunto da sociedade. Caso aja contrário a esse fluxo, a sociedade irá retirar os parâmetros, a segurança que lhe fornecia.

O homem deve se comportar apenas como uma peça numa engrenagem cujo maquinista é novamente um Deus, mas do antigo modo, que escravizava e exige uma obediência, que afoga a vontade e destrói a potência dos homens. O Deus antigo é o castrador da vida.

Esse processo, como visto, não aconteceu repentinamente, mas foi se agravando com o passar dos tempos e culminou na virada do século XIX para o XX, sendo o último século o grande apogeu desse caminho, provavelmente.

O novo deus, ou o deus em um novo formato, é libertador: ele é exatamente o combustível para a potência que capacita a vontade dos homens. É ele que apresenta os objetivos, que mostra quais são as possibilidades para onde o homem pode caminhar e, a partir de então, tendo essa informação, o homem poderá decidir, após passar essa informação pelo processo do pensamento, se toma esse caminho ou não. O novo deus é a faísca, que nos levanta, que nos tira do declínio, que nos dá a razão de ser.

O novo deus é único para cada homem, mas não necessariamente individual. Em uma sociedade que se diz plural, é ele também que pode dar parâmetros para organizar a cacofonia de vozes das diferentes vontades de cada homem. É como um maestro que vai saber equalizá-las para que todas sejam escutadas conforme suas necessidades, sem que uma vontade afogue as outras, ou não afogue sem que as vontades sejam ouvidas. Não é um deus limitador, mas um deus que mostra que a potência não pode simplesmente fazer qualquer coisa sempre e toda hora. É o deus que vai mostrar esse limite. Não, e de maneira alguma, designar este limite.

E, em especial, o novo deus não é impositivo. Como já dito, ele nasce dentro da vontade de potência. Cada indivíduo é o responsável pelo seu próprio deus e poderá moldá-lo, descartá-lo, adaptá-lo, respeitando principalmente a potência [novamente no sentido de possibilidade] da sua vontade. Portanto, o novo deus é um deus interno, um deus que não repete dogmas ou slogans. Um deus, sobretudo, que vive numa relação de alimentação cíclica, ou dupla e mútua vigilância, com a vontade de potência. Ao mesmo tempo que, ou exatamente porque, nasce a partir, ou dentro, da vontade de potência, será ele, esse novo deus, que vai saber os limites desse poder. Porque a vontade é infinita, mas o poder, não.

domingo, 7 de julho de 2013

A metáfora Anderson Silva

Entre tantos outros temas, MMA e UFC estão entre aqueles que eu menos conheço [ali junto da reforma política e de física quântica]. Mas a derrota do antes imbatível Anderson Silva pode, talvez, no ensinar algo - ou reensinar, em alguns casos [mas nunca é demais repetir um ensinamento]. O maior adversário de alguém é a sua exageradamente alta autoconfiança.

Sei lá se a luta foi comprada, sei lá se é mais emocionante ganhar na revanche, sei lá se todas as teorias da conspiração que se reproduzem pelas ruas e pela internet fazem qualquer sentido. O que se viu, o que pode ser visto nos vídeos com os nem dois rounds da luta, é um lutador tentando tirar onda com um outro, que está focado no seu objetivo. Um era o lutador moleque, audaz, cheio de ginga e manemolência. O outro, o seguro, adulto, claro no que ele queria. Aconteceu o que aconteceu.

Escreveu um amigo no FB: "Semana de queda dos invictos (domingo passado Espanha e nessa madrugada Anderson Silva) Então me lembrei do Bane falando pro Batman nesse ultimo filme da trilogia do Christopher Nolan. Ele falou que: 'A vitória contínua e constante enfraquece o espírito, a vitória te amoleceu.'"

Isso, claro, acontece em todas as áreas. Todas. Pense no PT e os seus dez anos deitados em berço esplêndido. Pense, antes, no PSDB e os seus oito anos ao som do mar e à luz do céu profundo. Pense no Neymar e como ele é criticado quando seu futebol se resume a firula, sem objetividade. Firula sem um fim é objeto de circo. Beleza pela beleza vira formato sem qualquer conteúdo e cansa, perde a conexão. Há a necessidade de um equilíbrio.

Um bom exemplo pode ser resgatado do próprio Neymar, e exatamente no seu gol contra a Espanha na semana passada. Para quem não viu ou não se lembra: o nosso atual camisa 10, recebe a bola na intermediária e passa rapidamente para o Oscar. Corre para dentro da grande área mas entra em posição de impedimento. Ao perceber isso, volta muito rapidamente para a linha dos zagueiros, a ponto de conseguir receber o passe de Oscar, que também muito inteligentemente o havia esperado, e que chegou na hora certa de ele apenas matar a bola e soltar um tiro na direção da meta espanhola.



Ali, o jogador que se apresentou era um atleta inteligente, que jogou se utilizando das regras ao seu favor, percebeu o seu entorno e fez o que dele se esperava: gol. Não apenas isso. Um golaço de um craque.

***

Um craque é aquele sabe usar as suas vantagens sem ficar cego por elas próprias. Um desafio constante.

***

É essa certeza de superioridade que atrapalha. O homem deve confiar em si, desconfiando. Saber, duvidando. Agir, pensando.

sábado, 6 de julho de 2013

Nova esquerda x nova direita

Quando as últimas pesquisas de opinião sobre a corrida presidencial saíram, dois personagens pareceram ganhar mais visibilidade: Marina Silva e Joaquim Barbosa. Uma está tentando legalizar o seu partido para concorrer, enquanto o outro não se admite candidato a nada [por enquanto?]. A razão para esse aparente crescimento, imagino, é que os dois não se encaixam na definição do político tradicional, mesmo que a dona Marina tenha sido já até ministra do governo petista. De certa forma, os dois são o que eu apelidei de "nova esquerda" e "nova direita".

Joaquim está à esquerda de Marina só na montagem
A diferença dessas "novas" polaridades para as "antigas" é que as "novas" se utilizam de bandeiras normal e tradicionalmente ligadas ao outro lado do espectro político, como se as diferenças tivessem diminuído. Para o FHC, em entrevista no "Roda Viva" da última segunda, elas nem mais fariam sentido. Eu discordo.

O ex-presidente argumentou que essa divisão era feita, nas cartilhas antigas, pelo meio de produção. Se do Estado, seria de esquerda. Se do capital privado, da direita. Marx x Smith. Realmente esta diferença, do modo de produção, não se aplica mais. Ou não é tão mais clara.

A "nova esquerda", por exemplo, já admite que o Estado não controle todos os meios de produção. Mas ainda acredita que o Estado é o responsável pelos seus cidadãos. Mesmo que os formatos dessa responsabilidade tenham mudado. Marina não propõe reestatizar a Vale nem a CSN, mas suas propostas sempre lembram da necessidade de ouvir os movimentos sociais e ambientais. Os excluídos, os marginalizados, gente que simplesmente não tem grana para aparecer na novela das 21h.

Já a "nova direita" não consegue tapar os olhos para algumas realidades que sempre existiram, mas que nunca foram prioridades para eles. Ou ficaram tão individualistas que agora admitem que cada um, mesmo, possa viver em separado com relação ao outro. Temas como casamento gay e legalização das drogas, por exemplo, são sempre encampados por verdadeiros direitistas novos [que é diferente de "novos direitistas"], como o excelentíssimo governador fluminense Sérgio Cabral e, novamente, FHC.

Um bom exemplo disso eu presenciei ano passado, em Londres. Acompanhei a eleição municipal entre o candidato conservador Boris Johnson, que tentava a reeleição, e o trabalhista, Ken Livingstone, que já tinha sido prefeito da cidade havia uns anos. Os jornais ingleses, diferente dos daqui, se mostram claramente a favor ou contra um candidato, sem qualquer tentativa de esconder suas intenções. Eu lia dois jornais, normalmente. O "London Evening Standard", conservador, e "The Guardian", trabalhista.

O "Evening Standard" fazia editoriais e chamava só articulistas que eram ligados ao ideário conservador. Em um dos casos, li um artigo do presidente da câmara dos comerciantes paquistaneses, que defendia Johnson. Argumentando, conforme a ideologia da nova direita, que se ele conseguiu se dar bem na sociedade inglesa, todo mundo poderia conseguir.

Ou seja, um imigrante era a favor da meritocracia. Imigração normalmente é ligada aos pensamentos de esquerda, porque geralmente precisam da ajuda do Estado. Já a meritocracia é a espinha dorsal da direita.

E aí, voltamos ao Joaquim Barbosa. Sua trajetória de homem negro e pobre que conseguiu chegar ao cargo máximo da magistratura brasileira é a definição da meritocracia. Foi pelo esforço pessoal dele que ele alcançou o seu objetivo. É tudo o que a "nova direita" quer: um exemplo para mostrar que não somos preconceituosos: "veja o nosso presidente?!"

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Ou seja, e resumindo tudo, a direita ficou mais amoralista e esquerda, mais pragmática. Numa perspectiva histórica, ganhamos todos.

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A direita, tanto a nova como a velha, tem um problema grande, a meu ver: desconsiderar o aleatório. Aparentemente, acreditam que há uma ligação direta entre o querer e o poder, numa lógica parecida com a que a Xuxa cantava os seus sucessos, e com uma complexidade com a mesma erudição. Talvez por uma herança da época cristã, ainda, em que havia uma relação entre o comportamento e a sua passagem para o céu ou o inferno. Mas as relações humanas dentro de uma sociedade não são tão lógicas, nem respeitam a matemática. Há muitos outros fatores impossíveis de serem previstos.

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Há uma maneira de saber se você é de direita ou de esquerda - tanto novo como velho: o velho jogo novo da meritocracia. É exatamente isso o que mostra a sua posição política. Se você responder que a única e exclusiva forma de avaliar uma pessoa é o seu mérito, ou seja, a sua produtividade para a sociedade, você é inegavelmente de direita. Se você disser que depende, você é de centro. Se você disser um grande e longo "não!", você é de esquerda.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Inversão de prioridades no transporte

Dilma reiterou sua disposição em políticas de desoneração, pauta histórica dos empresários organizados. Não concordamos. Desonerar é fazer com que o Estado deixe de arrecadar, subsidiando empresas privadas, não a população. O dinheiro público deve ser investido em transporte público --queremos disputar o uso dos recursos. Com o que o Estado gasta? De acordo com o Ipea, o Brasil investe 12 vezes mais em transporte privado do que em público. Devemos inverter as prioridades!
 O pessoal do Passe Livre escreveu um belo artigo hoje na "Folha".

Protestos como o obituário da tradicional mídia

É difícil assegurar quem teve a imagem mais arranhada com os protestos que sacodem o país. Mas eu tenho uma suspeita. Não é a dos políticos, que já soltaram um pacote de bondades na tentativa de acalmar os ânimos e logo depois pegaram aviões oficiais da FAB para assistir à final da Copa das Confederações. Nem a polícia, que até insinuou uma democratização da violência, mas fez questão de deixar claro que na favela a bala não é de borracha. Desses, talvez, não sobre nem espaço na imagem para se arranhar mais. Suspeito que quem perdeu mais com essa onda de protestos foi a mídia, a tradicional mídia brasileira.


Nem falo da questão direta. De como, por um lado, jornalistas foram presos e agredidos e, por outro, vans foram queimadas e repórteres expulsos das aglomerações populacionais. Nem mesmo da indireta: da descoberta de que aquele ódio geracional contra os oligopólios da comunicação, vinculada a uma esquerda velha, extrapolou esses limites e podem suscitar manifestações nas portas da redes. Mas na simbólica. Como jornais, TVs e sites perderam o principal capital que eles possuem: a credibilidade.

Isso provavelmente não vai se refletir numa perda de audiência imediata. Principalmente porque a audiência de TVs e, em especial, jornais já vem caindo há anos. Mas vai forçar as redes a repensar a maneira como trabalham. Ou deveria.

Não adianta o jornal fazer uma reportagem sobre como todas as principais reivindicações dessa extensa agenda das manifestações já tinham sido veiculadas nos meios mais conhecidos. Esses meios perderam relevância para quem está indo às ruas. Este tipo de reportagem está sendo mostrada para os seus pares, para gente que já lê os jornais. Quem não leu, não lerá.

Vi um repórter paulista chamando esse tipo de matéria de o epitáfio da mídia tradicional. É a mais pura verdade. É a demonstração de uma tentativa de dizer "eu te disse", mas num quarto se esvaziando. Não adianta o repórter chacoalhar suas matérias sobre os principais problemas e reclamar que ninguém lê porque são [consideradas pelos outros] longas e chatas. Fica parecendo a mãe falando para o filho comer brócolis, quando ela mesma gosta de picanha. Esse jornalismo vai mal.

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Por outro lado, todas as manifestações foram registradas por infinitas câmeras, discutidas até o cansaço nas tribunas das redes sociais, e transmitidas ao vivo por gente como o Ninja, e a sua PosTV. Além disso, toda organização independente, como o Anonimous Rio, também se transformou em um meio de comunicação e divulga relatos, fotos e vídeos que lhes chegam. Ficou claro que não é o jornalismo que vai mal, mas um tipo de jornalismo.

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A pior maneira de argumentar é com um exemplo pessoal. Mas, na ausência de outros, vou usar desse subterfúgio.

Lembro em 2010 quando eu trabalhava numa dessas grandes empresas da mídia tradicional e, ao voltar de uma Campus Party, fui convidado para um almoço com os diretores da corporação para lhes passar o que eu tinha visto, minhas impressões.

Um dos exemplos de casos de sucesso que eu dei foi o Jovem Nerd, um site fundado por dois cariocas que moram em Curitiba e que se transformou em sucesso no Brasil. No evento, eles eram superestrelas, com pessoas pedindo para tirar foto e dar autógrafos. No almoço dos diretores, foram ridicularizados.

Ao me perguntarem como eles "monetizavam" [odeio essa expressão] o projeto, falei que eles trabalhavam com o varejo. Vendiam produtos vinculados à marca que eles tinham criado. Produtos como canecas, camisetas, livros, etc. Um dos diretores, acho que o financeiro, respondeu em tom irônico que a grande corporação de jornais agora iria vender canecas para se sustentar. Eu respondi que não era o caso, mas que poderíamos aprender com a pulverização das atividades. Não estava falando nada que o Chris Anderson já não tivesse falado. Mas eles não devem saber quem é Chris Anderson até hoje.

Se eu tivesse tido a presença de espírito [ele nunca está lá quando você mais precisa], eu teria respondido, igualmente com ironia, que sim, deveriam vender canecas, sim, já que jornal eles não mais vendiam há muitos anos.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Quem participou das manifestações?

O brasileiro que foi às ruas, no dia com maior concentração de manifestantes (20/06) no país, entre 14 e 29 anos (63%), estudou até o segundo grau ou a faculdade (92%), trabalha (76%) e estuda (52%) e tem renda familiar de dois a dez salários mínimos (56%), segundo pesquisa realizada pelo Ibope em oito capitais do país. A maioria protesta contra o transporte público, mas também contra o ambiente político e a saúde, em um rol que reúne dez variados temas principais, citados por eles simultaneamente. Nesta manifestação, realizada 14 dias depois da primeira, 46% dos participantes estavam nas ruas pela primeira vez, o que demonstra o potencial de crescimento do movimento. A maioria (91%) soube dos protestos pela internet, particularmente pelo Facebook (77%) e convocou (75%) outros amigos a engrossarem as manifestações nas oito capitais pesquisadas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Salvador e Brasília). As depredações são condenadas (66%) e as manifestações devem promover as mudanças esperadas, segundo 94% dos entrevistados. Dos que estão nas ruas, 89% dizem ter interesse por política (muito ou médio interesse), mas eles não se sentem representados por nenhum político (83%) ou partido (89%). Também não são filiados a partidos (96%) ou a sindicatos/entidades de classe (86%).
O Jornal da Unicamp divulga uma pesquisa do Ibope que eu queria ter visto em outros lugares, mas não tinha encontrado ainda. Os números sozinhos não dizem muito, claro, mas pode ser tê-los à mão para quando quisermos dizer o tanto necessário. 

Portishead - Glastonbury 2013 (Full Set)



Do I need to say anything else?