O autor de um enunciado irônico se distancia daquilo que ele mesmo diz, no ato de dizê-lo. Pense numa discussão em que alguém, em vez de argumentar a favor ou contra os diferentes pontos de vista, apenas ironize aquilo que é dito. De certo modo, essa pessoa não está apenas se colocando fora da discussão, pairando acima da disputa como se fosse superior a ela, mas também permanece fora das próprias frases que pronuncia, pois é impossível saber aquilo que ela realmente pensa sobre o que é dito. Enquanto quem argumenta de alguma forma se coloca no que diz, pois a frase define sua posição diante do assunto, quem ironiza se mantém numa zona difusa. Ainda que a ironia sugira que o que é dito não é aquilo que se pensa ou quer dizer, isso que é dito tampouco é diretamente refutado. A ironia não estabelece argumentos, mas sim um jogo, no qual as posições mais distintas (e duras) são transformadas numa matéria maleável, a ser manipulada livremente.
Para Foster Wallace, o deslizamento irônico no limite inviabiliza qualquer relação humana significativa, porque as pessoas se manteriam guardadas, protegidas, em alguma medida de fora ou acima do que dizem, fazem, são. Ao não se comprometer com nada, a não ser com o próprio movimento, a ironia acabaria por reiterar uma lógica de consumo superficial, tratando o diverso como igual, fazendo de tudo uma matéria comum e descartável, mero pretexto para a paródia e o escárnio.
Miguel Conde,
escrevendo sobre um dos pontos que mais me interessa em David Foster Wallace.
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