domingo, 7 de novembro de 2010

Da última vez que me referi a esse romance [tenho medo dessas palavras que carregam conotações sérias demais, como "romance" "poesia" "escritor", mas não sei como resolver isso], estava no segundo capítulo de um livro de 82 páginas. Agora, estou no capítulo 62 [+ ou -] do mesmo livro que já tem até agora 109 páginas. Algo como a página 89. É um romance, mas a intenção é que cada capítulo seja independente um do outro, como se fossem contos ["conto" eu tenho menos medo, porque é mais humilde, parece para mim; apesar de que, de um lado, há gente que nem sabe o que é um "conto" e, por outro, gosto de quando ele é associado a outros termos que tiram sua sisudez, como "da carocinha"  "de fadas", etc...]. Reproduzo abaixo, uma parte que gostei.


***




62

A médica pediu para eu escrever sobre o porquê de eu estar aqui hoje. Falei para ela que não sabia a razão, mas ela insistiu, queria que eu tentasse me lembrar. Eu disse para ela que não tinha nada a recordar, porque simplesmente não houve nada, mas ela argumentou que eu deveria, então, voltar até onde eu me lembrava e contar novamente as cenas que viessem à minha cabeça. Como ela é a única que me ouve, pensei em fazer isso por ela.

Lembro de ter ido falar com o delegado. Pedi para conversar com ele, sem a presença do meu advogado, e ele aceitou. Comecei a contar para ele como as minhas missões funcionavam e quais eram os seus objetivos. Expliquei a ele toda a minha teoria, demonstrei que estávamos no mesmo lado e que, na hora que ele descobrisse isso, iria me soltar e combateríamos juntos as mazelas da sociedade. Primeiro ele se mostrou incrédulo com um detalhe insignificante. Achei estranhíssimo ele não acreditar que havia sido eu o autor de todas as missões. Lhe dei os detalhes de um ou duas ações minhas, as que me lembrava de cabeça na hora, e pedi para ele conferir no sistema de polícia. Ele ficou me olhando com uma cara de desconfiado e eu achava que ele era louco por não ir logo conferir. Em seguida, pegou o telefone, discou o número lá de fora e disse algo ainda mais estranho: “Fulano (não me lembro o nome dele), temos aqui um sujeito que quer ficar famoso”, e contou, por alto, as minhas missões. Depois disso, ele se virou para mim e falou com um ar de desprezo: “Você é um monstro.”

Não queria acreditar que ele estivesse me chamando de “monstro” por causa das mortes. Que insistência boba essa de ter que manter vivo até os que não prestam. Estava fazendo um favor para ele, estava limpando as ruas, estava diminuindo os números de violência e ele me xinga. Não faz sentido algum. De qualquer maneira, não respondi nada e me mantive em silêncio. Entretanto, senti as explosões começarem dentro do meu estômago. Senti o meu sangue começar a ficar ácido, a minha cabeça esquentar, meus olhos turvarem.

A porta abriu e era o “Fulano”, com uns papéis na mão. “Tudo bate, chefe”. Quase deixei escapar um sorriso. O delegado também estava quase sorrindo. Podia perceber que ele já imaginava o quanto iria se promover às minhas custas. Se eu soubesse que ele iria reagir assim, teria ficado quieto. Não imaginei que ele fosse tão idiota, que não concordasse com as minhas ações. Senti o meu corpo esquentar e os meus órgãos internos derreterem de tanto ácido. Puxei forte o pulso, que estava algemado na cadeira, algumas vezes, sei lá quantas. Estava bastante nervoso, estava quase fora de mim. Estava como ficava antes de iniciar as minhas missões. Se não estivesse preso naquela cadeira, não haveria nada que me impedisse de comer os olhos do delegado. Puxei mais forte o meu braço, enquanto via aquele risinho. Percebi que a cadeira estava para quebrar, e o meu braço sangrava.

“Fulano, leve ele daqui”, pediu o delegado. Senti que tinha uma oportunidade rápida. Quando me soltassem da cadeira, pularia sobre a mesa e arrancaria os olhos do delegado com as minhas próprias mãos. Depois, se me pegassem, não teria problema. Tentei me controlar, parar o meu corpo que tremia sem parar. Respirei uma, duas vezes, na terceira, tudo apagou.

Nenhum comentário: