Visitamos ontem o Art China, provavelmente o único restaurante chinês de todo o Rio de Janeiro [se houver outro, me fale - mas não vale o caríssimo Mr. Lam ou qualquer pé-sujo cujo dono é chinês e que vende também sushi; tem que ser chinês frequentado por chineses] e tive um choque cultural.
No cardápio, impresso em um papel A4 vagabundo, havia mais informações em mandarim - ou cantonês, sei lá - que em português. Do que eu consegui entender, havia, de exotismo, língua de pato, bucho de peixe, e pé de porco. Achei que era demais e optei com um prato de rã com gengibre.
Sim, foi uma aposta ousada, mas como lembrava de já ter comigo rã [à milanesa] quando pequeno, a opção era a melhor relação entre um prato que fugisse dos tradicionais frango-xadrez da vida, mas sem cair no oposto, como um peixe que eu nunca tinha ouvido falar com ingredientes que não consegui nem identificar. E não adiantava chamar o garçom brasileiro, ele também não conhecia nada e quando sugeri pedir uma entrada ele falou que não tinha vendido para ninguém aquilo, até aquele momento [era uma trouxinha de carne, carne enrolada em massa chinesa e frita, com molho agridoce, simples e gostosinho].
E olha que o lugar é frequentado e muito por chineses. Dizem que até o embaixador come lá, de vez em quando. Parece que há o famoso pato de pequim, mas, além do fato de ter um prato de R$ 110 no cardápio sem qualquer explicação em português, não vi nenhuma referência a ele. Aliás, os preços são convidativos: yakissobas gigantescos para uma pessoa custam R$ 12.
Antes de falar sobre a minha experiência gastronômica em si, cabe falar sobre o grupo de quatro chineses que chegou durante o nosso almoço. Já tinha ouvido falar que chinês come muito. Mas essa afirmação é tão genérica quanto a de carioca não gosta de dias nublados, para ficar apenas na poesia. De certa forma, se levarmos em conta aqueles quatro, posso assegurar que chinês come muito mais que muito. Foram diversas vasilhas de pratos que eu tentava identificar à distância, mas que, claro, não conseguia. Vi uma espécie de sopa, com algo verde e macarrão; arroz; uma espécie de guisado vermelho; e um frango, de coloração escura, como algo defumado, ou próximo do estragado, cortado longitudinalmente.
De certa forma, fiquei intimidado com aqueles fulanos. Não eram simpáticos. Não faziam questão de parecerem simpáticos. Falavam alto, tinham cara de mau encarados. Parecia que nós estávamos invadindo o ambiente deles. Ou será que estou com mania de perseguição?
Principalmente porque o meu prato, a rã com gengibre, bem, eu consegui comer metade e fiquei com aversão. E imaginei que eles me olhavam com um ar de "você vai comer isso?" Mas pode ser só impressão e sugestão. A rã, quando chegou, fumegante, ainda era saborosa. Depois, com aquela coloração branca-pálida, como se só tivesse tomado uma fervura, a ponto de poder observar suas veias, além da dificuldade extrema para comê-la, já que foi partida em pedaços pequenos e tinha ainda muitos pedacinhos de osso, me deixou, admito, com nojo. Pela primeira, desde que me entendo por gente, não comi todo o prato por falta de coragem. Acho que exagerei na minha primeira passagem pelo restaurante.
Eu sou a pessoa mais favorável à imigração que conheço - a mistura é mais interessante, para mim, que a depuração. Além disso, estava atrás desse restaurante especificamente há tempos, mas não consegui ficar à vontade lá. Sei que a comida e o ambiente em que você não fala nem "oi" na língua dos locais ajuda. Mas, mesmo na Índia, me sentia mais "em casa". Na Índia, me pareceu, os indianos são mais friendlies.
É claro que essa é uma conclusão premeditada, baseada em absolutamente uma única experiência em que levo em consideração apenas um universo pequeno de pessoas e hábitos para fazer uma comparação injusta. Porém, acredito que é exatamente assim que nascem os preconceitos: tirando conclusões premeditadas; fazendo julgamentos desnecessários; se colocando no centro de um mundo metafórico, em que as suas certezas são melhores que as de outros, principalmente se os outros forem de olhos puxados ou tiverem a cor da pele diferente, ou ainda, e horror dos horrores, sotaque de uma determinada região do país.
Não acho que eles têm que se adaptar à nossa maneira de viver [e qual é a nossa maneira de viver?], nem nós precisamos tentar integrá-los aos nossos costumes, quiçá somos obrigados a frequentar os seus restaurantes. Sou favorável de todos exercerem suas individualidades livremente, desde que não interfira na individualidade e na integridade física e moral de outrem, claro.
Se vou ao restaurante chinês, vou porque gosto de conhecer o diferente de mim, o que nunca tinha pensado, me surpreender com gostos completamente exóticos [penso agora no tacacá paraense: dois sabores novos para mim em um mesmo prato]. A primeira experiência foi ruim, mas não traumática. Não dá para chegar a qualquer conclusão, assim. Por isso, já pensei em voltar lá e provar outros pratos. Alguma sugestão?
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