quinta-feira, 3 de junho de 2004

Grifos meus:

"Mas quer fosse pela friagem da manhã, que já começava, quer por ter Sancho ceado alguma coisa laxante, quer fosse enfim coisa natural (que é o que mais depressa se deve crer), veio-lhe a ele vontade de fazer o que mais ninguém poderia em seu lugar; mas tamanho era o medo que dele se tinha apossado, que não se atrevia a apartar-se uma unha negra do seu amo. Cuidar que não havia de fazer o que tão apertadamente lhe era necessário também não era possível. O que fez, para de algum modo conciliar tudo, foi soltar a mão direita, que tinha segura ao arção traseiro, e com ela à sorrelfa e sem rumor, soltou a laçada corredia com que o calções se agüentavam sem mais nada, e, soltando-a caíram-lhe eles logo aos pés, que lhe ficaram presos como em grilhões; depois levantou-a camisa o melhor que pôde, e pôs ao vento o poisadouro (que não era pequeno). Feito aquilo, que ele entendeu ser o essencial para sair do terrível aperto, sobreveio-lhe logo segunda e pior angústia, que foi o parecer-lhe que não podia aliviar-se sem fazer estrondo; e entrou a rilhar dos dentes e encolher os ombros tomando a si o fôlego quanto lhe era possível; mas, com todas estas precauções, tal foi a sua desgraça, que ao cabo e ao fim não deixou de lhe escapar um pouco de ruído, bem diferente daquele que tanto receava."

Miguel de Cervantes Saavedra escreveu na, provável, mais conhecida obra de literatura uma passagem que, tirando essa linguagem característica de época e eufêmica, poderia ser um papo "da galera".

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