terça-feira, 29 de junho de 2004

Pequenos textos:

Vidas Secas, o livro.

Apesar de não gostar nenhum pouco do tema, ou da ambiência dessa novela – uma família que foge da seca nordestina –, essa obra-prima me conquistou exatamente nas primeiras frases. Aliás, que frases. O grande trunfo de Graciliano Ramos – creio que deva se repetir em outras de suas criações – é o seu estilo, rebuscado, por utilizar palavras bem pouco usuais (e nessa obra ele tinha todas as desculpas, já que necessitava retratar a linguagem dos retirantes), mas sem nunca perder a clareza, ou parecer pedante. É sempre elegante, abusa de frases curtas, de efeito, transparentes. Até o que achei que iria me incomodar – o assunto monótono, diálogos em outro dialeto – ele tira de letra, fazendo o primeiro dos capítulos com a chegada numa fazenda que eles estarão presos até a próxima grande estiagem. Cria um protagonista, Fabiano, um excelente bicho-do-mato, quase mudo e que pensa demais. Espetacular. E, talvez a melhor cena que já li de alguém morrendo, quilômetros distantes da pieguice, com Baleia, a cadela mais conhecida da literatura brasileira. Eu lia e meus olhos se arregalavam impressionados. Terminei esse capítulo e tive que lavar o meu rosto para poder continuar.

Moça com Brinco de Pérola

A primeira cena desse filme é tão inusitada e tão bela e tão comum que fiquei boquiaberto, literalmente. Não é nada demais, como vocês poderão (ou puderam) perceber. A personagem principal corta alguns legumes com uma faca bastante afiada. Só que os legumes estão tão coloridos, tão vivos, tão perfeitamente táteis, que dá quase uma água na boca. Seria clichê dizer que parecia um quadro de natureza morta, mas já disse. O ritmo do filme é histérico (ao seu modo) até a metade, até se apresentar o primeiro grande impasse na trama. Até ali, apesar de ser um filme de narrativa lenta, estava emocionado a cada detalhe de tela que aparecia. Tudo era muito bonito, bem feito. Estávamos numa Holanda do século XVII, sem sombra de dúvida. Apresentam o primeiro plot e o ritmo decai vertiginosamente. Poucas coisas de importância acontecem até quase o outro plot. Exemplar de enchimento de lingüiça mor é a implicância da filha (Cornelia, por Alakina Mann) do pintor (Johannes Vermerr, por Colin Firth) com a empregada (Griet, por Scarlett Johansson). Principalmente pelo fato de toda a história ter sido inventada. Ninguém sabe quem é aquela que aparece no quadro homônimo do filme, e pouquíssimo se sabe sobre a vida de Vermerr. Tirando esses pequenos entraves, é um filmão. De poucas e quase desnecessárias falas, com climas muito bem construídos, é um dos melhores no gênero filme sobre artista. Dapieve escreveu uma coluna inteira sobre os olhares trocados entre Vermerr e Griet, para você ter uma idéia de como a coisa é construída.

Ah, tudo o que se referiu ao namoradinho de Griet (Pieter, por Cillian Murphy), mas tudo mesmo é ridículo. Ignore.

Tony Ramos

O meu novo emprego me fez ter contato com a carreira desse ator, ao preparar um especial sobre seus 40 anos de carreira. Confesso que sempre nutri um preconceito sobre ele. Me parecia paulista demais, ator de tv demais, arrumadinho demais. Tudo nele me lembrava a perfeição de novela, com a realidade passando do outro lado da rua, bem longe dele. Mas, agora, depois de uma overdose de Tony Ramos, esse meu conceito mudou. Ele, agora, continua me parece um sujeito boa-praça, e isso não vai mudar. Ele é um ator que gosta da TV, e isso também não cambiará. É paulista, tem sotaque, é inegável. Mas é incrivelmente humano. Vi uma matéria para lá de ruim, piegas até a espinha central, de aniversário do Flávio Silvino, aquele que era gatinho, sofreu um acidente de carro e ficou completamente adonai. Tony Ramos é convidado para entregar um bolo de aniversário para Silvino e – realmente – parece com vontade de fazer isso. Fiquei teorizando sobre isso. Devem ter convidado uma porrada de atores e só ele aceitou pagar esse mico. E aceitou com vontade. Sincero. Virei fã do homem Tony Ramos. Do ator, ainda não. Só depois de ver – se eu conseguir – “Novas diretrizes em tempo de paz”.

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