terça-feira, 23 de agosto de 2011

Onde mora a filosofia

Tive um professor na pós - não por acaso o meu orientador da monografia de conclusão - que afirmava que todos os aspectos poderiam e deveriam ser filosofados. Não é porque a cerveja ou o futebol são elementos mais banais que o ser e o nada que não podemos discorrer sobre esses temas. Ou mesmo não existe nenhuma razão para não utilizarmos objetos mais, digamos, frugais como exemplos ou pano-de-fundo para elucubrações, ou ainda para neles inserir raciocínios que têm interpretações em diversos graus.

Costumo dizer que a minha primeira aula de filosofia me foi dada pelo seriado "Família dinossauro" - aquele que tinha o Baby, que dizia "não é a mamãe". Claro que tinha elementos de comédia rasgada, e o próprio personagem do bebê dinossauro rosa que renega o pai, apenas para aporrinhá-lo, é uma demonstração clara disso. Mas é inegável que, em alguns episódios, eles tratavam de assuntos um pouco mais... incomuns [tentei fugir da expressão "densa" para não cair numa armadilha].

O exemplo que sempre dou é o do episódio em que Bob, o filho adolescente, ao completar certa idade deve uivar para a lua. O rapaz, intrigado, pergunta: por quê? O pai, sem saber muito bem como responder, repete a história que ouviu durante toda a vida: se não, a lua vai descer sobre nossas cabeças. Uma explicação - admitamos - para lá de religiosa.

A filosofia nasce nesse "por que" [e não no "porque"]. Quando alguém questiona uma atitude, uma ação, um pensamento, um conceito, a filosofia aparece. Quando criamos um pensamento crítico em relação ao que fazemos, ao nosso entorno, aos nossos costumes. A razão é o grande fio condutor para se indagar, mas ela não está ligada apenas a um pensamento matemático, mas também a impulsos, à criação.

Bob não uiva e a lua, claro, não cai. As pessoas percebem que não precisam mais acalmar a lua, que ela é completamente indiferente às nossas vidas. Mas, se fosse só isso, a série seria apenas uma defensora de um argumento ateísta, que não abarcaria uma visão mais aguçada sobre o homem que é, desde o início dos tempos, apegado às magias da religião.

Ao longo dos dias que se passam, as pessoas - sem uivar - começam a se engalfinhar, a brigar entre si, discutir sem razão, arranjar confusões exageradamente. Bob começa a desconfiar que um aspecto tinha ligação com o outro e incentiva, novamente, seu pai e o seu melhor amigo, Roy, que estavam sem se falar há dias, a uivarem. Os dois uivam e voltam a ser amigos. Bob percebe a importância do uivo, não para segurar a lua, mas como forma de coesão social.

Claro que a explicação é simplista - pode-se encarar o uivo como uma metáfora da religião e esta seria, nessa exposição, o "ópio do povo", no sentido de ser um relaxante social [mais marxista, impossível]. A questão não é a simplicidade do argumento, mas a exposição da sociedade como ela é, sem, por isso, renegar uma visão crítica sobre ela. Bob, que tinha se recusado a uivar, alonga o gogó e solta a voz para a lua, ao fim do capítulo.

Há vários outros episódios que tratam de temas mais complexos que os normalmente encontrados. Como o hoje épico "Dia do arremesso". Mas acho que vale colocar aqui o final da última temporada, que acabei de ver, para demonstrar que "Família Dinossauro" não era um seriado como os outros.



[Tirei esse episódio daqui.]

Nenhum comentário: