Se me lembro bem - o que eu duvido - Verissimo em uma crônica sobre o Woody Allen da década de 1970 fala que o cineasta desvendou em suas produções artística que, no fundo, no fundo, só há raso. Talvez essa seja a maior característica do norte-americano, a mistura entre um assunto que se propõe complexo, elaborado, que afetaria a humanidade inteira como um todo, e algo frugal, banal, sem maiores consequências.
No livro de entrevista com o Eric Lax ["Conversas com Woody Allen"], há um momento em que o diretor se sai com uma frase que exemplifica esse raciocínio. Lax pergunta sobre o final não muito feliz de "A rosa púrpura do Cairo", e como ela refletiria a visão de vida de Allen. O cineasta responde que sim, ele acha que a vida é muito amarga, mas [e então começa a sorrir, segundo a rubrica do livro] que é o único lugar onde se pode comer comida chinesa. O sorriso de Allen demonstra que ele já imagina qual será o resultado de sua frase: como algo cômico. É nessa "assimetria" que ele se alimenta para produzir seu humor, nessa suposta antítese, nesse contraste absurdo, que beira o nonsense.
Além da questão cômica, porém, há nessa frase uma proposta de vida mais "humana", assim como propunha, talvez, sob a minha interpretação, Nietzsche. O filósofo bigodudo sempre implicou com o cristianismo por conta de sua transcendência, ou seja, pela proposta da religião cristã de que deveríamos viver uma vida asséptica na Terra para, após morrer, ter acesso ao paraíso, na verdadeira vida, a eterna. Claro que esse raciocínio ele ampliou - e foi ampliado pelos seus intérpretes - para diversos fatores. Não haveria, portanto, conteúdo, só forma. Não haveria nada além do aparente. Não haveria profundidade, só o raso.
Essa tese se torna complicada sem a sua devida contextualização nos dias de hoje, principalmente porque pode parecer ser uma defesa da "boa aparência", por exemplo, ou de uma produção em série de pessoas "bonitas". Mas a desconstrução desse argumento fica exatamente no fato de que o "belo" também é uma construção cultural e social. Correr atrás desse ideal, quando não é algo internalizado, mas importado de maneira pré-fabricada, é ter uma vida apenas reativa, que reage ante os outros, em vez de tomar as rédeas sozinho.
Voltando a Allen, e à sua frase, podemos perceber que a sua frase diz ainda muitas coisas. Ele admite que o mundo é complexo, cheio de problemas e completamente amoral. Não fecha os olhos para esses fatores, mas deixa claro a pergunta: o que ele pode fazer sobre isso? Praticamente nada. Somos bastante inofensivos dentro desses parâmetros. Não é uma proposta pessimista, como imagina os crentes e os que querem uma recompensa pelas suas boas ações. Mas de extrema realidade, que pode afetar os mais sensíveis, os que imaginam que devem agir de tal forma para alcançar algo no futuro. Ele apenas demonstra a nossa completa incapacidade de controlar o que nos arrodeia. Só isso.
O ideal é, portanto, viver os pequenos prazeres que nos é possível. É descobrir aquilo que nos agrada, e que não desagrada em demasia os demais - porque ainda vivemos em sociedade, não? -, e tentar, à medida do possível, praticá-lo. Como por exemplo, comer comida chinesa. Ou ler um texto do Verissimo, um livro do Nietzsche ou assistir a um filme do Woody Allen. Belo ideal de vida, não?
No livro de entrevista com o Eric Lax ["Conversas com Woody Allen"], há um momento em que o diretor se sai com uma frase que exemplifica esse raciocínio. Lax pergunta sobre o final não muito feliz de "A rosa púrpura do Cairo", e como ela refletiria a visão de vida de Allen. O cineasta responde que sim, ele acha que a vida é muito amarga, mas [e então começa a sorrir, segundo a rubrica do livro] que é o único lugar onde se pode comer comida chinesa. O sorriso de Allen demonstra que ele já imagina qual será o resultado de sua frase: como algo cômico. É nessa "assimetria" que ele se alimenta para produzir seu humor, nessa suposta antítese, nesse contraste absurdo, que beira o nonsense.
Além da questão cômica, porém, há nessa frase uma proposta de vida mais "humana", assim como propunha, talvez, sob a minha interpretação, Nietzsche. O filósofo bigodudo sempre implicou com o cristianismo por conta de sua transcendência, ou seja, pela proposta da religião cristã de que deveríamos viver uma vida asséptica na Terra para, após morrer, ter acesso ao paraíso, na verdadeira vida, a eterna. Claro que esse raciocínio ele ampliou - e foi ampliado pelos seus intérpretes - para diversos fatores. Não haveria, portanto, conteúdo, só forma. Não haveria nada além do aparente. Não haveria profundidade, só o raso.
Essa tese se torna complicada sem a sua devida contextualização nos dias de hoje, principalmente porque pode parecer ser uma defesa da "boa aparência", por exemplo, ou de uma produção em série de pessoas "bonitas". Mas a desconstrução desse argumento fica exatamente no fato de que o "belo" também é uma construção cultural e social. Correr atrás desse ideal, quando não é algo internalizado, mas importado de maneira pré-fabricada, é ter uma vida apenas reativa, que reage ante os outros, em vez de tomar as rédeas sozinho.
Voltando a Allen, e à sua frase, podemos perceber que a sua frase diz ainda muitas coisas. Ele admite que o mundo é complexo, cheio de problemas e completamente amoral. Não fecha os olhos para esses fatores, mas deixa claro a pergunta: o que ele pode fazer sobre isso? Praticamente nada. Somos bastante inofensivos dentro desses parâmetros. Não é uma proposta pessimista, como imagina os crentes e os que querem uma recompensa pelas suas boas ações. Mas de extrema realidade, que pode afetar os mais sensíveis, os que imaginam que devem agir de tal forma para alcançar algo no futuro. Ele apenas demonstra a nossa completa incapacidade de controlar o que nos arrodeia. Só isso.
O ideal é, portanto, viver os pequenos prazeres que nos é possível. É descobrir aquilo que nos agrada, e que não desagrada em demasia os demais - porque ainda vivemos em sociedade, não? -, e tentar, à medida do possível, praticá-lo. Como por exemplo, comer comida chinesa. Ou ler um texto do Verissimo, um livro do Nietzsche ou assistir a um filme do Woody Allen. Belo ideal de vida, não?
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