[O que se verá a seguir não é nenhuma novidade para a humanidade.]
O ser humano [ou deveríamos chamá-lo de Dasein, como Heidegger?] tem necessidades próprias, obrigações, situações que não podem ser contornadas de jeito algum [com a exceção de relatos, nem sempre confiáveis, de personagens extremistas, como faquires, sadus, monges etc.]. Alimentação, por exemplo. Sem comer ou beber morremos. E, como já vimos, há algo que nos empurra à frente, que nos faz viver. Por isso, sugiro, a fome dói tanto. Porque é essa força, em seu estado mais puro, gritando, exigindo que seja atendida. A isso eu chamo de sobrevivência.
Mas e quando a sobrevivência é suprida, quando temos tudo o que precisamos para viver? Não estou falando de uma questão hipotética, antiga, que existe apenas no mundo controlado da memória, mas atual: quando temos uma vida razoavelmente construída, não temos grandes dramas, nossas necessidades são atendidas e ainda sobra um dinheirinho no fim do mês para tomar uma cerveja com os amigos? A sobrevivência, essa nossa necessidade, essa nossa única e verdadeira obrigação, não é mais uma preocupação, o que acontece?
Encontramos um buraco. Uma falta de noção, de sentido, de caminho claro para ser seguido. Um "e agora?". Um "para onde ir?" O que devemos fazer? A essas perguntas eu chamo de vazio.
Esse é um processo comum, que provavelmente atinge a todos que já passaram da situação de "sobrevivência". Talvez nem todos percebam. Talvez o processo de muitos seja apenas continuar, sem qualquer reflexão. Nesse caso, seguem os passos já estabelecidos pela tradição, pelas relações de família, por um senso comum enviesado pelo ângulo de quem vê. E continuam, repetindo os erros e os acertos anteriores, sem mudar o traçado, sendo um eco de palavras anteriores.
Mas há os que param, respiram, e percebem à sua frente o nada, o "absurdo", a falta de um motivo pelo qual se deve continuar a sobreviver. [São poucos ou muitos? Não sei.]
Estes começam a se perguntar: devemos seguir um cotidiano pendular, de idas e vindas do trabalho? Construir uma família parecida com as de comercial de margarina? Entrar numa seita religiosa e deixar nosso destino nas mãos de outrem, para que não precisemos nos preocupar em decidir nada? Devemos nos engatar numa luta pela melhora das condições de vida no mundo? Salvar os pandas? Ganhar mais dinheiro para poder ganhar mais dinheiro? Pegar todas as mulheres do mundo? Estudar em todos os tempos livres para ser o mais culto? Inventar um hobby? Torcer por um time de futebol? Virar um cinéfilo? Plantar uma árvore?
Alguns capitulam. Fazem o mais fácil. Chegam a esse processo e resolvem retroceder. Mesmo que tenham encarado o vazio, voltam e optam por um caminho já traçado. Escolhem não escolher. Deixam suas decisões na mão de um outro, seja pai, mãe, chefe, pastor, padre, presidente, técnico. [São poucos ou muitos, estes? Novamente, não sei.]
Nesse momento, essas atitudes além-da-sobrevivência se tornam, igualmente, parte da sobrevivência. Como se, sem elas, estes homens e mulheres não conseguissem seguir adiante. Como se trocassem suas vidas pelo pouco de prazer que essas atitudes fornecem. Usam essas atividades como produtoras de prazer, serotonina, como um droga, para aguentar o resto da vida. São, normalmente, tristes. Profundamente tristes [no sentido de serem, apesar de aparentemente felizes, lá no fundo, tristes].
E há os que escolhem, que optam, que têm a coragem para seguir com o que querem e tem vontade - e aguentam as consequências de seus atos. Obedecem o impulso que, parecido com o de sobrevivência, existe e joga para frente. [São muitos ou poucos? Duvido que sejam muitos. São melhores ou piores? São apenas diferentes.] Podem escolher qualquer um dos caminhos que eu citei, mas escolhem ativamente, sabendo o que estão fazendo, não como defesa, passiva, para o mundo. Entram de cabeça, mergulham, tem orgulho dos próprios defeitos, dos erros que porventura vierem a cometer. Porque sabem que estão fazendo o melhor que pode. A estes, eu considero que saíram da categoria de sobrevivência e entram na que eu chamo de vivência. Supervivem.
Isle of Skye, Scotland |
Mas e quando a sobrevivência é suprida, quando temos tudo o que precisamos para viver? Não estou falando de uma questão hipotética, antiga, que existe apenas no mundo controlado da memória, mas atual: quando temos uma vida razoavelmente construída, não temos grandes dramas, nossas necessidades são atendidas e ainda sobra um dinheirinho no fim do mês para tomar uma cerveja com os amigos? A sobrevivência, essa nossa necessidade, essa nossa única e verdadeira obrigação, não é mais uma preocupação, o que acontece?
Encontramos um buraco. Uma falta de noção, de sentido, de caminho claro para ser seguido. Um "e agora?". Um "para onde ir?" O que devemos fazer? A essas perguntas eu chamo de vazio.
Esse é um processo comum, que provavelmente atinge a todos que já passaram da situação de "sobrevivência". Talvez nem todos percebam. Talvez o processo de muitos seja apenas continuar, sem qualquer reflexão. Nesse caso, seguem os passos já estabelecidos pela tradição, pelas relações de família, por um senso comum enviesado pelo ângulo de quem vê. E continuam, repetindo os erros e os acertos anteriores, sem mudar o traçado, sendo um eco de palavras anteriores.
Mas há os que param, respiram, e percebem à sua frente o nada, o "absurdo", a falta de um motivo pelo qual se deve continuar a sobreviver. [São poucos ou muitos? Não sei.]
Estes começam a se perguntar: devemos seguir um cotidiano pendular, de idas e vindas do trabalho? Construir uma família parecida com as de comercial de margarina? Entrar numa seita religiosa e deixar nosso destino nas mãos de outrem, para que não precisemos nos preocupar em decidir nada? Devemos nos engatar numa luta pela melhora das condições de vida no mundo? Salvar os pandas? Ganhar mais dinheiro para poder ganhar mais dinheiro? Pegar todas as mulheres do mundo? Estudar em todos os tempos livres para ser o mais culto? Inventar um hobby? Torcer por um time de futebol? Virar um cinéfilo? Plantar uma árvore?
Alguns capitulam. Fazem o mais fácil. Chegam a esse processo e resolvem retroceder. Mesmo que tenham encarado o vazio, voltam e optam por um caminho já traçado. Escolhem não escolher. Deixam suas decisões na mão de um outro, seja pai, mãe, chefe, pastor, padre, presidente, técnico. [São poucos ou muitos, estes? Novamente, não sei.]
Nesse momento, essas atitudes além-da-sobrevivência se tornam, igualmente, parte da sobrevivência. Como se, sem elas, estes homens e mulheres não conseguissem seguir adiante. Como se trocassem suas vidas pelo pouco de prazer que essas atitudes fornecem. Usam essas atividades como produtoras de prazer, serotonina, como um droga, para aguentar o resto da vida. São, normalmente, tristes. Profundamente tristes [no sentido de serem, apesar de aparentemente felizes, lá no fundo, tristes].
E há os que escolhem, que optam, que têm a coragem para seguir com o que querem e tem vontade - e aguentam as consequências de seus atos. Obedecem o impulso que, parecido com o de sobrevivência, existe e joga para frente. [São muitos ou poucos? Duvido que sejam muitos. São melhores ou piores? São apenas diferentes.] Podem escolher qualquer um dos caminhos que eu citei, mas escolhem ativamente, sabendo o que estão fazendo, não como defesa, passiva, para o mundo. Entram de cabeça, mergulham, tem orgulho dos próprios defeitos, dos erros que porventura vierem a cometer. Porque sabem que estão fazendo o melhor que pode. A estes, eu considero que saíram da categoria de sobrevivência e entram na que eu chamo de vivência. Supervivem.
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