Qual é a vantagem de se escrever mal? Poder escrever o que quiser, sem se importar com os eventuais e exigentes leitores. Aproveito essa minha sorte para recomeçar a contar uma ficção, que foi iniciada há quase dois anos, ou muito antes disso, porque eu preciso terminá-la. Esse trecho abaixo é um capítulo chamado "Joana I". Para ler outros trechos, clique aqui.
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Mesmo depois de tantos
anos, mesmo depois de tanta coisa que passamos, tanta briga, tantas verdades
momentâneas cortantes que ela me falou, depois de tudo o que ela deixou bem
claro para mim, não consigo lembrar das coisas ruins que Joana me fez, de toda
a dor que ela me proporcionou. Consigo, mas tenho que fazer um esforço enorme. Joana
praticamente não sai da minha cabeça, por vários e vários motivos. Para
odiá-la, ou melhor, para não amá-la, ainda melhor, para simplesmente não
desejá-la, não querer sua presença física, quente, reconfortável, não querer revisitar,
reviver, repetir todas as nossas lembranças mais profundas, íntimas, nossas e
mais de ninguém, não querer ouvir sua voz macia, não querer tocar em sua pele
terrena, terrosa, não querer sentir o gosto do seu gosto, o cheiro do seu
cheiro, tenho que me policiar, tenho que me controlar, soltar a minha razão,
que busca os nossos piores momentos de uma caixa esquecida no fim do quarto,
abre o baú e sacode as frases mal ditas como se fossem talismãs que afastam os
maus espíritos.
Não estou sendo claro,
nem consigo nesse momento. Há várias Joanas. Essa de quem sinto falta é uma mistura da
primeira, daquela que eu primeiramente conheci, com uma imaginação minha, que
exagera suas qualidades corpóreas e diminui seus choros convulsivos no meio da
madrugada, sua passividade excessiva, sua dependência exagerada, sua
demonstração clara que não era comigo que ela queria estar, mas com qualquer um
que compusesse esse papel, o papel do homem que a abraçaria, daria um beijo em
sua testa e diria que ela estava protegida.
Joana é perigosa.
Inconscientemente perigosa. De tão bonita, dá um poder enorme para quem ela
elege. Ela se deixou ser dominada, se objetalizou, e eu me senti o maior dos
homens, querendo expandir indefinidamente. Não há expansão infinita e esse
processo logo encontrou um limite, que nos trouxe, me trouxe para uma
realidade, para o meu verdadeiro tamanho, minúsculo. E ela, sem os limites que
eu a impunha, pensando que estava fazendo o melhor para ela, para nós, pensando
que estava agradando, pensando que tinha apenas que seguir o caminho já
estabelecido, ela cresceu. Ficou enorme. E eu não cabia mais dentro de sua
vida, apesar de querer, novamente, me encaixar.
Houve uma segunda
Joana, e uma terceira, e talvez uma quarta. Mas essas já não eram ligadas desta
maneira comigo. Nos ligamos de outras tantas maneiras que eu me envergonho, que
eu não tenho coragem de contar, ao menos não agora. Só queria lembrar tanto das
verdades como me lembro das mentiras que ela me contou. Só isso.
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