quinta-feira, 24 de junho de 2004

De volta à labuta

Sinto-me como um personagem arquétipo, ou clichê, nesses dias. É como se eu tivesse sido presentiado por alguém com um emprego (e foi mais ou menos isso realmente).

Como se eu tivesse, por anos da minha vida, me tornado dependente de alguns desses dramas modernos (virado alcoólatra, junkie ou caído em depressão) e agora, resgatado para o mundo dos "vivos" novamente.

Como se alguém tivesse dito para quem me contratou algo assim: "olha, dê um trabalho para ele, dê uma segunda chance para o sujeito, ele não fará mais mal a ninguém". E esse sujeito, no misto de pena com orgulho pessoal (já que estaria fazendo bem a um ser necessitado), me concederia a vaga, com o conselho (para mim, se for num filme onde este personagem é cruel; para quem pediu a vaga para mim, se a obra retratar um chefe mais brando) de que não toleraria novas escorregadas. Se me encontrasse no banheiro, cheirando uma carreira, se sentisse o cheiro de uísque barato em mim, se eu faltasse sem argumentação, só porque não tive forças para ir, ele não poderia fazer nada além de me demitir.

Quem interviu por mim - e sempre há alguém nesses casos, mesmo se for de longe, mesmo se só me incentivou a procurar um sentido no caos diário e cotidiano - estaria sempre em contato para perguntar como foi o meu dia, "conte novidades"...

E eu, por meu lado, estou na fase onde me sinto (pelo menos um pouco) útil, para quem, ou o que, quer que seja. E só isso me bastaria agora. Estar vivo e continuar a fazer qualquer coisa, ocupar o meu tempo com algo classificado como "produtivo", fornecer a possibilidade de orgulho para o meu - como o chamarei - "tutor", só essas coisas que todos passam por cima diariamente, já me dão uma felicidade que não sentia há anos.

Ontem, ao menos, tive que segurar as minhas palavras porque qualquer coisa que eu dissesse seria boba, banhada na imensa alegria que me tomava. (Nesses estados, qualquer frase imbecil faz sentido, e todas as piadas são engraçadas, para nós mesmos.)

Daqui para a frente, caminhos diferentes são postos para o mesmo personagem a partir daqui. Ou ele continua, e daqui a quarenta anos, pode se orgulhar de ter voltado a "viver", com todo o apoio de seu chefe e de seu tutor, com uma "casa no campo, cachorro labrador e uma bermuda branca de prega"; Desiste, depois dessa nova tentativa de se integrar aos "vivos", porque descobre que esse não é exatamente feito para ele; Ou percebe que tudo não é nada além de percalços comuns a todos que, de um jeito ou outro, por mais ou menos tempo, passam e que tendem apenas a demonstrar como essa bola planetária gira, gira, gira e é exatamente igual e a mesma para todo mundo.

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