quarta-feira, 16 de junho de 2004

"Well, nobody is perfect".

Nas últimas semanas tive a honra de ver dois filmes de roteiristas-diretores. "O Outro lado da Rua", do Marcos Bernstein, e "Quanto mais Quente, melhor", do - provável - melhor dessa classe de cineasta, Billy Wilder.

Antes, porém, deve-se, ao mínimo, parametrizar quem são esses tais que chamei de roteirista-cineasta. É facílimo encontrar um por aí. Primeiro: eles são quase sempre escritores antes de se envolverem com o cinema, propriamente dito. Nem que sejam roteiristas, apenas. Segundo, seus filmes têm diálogos inteligentes, bem distantes do marasmo e irrealidades que rondam por aí. Volta e meia gostam de publicar algo em papel, talvez para não perder a mão. São acusados - em alguns casos - de fazer filmes lentos, contemplativos. Sempre é possível encontrar humor em suas produções. Sujeitos exemplares (sem ordem): Woody Allen, Jorge Furtado, o cineasta bissexto Paul Auster e os dois ali de cima.

Voltando aos filmes vistos recentemente. O primeiro, o brasileiro, a estréia do roteirista de "Central do Brasil" na direção, função que pode ser (bem) definida - e já foi por um camarada meu - como o homem que diz "ação" e "corta", ainda peca em alguns aspectos imagéticos - para usar uma expressão que deveria me condenar ao fogo eterno dos infernos. Não que ele não saiba criar imagens comoventes, ou tenha idéias para lá de originais - mesmo usando uma trama conhecidíssima, no caso de "Rear Window". O problema é outro. Parece que estamos assistindo a um livro na tela. É complicado passar esse conceito, dias depois de ter assistido, e com as imagens já parcialmente apagadas da memória, mas um exemplo claro disso é quando Fernando Montenegro - o que comentar sobre ela? Será que algum adjetivo de elogio ainda não foi utilizado sobre ela? Que tal, sei lá, perfeita? - num momento sozinha, sem nada para fazer, sentada no sofá da sala, fumando o seu cigarro, olhando para a fumaça, diz "que tédio". É até provável que alguém dissesse "que tédio" naquele momento, eu diria "que tédio" em circunstâncias iguais, mas isso não seria o que uma personagem de cinema diria. O que até pode ser encarado - por um lado - de bom, já que teria fugido da persona clássica do cinema, mas não funciona nesse caso e em vários outros. Outro bom exemplo é quando ela se sente sozinha-no-meio-da-multidão, sentimento clássico em roteirista sensíveis à contemporaneidade (vide final de "Devil´s Advocate"), e, de repente, no meio do turbilhão chamado Copacabana, ela está realmente sozinha. Fraco, bem fraco, diria. Nem comento, então, da já famosa cena de sexo entre Raul Cortez e Mrs. Montenegro. Parece que todo o filme começou dali, na cabeça de Bernstein, porque a seqüência inteira parece estranha, fora de contexto e é explicada meio que por acaso, num comentário jogado para o alto, logo depois, meio como desculpa. Esse momento foi o menos "filme de roteirista" de todos. Por outro lado, parece que ele teve a idéia da cena de sexo inesperada e disse: "vou fazer um filme sobre isso" e a idéia deslanchou.

Mas não, não me leve a mal. O filme é bem inteligente, mexe com assuntos pouquíssimos explorados e mesmo sem direção daria certo - também, com essa dupla de protagonistas... Creio que os próximos filmes desse moço serão bem melhores. Acontecerá com ele, o mesmo que aconteceu com Woody Allen, quando começou a filmar. Tinha idéias ótimas e concepções ruins. Valiam porque era bem diferente do que estávamos acostumados. Enfim, é esperar para ver.

Do outro lado da carreira estava Billy Wilder quando fez "Some Like it Hot", uma comédia boba e divertidíssima. Parece que esse filme criou milhares dos clichês cinematográficos existentes até hoje. Um exemplo: Marylin Monroe interpretando Marylin Monroe. Depois disso, todas as louras - de espírito - quiseram apenas ser a mesma.

Como disse, a história é boba, pode ser interrompida quinze vezes, pode ser assistida com seu sobrinho de seis anos, pode ser vista com anos de distanciamento, o que importa, e está inalterado, é a qualidade do texto nos diálogos. São todos inteligentíssimos, com piadas internas, ironias veladas que provocam risos pequenos e nunca gargalhadas das tortas na cara. Talvez só descambe para o pastelão lá para o final, numa perseguição aos dois protagonistas (nada menos que Tony Curtis e Jack Lemmon). A fórmula do escada é usada com maestria, e as interpretações (!), a agilidade das falas (!!), tudo se encaixa à perfeição nessa comédia. Tony Curtis, por exemplo, tem três personagens diferentes durante o filme. E está engraçado em todos. Jack Lemmon tem momentos inesquecíveis, como o diálogo que ele tem depois de ser pedido em casamento. E, para comprovar a origem roteirista-diretor da película, basta lembrar da seqüência onde Tony Curtis vai se encontrar com Marylin e, vestido de magnata, esquece de tirar os brincos de sua persona Josephine. Todo mundo fica apreensivo porque seria o momento de Sugar Cane (não tentem traduzir) descobrir a farsa, mas é óbvio que ele se lembrará a tempo. Resumindo tudo: um filmão.

ps, o título do texto vem do diálogo final que é, talvez, o melhor.

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