quinta-feira, 17 de junho de 2004

Exagerado.

Nem tudo no filme "Cazuza" pode ser considerado exagerado, ora. Tirando a fotografia com cores saturadas, câmera que não pára numa só personagem nunca, o som que sempre está congestionado quando no meio de multidões, os atores que estão exageradamente bem, a edição que é frenética, não há nada demais no filme. Nem de menos, pelo contrário.

A opção dos cineastas foi fazer um filme em tópicos, com o ritmo aceleradíssimo no início - lembro que pensei "será que eu vou conseguir acompanhar?" -, mas que vc logo se acostuma, e tentando mostrar um pouco de tudo o que foi a vida desse personagem que já nasceu pronto. Exagerado em tudo.

Cazuza é um prato cheio para qualquer escritor e/ou cineasta. Era impulsivo, emotivo ao extremo, capaz de mudar de humor de uma hora para outra, era poeta, revolucionário nos costumes, contra a "caretice" e morreu jovem. Vê se não existe um arquétipo já montado para isso?

O filme não parece em nada com as (boas) comédias românticas de Sandra Werneck, nem pode ser comparado ao único filme do Walter Carvalho, o doc. "Janela da Alma". Por isso, seria um mix, uma adição, Sandra + Walter = Cazuza, o filme.

E, é válido ressaltar que este, em nenhum momento, subestima a inteligência do espectador. Todas as informações sobre o cantor-compositor-poeta passam sutilmente. Aliás, contrastando em demasia com o exagero geral. Se vc não prestar muita atenção, perde algum detalhe. Saí do filme comentando algumas cenas que tinha mais gostado com o Ruivo, camarada meu, e ele não lembrava de alguma delas.

Uma, por exemplo, em que Daniel de Oliveira incorporou Cazuza, ao cantar em seu último e mais conhecido show, de branco, com a bandana na cabeça, já doente, máscara de oxigênio atrás do palco. Não lembro exatamente qual é a música, acho que é "ideologia", mas pode ser outra, são tantas. Cortam para o público e mostram Marieta Severo - como a Lucinha Araújo - e cortam para o palco, Daniel com todos os trejeitos de Cazuza nessa época, de costas a mesma pessoa, de frente o mesmo rosto, corta para o público, Marieta, ou será que é a própria Lucinha?, Marieta-Lucinha aplaudem, no palco, é o Cazuza, só pode ser ele próprio, público, é a Lucinha, tenho certeza, ela joga uma rosa branca, também aparece Marieta, repete a mesma ação, palco, Cazuza agradece e pega um rosa, público, ambas Lucinhas aplaudem. Fim de cena. Ruivo não lembrava da Lucinha de verdade. Quando contei-lhe, ele pareceu não acreditar. Nesse momento, eu tive a certeza que o filme era bom, acima da média.

Tem bolas fora, tem. Mas se a produção erra, erra por exagerar, por tentar demais acertar, e no caso do Cazuza, especificamente desse moço, sim, exagerar era o certo.

ps. Domingo passado, ouvi de uma senhora que tenho respeito, considero inteligente, culta, que esse filme era apenas a celebração hedonista de um sujeito drogado. Quase falou de apologia às drogas. Fiquei espantado com tamanho conservadorismo na classe-média. Essa que leva o Brasil no colo. Se vissem o filme ouviriam da boca de Daniel-Cazuza que ele é do bem, não faz mal a ninguém. Ou de Zeca-Emílio de Mello que o meio termo é bom, mas exagero é fundamental. E talvez fosse isso exatamente o que faltasse a muita gente da classe-mérdia: exagerar sem fazer mal a ninguém.

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