sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Norte e sul

Norte e sul, protestante e católico, anglo-saxões e latinos. A Europa Ocidental, como já bem disse Webber, é dividida em duas. É fácil, para qualquer um, fazer uma listagem de países parecidos. De um lado: Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Alemanha, Grã-Bretanha. Do outro, Itália, Espanha, Portugal.

Sentiu falta de um determinado país? Poisé. França. O meio-termo, que fica entre os dois extremos. Ou, melhor, é a ligação entre os dois mundos.

Ou não?

Roubado

Este blog não é sobre futebol, eu não gosto tanto assim do esporte, não sou vascaíno (por favor, sou tricolor!) e só quero que o Corinthians caia por implicância boba contra São Paulo, o estado, e o seu sotaque. Dito isto, posso dizer com a maior segurança que é um ABSURDO (com caixa alta) ninguém (fora o Calazans e o RJ TV, que eu tenha visto) ter falado / reclamado sobre o caso do gandula que arremessou a bola dentro do campo num contra-ataque vascaíno.

Senti que estava - e estou - sendo aviltado. E olha que, como dito acima, não tinha nada a ver com isso. Para quem não viu, porque realmente a cena não foi tão mostrada, aconteceu da seguinte forma:

O goleiro do Corinthians - cujo nome suspeito ser Felipe, mas que não vale nem a procura na internet - decidiu salvar o time. Subiu ao ataque num lance de bola parada e, assim, tentar o cabeceio. Até aí, jogo jogada. O sujeito está correndo o risco que assumiu.

Ao Corinthians perder a bola, o Vasco conseguiu um contra-ataque rápido. Ao passar do meio de campo, o atacante - também não sei quem foi, nem em que posição jogava - se preparou para chutar ao gol desguarnecido. Foi então que o gandula - não me importa MESMO quem é - jogou no campo a bola que ele segurava para a reposição rápida. Com duas bolas, o árbitro teve que suspender a partida.

Ou seja, um sujeito que, provavelmente torcia para o Corinthians, usou das regras para benefício próprio, ou, em outras palavras, ROUBOU descaradamente e o próprio Corinthians saiu com a melhor. (Quase) ninguém falou nada e o time ainda está sendo vendido como o coitadinho da vez, no jornais e telejornais da vida.

Duvido que o Corinthians caia. Principalmente porque nem está na zona de rebaixamento. Mas, se cair, não vai ser a primeira vez. Ele já esteve na segundona em outras épocas e isso não modificou em nada o entusiasmo da torcida, nem a grandeza do time. Duvido também que aquele gol modificasse o rumo da partida, que já estava ganha pelo Vasco, quiçá do campeonato. Mas o ABSURDO de premiar o errado e (quase) ninguém reclamar me fez ficar infurecido.

É triste, muito triste constatar que a popularidade - e audiência - valem mais que a ética e a verdade.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A viúva

Quieta num canto, sozinha e com ar triste. Assinava uns livros do marido, morto há mais de 20 anos. Cabelos milimetricamente pintados de pretos na parte externa e deixados brancos na parte interna. A única detentora dos direitos do escritor considerado o maior da língua espanhola e um dos maiores do mundo no século xx.

Cheguei atrasado para a palestra de María Kodama, a ex-secretária, ex-faz-tudo do Borges que se tornou, em meio a bastante polêmica e em uma cerimônia paraguaia, literalmente, sua mulher. A primeira coisa que quis foi observá-la, perceber quem ela era, a partir de sua fisionomia e atitudes. Quem é essa mulher e por que ela é tão detestada pelos mais antigos amigos e familiares de Georgie.

Esperava algo mágico, talvez borgeano, que, apenas ao vê-la, decodificasse toda a esfinge, sem deixá-la me devorar. Entretanto, acanhei-me. Ela estava tão desprotegida, sendo ignorada por tanta gente, que imaginei que deveria guardar meus ovos podres metafóricos e agir como um simples transeunte dentro de uma livraria.

Não sei quem ela é, foi, ou representou para Borges. E nunca saberei, nem saberemos. Isso, entretanto, é de uma irrelevância atroz. Ela é desimportante para entender o argentino e, se ganha dinheiro, ou não, com a obra do escritor, também não modificará a maneira como se o vê. Apenas alimenta a faminta indústria da fofoca.

***

ps1. Importantes e graves, porém, são as mudanças que a Cia. da Letras fez na nova edição do "Livro dos Seres Imaginários". Na versão da antiga detentora dos direitos no Brasil, a Editora Globo, Borges divide a autoria do livro com Margarita Guerrero, e explicam que a colaboração da ex-bailarina, com o seu conhecimento de várias línguas e experiência internacional, foi essencial para a feitura da obra. Na da Cia. das Letras, simplesmente limam Guerrero da capa e colocam-na para uma página interna dizendo simplesmente que "colaborou".

Se não bastasse, retiraram também um prefácio da obra, assinado por Sylvia Molloy. E, ainda por cima, a versão das Letras é mais cara. E dizem que Kodama SÓ é ciumenta...

ps2. É mera coincidência que duas viúvas de origem japonesa sejam odiadas pelos seguidores dos respectivos maridos mortos na década de 80: além de Borges e Kodama, Lennon e Yoko Ono.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Transtornos

A minha ruinha, coitada, é sem saída, mas limpinha. Fica na esquina da Pasteur, onde os muitos carros que vêm de Copacabana, do Rio Sul ou dessa parte da Zona Sul mais rica em direção ao Centro via Aterro do Flamengo desembocam. Então, o barulho de motor é alto, incômodo e constante. Não me surpreende que eu não goste de fórmula um.

Anexe à informação do parágrafo anterior que a CEG está quebrando o asfalto com aquela britadeira, ícone das cidades que se consideram grandes, para fazer uma obra de "emergência". Também armazene que a Fundação Parques e Jardins resolveu podar as árvores justamente neste período - ou seja, a ruinha (Bartolomeu Portela) ficou praticamente intransitável.

Mas o Oscar da ingestão, da falta de organização e respeito para com o próximo foi dado para o Teatro (ex-cinema, ex-bingo) Veneza. Além de roubar uma área correspondente a cinco carros para os táxis na minha rua, eles colocam cones impedindo que estacionem em frente ao estabelecimento - para ser um área de "carga e descarga" de vans de velhinhas.

Não satisfeitos, eles "autorizam" (não sei com que autoridade) que os táxis parem em fila dupla na rua, para os "sem vans". A rua, que já é difícil entrar, fica quase impraticável.

Ontem, entretanto, a sem-noçãozice e o caguei-um-balde-para-você-zice atingiu mares nunca dantes navegados. Além da fila dupla, havia uma terceira fila! Um taxista parou, com o auxílio do segurança do ex-cinema-e-bingo, que pedia calma, no meio da rua para receber duas velhinhas que pareciam não se importar com o transtorno e levá-las para o seu "Cocoon" natal.

Por isso, quando desejo que mais esse empreendimento feche, não estou desejando o mal a outrem, mas o bem a mim mesmo. Sugiro, no local, um supermecado.


ps. Ainda bem que eu já consegui o número de emergência da Guarda Municipal (0800-21-1532). Não é nada, não é nada... não é quase nada mesmo.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Urgências, obrigações e escolhas: a escrita

E quando você deve fazer algo, obrigatório, mas não urgente, em casa e não tem muito saco? E, então, qualquer assunto se torna mais interessante (aliás, ótima tática, se manipulada, para fazer coisas chatas: arranje algo ainda mais chato). Como, por exemplo, escrever sobre o nada, durante um tantinho de tempo, o suficiente para que não haja mais... tempo para fazer nada e, então, o projeto fica adiado, por algumas horas ou até mesmo dias.

Se não é urgente, deixemos que ele se torne. A empolgação é proporcional ao nível de adrenalina injetada no sangue pelas suas glândulas. O marasmo empurra, com a barriga, as obrigações para o dia seguinte. Vide dois posts abaixo, que nem abordava uma obrigação. Aliás, as obrigações, já que repeti a palavra duas ou três vezes neste parágrafo, são totalmente escolhidas. Quem foi mesmo que disse que é impossível não escolher? (Lembro apenas do "é impossível não se comunicar"). Levando ao máximo, até a não-escolha é uma escolha.

É divertido escrever sem destino. Nada de beatnik, por favor, que eu tomo banho todos os dias. Mas algo que você começa com uma frase que vai dando cria, se alimentando e se proliferando, como um exercício físico apenas com os dedos. Crescei-vos e multiplicai-vos, Alguém disse. Até um fim inesperado. Assim: fim.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A rainha de volta

O Queen está na moda. Além da propaganda da Pajero, em que tribos tentam imitar o tum-tum-tá, do "We will rock you", e da publicidade da Claro que toca incessantemente "A kind of magic", a Som Livre, que não é exatamente boba, já fez a sua coletânea (não achei o link agora).

Bem, isso não é uma opinião, já é um fato.

domingo, 25 de novembro de 2007

Não deixe para amanhã...

Em vez de guardar uma idéia para amanhã, para poder escrever com mais freqüência, estou me propondo a escrever sempre que uma luz for acesa no departamento de datilografia. Com isso, corro mais risco de ficar sem assunto no dia seguinte. Ou não, porque tenho uma teoria, ou melhor, acredito que, quanto mais se escreva, mais motivos aparecem com cara de valer um textinho curto.

Ou, se ficar realmente um branco com um cursor piscando, vou dar uma caminhada, cozinhar ou simplesmente tomar banho - ótimas oportunidades para a mente se atulhar de coisas inúteis que podem render um post. (A outra boa tática é tentar dormir, porque um pouco antes de cair no sono, minha cabeça, já misturando o consciente com o sub e o in, produz situações louváveis. O problema é, bem, dormir e perder a hora do trabalho, por exemplo.)

Aliás, o que é isso, mesmo: o que "rende" um post? Basicamente, qualquer coisa. Não há regra alguma sobre a ética de blogs - esses veículos em voga há muito. Cada um desenvolve os seus direitos e deveres e os meus são tão genéricos quanto o subtítulo desta página, ali em cima. Vale até, para se ter uma noção, um texto, como este, sobre a não-poupança e o imediatismo das idéias. Idéia esta tida ontem, claro.

sábado, 24 de novembro de 2007

O império contra-ataca

A nova empreitada tecnológica do Robert Zemeckis, com roteiro de Neil Gaiman (!) e Roger Avary (!!) , "Beowulf", vai ocupar a sala 3d de um cinema da Barra. Pelo menos eu suspeito fortemente, porque a cabine do longa, que usa a mesma tecnologia desenvolvida para o fracassado "O Expresso Polar", em que Tom Hanks fazia todos os papéis e ganhava apenas um salário, foi na sala em questão. Eu não fui, mas disseram que havia gente se divertindo ao desviar das flechas lançadas nas guerras do herói épico do poema seminal anglo-saxão.

O que isso quer dizer? Que os estúdios acordaram e, em vez de combater a pirataria, estão transformando os seus filmes em centros de entretenimentos. A telona sozinha já não faz mais platéia. As pessoas preferimos ver as produções em casa, sem pagar os ingressos exorbitantes e sem precisar dividir o espaço com os educados espectadores que gostam de comentar, de graça, todo e qualquer movimento do filme.

Ou seja, como bons marqueteiros, os estúdios entenderam que devem vender mais que o filme em si. Devem proporcionar uma diversão que, em casa, o sujeito não alcançaria. Muito mais inteligente que impedir o download.

Claro que isso não vale para todo e qualquer filme, apenas para os com muitas explosões, guerras e efeitos especiais. Ou seja, Hollywood. Por isso, já reservei os meus óculos de aros grossos e lentes especiais.

Luxos contemporâneos

Ficar sem fazer nada, curiosamente, é um dos meus luxos contemporâneos. Normalmente, estou tão cheio de coisas para fazer nos dias de semana que, nos fins-de, quando não plantoneio, sinto que tenho que preencher a lacuna com algo produtivo.

Qualquer segundo parado, deitado, olhando o nada, escutando música ou apenas lendo o jornal no sofá é desperdício. Poderia estar aprendendo algo novo, visitando coisas interessantes, vendo as diferentes formas do mundo. Em suma, sendo ativo.

O ócio não é bem visto pelo meu piloto automático. Eu, o outro, tenho que tomar as rédeas, de vez em quando, só para me lembrar que posso, sim, ficar deitado na sala vendo o Chung Li ser derrotado pelo João Cláudio Van Damme, como fiz há dois anos, no meu aniversário.

Agora vou parar de escrever para fazer um pouquinho de nada. Com licença.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Cavalinhos

Está começando a ficar na moda, entre a emergente classe média, investir na bolsa. Um camarada meu disse que ganhou, em apenas um dia, 50% do montante original em uma determinada ação. Outro já sabe que, ano que vem, o Brasil vai ganhar o grau máximo de investimento, o que quer dizer que vai atrair ainda mais gente interessada nas empresas brasileiras, ou melhor, nos papéis negociadas na bolsa em São Paulo.

Hoje, na parte da tarde, escutei uma história que me deu uma imagem bem aproximada do que é jogar na bolsa. Segundo fontes confidenciais, para ganhar muito, deveria comprar uma determinada ação de uma instituição "x", num dia específico, para, três dias depois, ter que vender novamente. Ou seja, segundo o sujeito, em apenas três dias, o montante se multiplicaria.

Foi aí que eu percebi que a investir na bolsa é igual a apostar nos cavalinhos - como dizia o velho Bukowski. Nunca é certo, o risco é alto, o retorno, idem e se você tiver um contato na cocheira certa é
dinheiro na mão e correr para o abraço.

A diferença, talvez, fique no quesito retorno. Um terceiro amigo me disse que nem na crise de 1929, a bolsa de Nova York demorou a se reerguer. Se você tivesse perdido quase tudo com o crack, mas não tirasse a grana, em 1934 já tinha um saldo positivo. Ou seja, vamos às apostas.

Sofisticação

Com essa, eu quase caí. Não que eu seja bom em antecipar um perigo internético, mas ao receber uma mensagem de e-mail não entregue cujo título era "photos", fiquei realmente curioso. Poderia ser eu. Principalmente porque era um retorno do meu endereço eletrônico.

Entrei e a mensagem dizia: "desculpem-me pela demora, mas só agora cheguei ao Brasil". (Era meu? Retornando só agora?) Só que o texto cometia o único deslize do golpe: estava escrito em espanhol, sem um único erro. Não seria eu.

Muita vontade de infectar computadores alheios.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Crepúsculo do macho

Não é de hoje que se fala sobre a decadência masculina em relação à supremacia feminina, que já se instala. Os papéis nos relacionamentos estão se invertendo, com os homens agindo com os mesmos cacoetes que eram identificados às mulheres.

Mas isso não foi descoberto ontem, nem semana passada. Mario Monicelli em seu "Casanova '70" coloca Marcelo Mastroianni como um major da Otan que se transforma de conquistador em personagem acuado. Ele diz que os homens estão acostumados a caçar e, se não agir desta maneira, perdem a libido pelo sexo oposto.

Não exageremos. Já se passaram quase 40 anos, desde então. Mas que este foi o primeiro pilar a ruir da segurança masculina, estão aí todas as colunas do Jabor em que ele reclama da falta de cortejo e comenta como as símbolos sexuais são feitas para serem olhadas, nada mais, que não me deixam mentir.

Legal no longa é que, além do humor politicamente incorretíssimo costumaz, Monicelli não "resolve" o "problema" encontrado. Apenas aponta que o sujeito-homem vai ter que se virar com essa nova realidade. E Mastroianni dá o seu jeito.

Tempo e assunto

Os dois maiores problemas de quem escreve - ou pelo menos deste que vos escreve - são: falta de tempo e assunto. Raramente posso dispor de tantas horas como nestes últimos dias. Mas se os feriados não param o meu trabalho, interrompem as minhas outras atividades. Nestes períodos, optei por escrever mais só pelo prazer. Tenho outro assunto a escrever, mas não é tão despreocupado quanto esse. Exige um tiquinho a mais de mim - isso quer dizer, mais concentração, mais boa vontade, mais vontade.

O outro caso é o resultado direto de escrever em dias alternados. Em não querendo abordar a política e todas as suas futricas ou o noticiário de cidade e / ou policialesco, que é, de certa forma, o meu ganha-pão, o meu universo se restringe a pouquíssimos assuntos. Ou tenho uma idéia / teoria / argumento sobre alguma coisa, ou não tenho sobre o que escrever.

Isso pode ser preguiça ou incapacidade para procurar assuntos interessantes na rede. Ou ainda os assuntos internéticos estão me empolgando menos a cada dia. Vá lá saber. A questão é a ausência de argumentos que dão um texto minimamente digno. Algo que vai fazer escrever por uns três ou quatro parágrafos - porque ninguém na internet consegue ler mais que isso, mesmo.

O que vale nota, agora, ao final, é que dois dos assuntos mais abordados em crônicas jornalísticas são: a falta de tempo e assunto. A famosa crônica sobre o nada. Será que consegui me inserir neste plantel hoje?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Duas suposições e uma constatação lingüísticas

1) Tchê, che, c'è.

O "tchê" gaúcho é primo irmão do "che" argentino. Minha proposta é: a origem - digo isso sem pesquisar nada - venha do italiano "c'è", cuja pronúncia é a mesma, nos três casos. Nos dos primeiros casos, a partícula serve como um cacoete verbal, uma "vírgula vocativa", uma maneira de preencher o vazio em uma conversa.

Já no italiano, é o equivalente, mas sem a exata correspondência, ao "há" português. Exemplo: "Há um livro de italiano na minha casa" ; "C'è un libro di italiano in mia casa"

2) tem = existir

Há muito tempo que usamos, na língua corrida, o "tem" no sentido de "existir". Provavelmente, contraindo o "existem", como acontece como o "está", para "tá". Não é aceitado pela norma culta, nem é bem visto por ninguém. Entretanto, o tempo faz questão de mostrar que todo mundo fala: "Tem um livro de italiano na minha casa", quando o correto seria "Há / existe um livro de italiano...".

Dou 50 anos para tudo mudar.

3) Chiado

Na Itália, não se fala "c'è", como nós aprendemos aqui nos cursos, provavelmente a norma culta. Aliás, qualquer palavra com o "c" junto de "e" e "i" é com o mesmo som: chiado. Como, aliás, no Rio, Recife e em Portugal.

Ou seja, o som da palavra que originou o "tchê" gaúcho é, hoje, algo próximo ao "che", lido em português, não em espanhol.

E fechamos o ciclo.

sábado, 17 de novembro de 2007

LCD, I love you, but you're bringing me down (after the show ends)

O que eu via, da esquerda para a direita: um gordinho usando óculos e uma guitarra; uma japa baixinha, saída da bateria dos Gorillaz, que mexia nos teclados e programações; no meio, atrás, um clone do irmão problemático da "Miss Sunshine", com um ou dois anos a mais e um baixo a tira-colo; na frente, James Murphy, com o peso dos seus 37 anos em volta da cintura; do seu lado, o batera, O homem da banda, com um shortinho amarelo, curtíssimo, e um dockside nos pés.

Esta era a banda. Quem interceptasse um dos fulanos nas ruas de Nova York e perguntasse qual a profissão exercida, jamais acreditaríamos que eles eram da banda mais legal do mundo. Legal em português mais que no sentido inglês. São pessoas comuns, poderiam ser nossos amigos, com quem tomamos cerveja no fim de semana. Após uma menina pular do palco, Murphy se preocupou, apenas, se ela estava "ok".

E o que é a música? Algo novo. Nada do que já tinha sido inventado. Eles tocam música eletrônica (o que um leigo, como eu, identificaria como) usando instrumentos "analógicos". Desconstrói o house transformando-o em algo mais rock 'n roll. Foi tão punk que em certa música abriu uma roda de pogo.

E o que foi "Someone great"? Momento mais feliz em décadas. E o que foi "All my friends"? Pessoas se abraçando, felicidade em toda a arena. E o que foi "New York, I love you"? E o que foi "New York, I love you", fechando com gostinho de quero-muito-mais?

Pareceu que o show foi pequeno. Na verdade, nós - platéia - é que queríamos mais. Os poucos que estávamos lá vamos lembrar do melhor show de 2007. E se o Interpol não se esforçar, o melhor de 2008 também.


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O show só me confirmou que Nova York é, provavelmente, a maior Meca da música, nesse início de século/milênio. Estão aí Interpol, LCD e TV on the Radio que não me deixam mentir.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Banco x chão de fábrica

Seguindo um conselho do camarada Fabrício Yuri Vitorino, o homem que falava russo, resolvi comentar algo que já estava na minha cabeça há muito tempo, que havia sido soprado por outro camarada, Abelito, e foi dito em voz alta, num evento, em tom de irônia (não podia ser outro), pelo LFVeríssimo: os jovens atuais são de direita.

Logo, não há nada mais conservador que ser de esquerda. Ou seja, quem quer mudanças, quer que o que está aí se transforme em algo novo, tem, no mínimo, 35, 40 anos na carteira de identidade ou na cabeça.

Em conversa com Abelito, ele usa o mesmo conceito, sobre outra perspectiva. Segundo sua teoria, os caras que estão na faixa dos 20 - um pouco antes, ou pouco depois - não tem mais a ilusão que vão mudar o mundo. Apenas querem ficar ricos, o mais rápido possível, para comprar a sua mansão em Angra e ter um Audi do ano. Ou seja, as aspirações são angularmente diferentes das propostas pelos seus correlatos da década de 60, 70.

Já o Veríssimo, usa a metáfora das redações para exemplificar o mesmo conceito. Ele argumenta que dos editores para baixo - repórteres, redatores, copidesques e todo o tipo de ralé - parece saída de uma agência bancária, tamanho é o seu silêncio e calmaria.

"Nos últimos anos, os jornais e as revistas brasileiras deram uma guinada à direita. Mas, quando comecei no jornalismo, todos nós éramos de esquerda. A gente aceitava o fato de ser direita quando era do editor pra cima. Hoje, é o contrário. Do editor pra baixo, os jornalistas preferem ser de direita."

Para depois explicar, com uma teoria veríssima, o seu argumento:

"Isso tem muito a ver com a mudança das máquinas de escrever para os computadores. Como as redações eram barulhentas e agitadas, os jornalistas se identificavam mais com os trabalhadores das fábricas. Hoje, com os computadores, as redações parecem bancos. Limpas, aquele silêncio... Sei que é uma teoria meio forçada...".

Claro que a queda do Muro de Berlim, e tudo o que isso significou nos últimos anos, tem a ver com essa mudança. Nem estou mais na idade para tentar teorizar sobre essa guinada argumentando sobre as sucessões de gerações, fim da bipolaridade, outros tipos possíveis de "ser de esquerda". Mas não consigo me acostumar nem gostar do fato de as pessoas serem cada vez mais individualistas e pensarem menos nas outras. De uma maneira geral, claro.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Enoch Soames






















(Imagem: "Enoch Soames, esq.1896", de William Rothenstein 1872-1945, Pastel. 38 x 27.5 cm, signed and dated “W.R. ’95.” Exhibited at The New English Art Club.)

Um escritor da virada do século xix para o xx aparece, misteriosamente, na Londres de 1997, onde um grupo pequeno de convivas está esperando sua presença. Após poucos minutos, ele some.

Ou melhor, um escritor fracassado, acreditando que só será entendido no futuro, resolve vender a alma para o diabo em busca da viagem no tempo em que saberá como será celebrado.

Ou ainda: um escritor em ascenção - o autor do conto - faz um ensaio biográfico sobre o primeiro - em decadência - narrando sua incomum viagem a cem anos no futuro em que este confere catálogos e enciclopédias para saber se realmente vai existir na História. Então descobre que a única referência a ele - Enoch Soames - só aparecerá em uma obra que ainda não foi escrita no período em que / de onde ele partiu; e ainda por cima pelo primeiro sujeito, autor do conto.

Confuso? Pode parecer, mas é quase proposital. Na leitura, o "Enoch Soames" em questão é facilmente decodificado, mesmo sendo lido em espanhol ou em inglês.

Escrito pelo caricaturista e parodista Max Beerbohm, a narrativa brinca com uns códigos literários já estabelecidos, como a viagem no tempo (Wells), o contrato com o diabo (Goethe, para ficar no exemplo mais conhecido), o ensaio sobre um livro apócrifo, escrito em primeira pessoa e se incluindo como personagem (Borges), a brincadeira entre a repercussão do futuro como um evento do passado (foi Henry James que já fez isso?).

Curiosamente, em 1997, quando Soames deveria aparecer em Londres novamente, pessoas foram para o lugar e a hora marcada. Bem, aconteceu pelo menos na ficção de Teller, um mágico de um nome só que ganha a vida escrevendo para comediantes americanos, junto com um tal de Penn.

Além de ter provocado essa corrida para vê-lo, o site Enoch Soames: the critical heritage garante que Soames existiu de verdade. Na página estão artigos como "A Calúnia de Beerbohm" ou que exalta o "Catolicismo Diabólico", a religião que Soames professa.

Como se vê, um conto que brincou com a literatura desde o início.

domingo, 4 de novembro de 2007

Psiu

Senti uma forte identificação no caso do ministro do STF que abriu um processo contra um jornalista da própria assessoria da corte que precisava falar com a vossa excelência. Claro que me identifiquei com o jornalista - não por ter a mesma profissão, óbvio. Mas por uma-dessas-coincidências-da-vida.

Em Berlim, levamos uns amigos para jantarmos perto do albergue onde estávamos instalados. Escolhemos a cozinha mais exótica - de Cingapura - e nos sentamos, na mesa mais distante do salão, na calçada, e pouco conforto. Com a demora no atendimento, resolvi, de maneira a agilizar o processo, chamar o garçom. Mas: como se chama alguém em alemão? Ou melhor, em malaio - língua falada em Cingapura? (Obrigado wikipedia por mais essa). Recorri ao tradicional assovio.

O garçom se aproximou e nos perguntou de onde éramos. Ao responder, ele não se deu por satisfeito e disse que brasileiros eram "not respect" e que ele não era cachorro. Decidimos, por nossa saúde, já que nunca tínhamos comido nada cingapuriano e poderia vir com algo inclassificável e fora do cardápio, irmos embora.

Conversando com um camarada meu, ex-dono de bar, ele disse que os garçons brasileiros também detestam ser tratados por um "psiu". Mas não consigo entender. Generalizar o chamamento como algo ruim não necessariamente faz sentido. Ou, em outras palavras: é possível que ao assoviar, não se esteja sendo desrespeitoso, apenas tentando travar uma comunicação.

É claro que qualquer pessoa deve escolher a maneira como é chamada. Mas a síndrome do assovio mais me parece insegurança e uma necessidade de auto-afirmação, principalmente quando o reclamante é um juiz do STF, recém-empossado.


***

Outra das-coincidências-da-vida aconteceu com o texto do Veríssimo, semana passada, sobre uma viagem à Europa. Copio o trecho inicial:

"Quem anda como eu andei há dias pelas ruas de uma cidade como Florença, cuidando para não ser carregado por uma das manadas de turistas que seguem afobadamente uma bandeirinha com terror de se perder do guia (e não era nem a alta temporada!), não pode deixar de ter um pensamento: — E quando chegarem os chineses? E os chineses virão."

Pensamos, para resolver problemas de concentração de pessoas em frente a determinados pontos turísticos, que deveríamos instituir o dia do turista japonês.

Médicos

Vi, até hoje, três episódios de "House", a série americana do médico manco que detesta atender pacientes e trata a doença. Generalizando, o seriado usa uma fórmula que deu certo: aparece um sujeito no hospital com algo que ninguém sabe o que é. A equipe do doutor House começa a elocubrar quais possibilidades de males o enfermo pode ter. Erram algumas vezes, o doente quase morre, até que, num estalo, House, que odeia conversar com os acamados, vai ter com o dito-cujo para contar-lhe qual é a maneira de resolver o embróglio.

É curioso e faz sucesso porque mostra um médico cínico, desumano (no sentido de preterir a convivência com os iguais) e que acerta sempre os seus diagnósticos. Os diálogos são, realmente, muito bem formulados.

Contudo, vislumbro outra possibilidade: é a maneira de vermos, verdadeiramente, os médicos, como eles são - sem as máscaras, sem os sorrisos e sem a mise en scène.

Não tenho boa convivência com os doutores. Raros são os com quem consigo travar qualquer diálogo. Geralmente porque sinto um ar de superioridade emanando do sujeito de branco atrás da mesa - que nunca se levanta. Claro que estou generalizando. Mas, ao ver "House", me senti, de certa forma, vingado.