sexta-feira, 29 de outubro de 2010

'Tropa de elite' à americana?

Ele é um policial honesto em um corporação completamente corrupta. Vivido por um dos maiores atores de sua geração e inspirado em um personagem real, ele trabalha em uma cidade violenta, em que o jogo ilegal e o tráfico de drogas é comum. Os policiais pegam dinheiro das atividades ilícitas e quem está fora do esquema é mal visto pelos colegas. Sua companheira, não aguentando o destempero constante, o abandona. Ao fim do filme, um depoimento seu em uma comissão legislativa ajuda a acabar - ou pelo menos, desmontar algumas peças - do esquema, do "sistema".

As semelhanças entre "Serpico", clássico policial com tintas do blaxploitation, de Sidney Lumet, e o "Tropa de elite" acabam aí. Serpico é um novaiorquino, hippie típico dos anos 1960, filho de imigrantes italianos que integra a força policial porque é seu sonho de criança. Não há um uma tropa de incorruptos - como, por exemplo, havia em "Os intocáveis" - nem a estrutura da polícia americana é igual à brasileira. Além disso, no filme americano, quem tortura são os policiais corruptos, não toda a corporação - Serpico, inclusive, é contra a prática.


Mas é curioso ver como o problema da violência de uma cidade está intimamente ligada - ou coincidentemente ligada nesses dois lugares - a casos de corrupções do braço do estado na segurança pública. Em "Serpico" vemos uma Nova York degradada, suja, com discriminação racial, e uma exclusão dos pobres da decisão. Há até um diálogo em que um dos corruptos afirma que prende só os negros e pobres, liberando os italianos, porque eles teriam "palavra", cumpririam com as suas promessas.

Algum sociólogo vai saber responder com exatidão de onde nasce a criminalidade - mas suspeito que estatisticamente tem a ver com desigualdade social e pobreza exagerada. Em seguida, vem corrupção e violência, como um dilema tostines, de quem veio primeiro. É claro que na Suécia há criminalidade, violência e até corrupção, acrescentando ainda xenofobia e até elementos de eugenia, mas duvido que haja uma tropa de elite ou policiais que se destaquem dos demais apenas por serem corretos lá.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Drinkability literário

Estava eu com um amigo tomando cerveja quando ele elogiou o Hemingway, por conta da sua facilidade de leitura. Levantei a hipótese de que a facilidade (ou dificuldade) de leitura não deve ser o único critério para se avaliar um livro. Jornalistas que somos, um texto fluido e fácil de se ler é sempre desejado. Mas na literatura não é uma regra.

Para usar uma expressão do ambiente em que nos encontrávamos comentei sobre o drinkability da cerveja, que designa a facilidade (ou dificuldade) de beber uma cerveja. As pilsens, por exemplo, têm alto drinkability. Mas dizer que elas são melhores que as dubbels é no mínimo apressado. Mas o estilo belga é difícil. Tomar várias garrafas é tarefa complicada. Ou seja, tem baixo drinkability. Num dia quente, prefiro uma pilsen.

E o mesmo se aplica à literatura. Há livros que são lentos, mas nem por isso piores. Penso em Fernando Pessoa. Não consigo ler muitas páginas, mas saboreio cada uma das palavras que sorvo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Desconstruindo mitos

- É muito interessante, para mim, quando revejo filmes que me marcaram há dez, 11 anos, como é o caso de "Desconstruindo Harry", e percebo que consigo reconhecer os motivos pelos quais gostei do longa, além de ter a grande satisfação que ainda gosto dele, mas agora por outros motivos. Foi como se olhasse para uma paixão adolescente e, mesmo sem a paixão, conseguisse ver o quanto foi - e é - importante para mim. Foi emocionante.

- Borges dizia que, no início de sua carreira literária, ele se aliou ao ultraísmo porque queria parecer antenado com o seu tempo de tantos ismos e necessidades de vanguarda. Dizia ele que tentava ser moderno porque havia se esquecido que era impossível não pertencer ao seu próprio tempo. De maneira inversa - exatamente porque gosto muito de Borges - tentei me isolar de meu tempo e espaço, para, primeiro, fugir à sina que ele tanto imaginava como impossível de se escapar, segundo porque queria imitá-lo, porque na minha interpretação mais primária, não via o quanto o século xx de Buenos Aires estava em todas as suas criações.

Rodeio de gordas

Alunos sobem em cima de meninas gordas e ficam cronometrando quanto tempo aguentam em cima delas. O "rodeio de gordas" seria cômico se não fosse trágico.

[via @ladyrasta]

Todos os Woody Allen da vida

Para quem gosta de Woody Allen, esse site é uma alegria. Todos os filmes dele para baixar. É um serviço de utilidade pública.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Segundo capítulo

Como estou com o tempo razoavelmente livre, decidi voltar a um novel que já tinha começado há muito tempo e parado lá pela página 82. Agora, posso reescrevê-lo e completá-lo. Hoje refiz o segundo capítulo que, modéstia e clichês à parte, ficou legal. Publico aqui embaixo, para quem quiser comprovar.

***


2

Antes do despertador tocar, às 7h, coloco a minha mão sobre o aparelho e o desligo. Estou acordado há muito tempo. Ou melhor, mal dormi durante toda a noite. Tinha sido assim nas últimas semanas - talvez esta noite tenha sido até pior que nas últimas semanas. Ou sempre foi assim, mas agora, eu não sei por que, me sinto cansado, muito cansado. Não importa. Estou cansado, é isso que importa. Suspiro vagarosamente algumas vezes antes de levantar o meu corpo. Reluto. Me sinto pesado. Quero um guindaste para me tirar daqui. O problema é que, apesar do meu corpo estar em frangalhos, a minha cabeça fica ligada durante todo o dia e, principalmente, durante toda a noite. Sem descanso, ininterruptamente. Eu queria mesmo era virar um robô que não precisa pensar, apenas repetindo um código, uma combinação, um programa desenvolvido por alguém que está muito cansado.  Fico de frente ao espelho no banheiro. Estou como se tivesse virado a noite me destruindo. Ou como se tivesse trabalhado sem parar nas últimas semanas. Meus olhos estão vermelhos, ejetados e profundos, cheios de ranhuras e olheiras, com bolsas. Não tenho força nem para abrir as pálpebras por inteiro. Elenco uma a uma as obrigações do dia enquanto esfrego automática e vagarosamente a escova de dentes para lá no molar e para cá no canino. O dia até que não seria dos piores no trabalho. Mo-lar. Reuniões, ca-ni-no, planilhas, mo-lar, sorrisos falsos, ca-ni-no, piadas sem graça. Mo-lar. Cuspo. Minha mãe vai me ligar e me perguntar se está tudo bem e não teremos mais o que conversar após respondê-la protocolarmente de que sim, estava tudo bem. Gar-ga-re-jo. Estava? Penso nisso enquanto tomo banho. Não tenho uma resposta muito certa. A verdade é que não sei. Mantenho-me num cotidiano sem muitas alterações, sem emoções, vazio. Se isso é bom, não sei, não quero pensar nisso agora. Estou muito cansado.

No banho, escolho mentalmente uma entre as 30 camisas de manga comprida e botões para usar no trabalho. São todas iguais. Para que perder o meu tempo comprando camisas diferentes? Vou em uma e compro várias do mesmo estilo. Assim, posso gastar o meu tempo em outras coisas mais importantes. É assim que eu penso, é assim que eu faço.

Pego o ônibus às 7h30 – quando ele não atrasa – em direção ao Centro. Reproduzo os meus passos cotidianamente: faço sinal, corro atrás do ônibus, subo os três degraus, olho para motorista, cumprimento formalizante [apenas um balançar de cabeça para demonstrar que eu o vi e que sei que ele existe, mas sem dar a chance de ele entabular qualquer iniciativa de conversa], vou em direção à roleta, me segurando para não cair enquanto o motorista arranca como se estivesse atrasado para uma prova de morte, pego o dinheiro no meu bolso direito – o das chaves, no esquerdo fica o meu celular e no bolso de trás, a minha carteira – entrego as moedas e a nota ao trocador,  cumprimento formalizante, sento no primeiro banco do lado direito para evitar o sol – se estiver ocupado, escolho o segundo e assim sucessivamente –, abro o jornal, leio primeiro o caderno de esportes, depois os quadrinhos e antes que eu chegue à economia ou à política, chego ao meu destino. Salto no ponto às 8h – 8h05 quando ele está atrasado, 8h10, quando há retenção, 8h15, quando o engarrafamento é forte. Nunca chego à editoria de polícia. Caminho sete minutos até o trabalho pelas ruas mais antigas da cidade onde o chão ainda é feito de paralepípedo do século XIX e os mendigos já não se importam com o cheiro da urina. Digo maquinalmente “bom-dia” à recepcionista, com o meu sorriso menos sincero, quando estou de melhor humor, e me sento à minha mesa esperando minha máquina carregar para começar a minha rotina: tenho que inventar coisas para o tempo passar até a hora do almoço, ao meio-dia e meia.

Às vezes é fácil arranjar o que fazer. Geralmente, sigo uma série de procedimentos: vejo meu e-mail, confiro o resto do jornal na internet, vejo se alguém deixou algum recado na minha página pessoal, navego, navego, navego. Às vezes, as minhas páginas acabam e eu fico sem ter o que fazer. Hoje é esse dia.

No almoço, demoro um pouco menos de uma hora, e regresso ao escritório. Em outras épocas eu gostava de caminhar pelas ruas. Agora quero só que isso acabe o mais rápido possível. De volta ao trabalho, são mais quatro horas sem fazer nada até às 17h quando, com o céu ainda claro, me levanto para ir embora.

Quando chego em casa, dou uma longa caminhada, para tentar matar o tempo – como faço todos os dias. Caminho duas horas seguidas, sem roteiro pré-estabelecido, sem rumo definido. Acho que tenho que ir para aquele lado, seja qual for, e coloco o pé a frente do outro. A cabeça continua a dar mil voltas, mas, pelo menos, sinto o sangue correr nas veias.

Volto para casa com o meu corpo inteiro, a cabeça acabada, e resolvo ir me deitar. Não tenho nada para fazer. Ligo e desligo a TV. Abro o computador. Escuto uma música. Tento ler um livro, mas ele não consegue me prender. Decido dormir. Apago as luzes, mas as luzes não se apagam.

Nascimento, o primeiro super-herói brasileiro

Agora que cerca de 6 milhões de pessoas já viram "Tropa de elite 2", pensei em escrever alguma coisa sobre o assunto. O primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi: gostei mais do primeiro. Ou melhor, o primeiro filme me impressionou mais. Fui um dos famigerados que assistiu em cópia pirata [vou arder no mármore do inferno por isso, eu sei] à primeira versão, logo assim que ela foi informalmente lançada. Não esperava tal qualidade de uma produção brasileira, mesmo após "Cidade de Deus". Foi uma surpresa - e um certo orgulho.


Claro que a tortura presente no primeiro filme me chamou a atenção logo de cara, mas não via traços do fascismo que, depois, foi logo associado ao longa. Aliás, comigo aconteceu um fenômeno interessante. Vi o filme pouco antes de entrar de férias quando ainda era razoavelmente desconhecido. Quando voltei, o capitão Nascimento era capa das três maiores revistas brasileiras e todo mundo só falava sobre "Tropa". Qualquer assunto - e quando eu digo "qualquer assunto" quero dizer realmente "qualquer assunto" mesmo - sobre "Tropa" virava pauta.

O segundo veio cheio de expectativas e um esquema de segurança digno do Bope - literalmente - que alavancaram a bilheteria. E é, talvez, até melhor que o primeiro. Mas menos impactante. Melhor por quê? Por que mostra um capitão-agora-tenente-coronel-subsecretário-de-segurança Nascimento mudando completamente sua opinião, indo de um total antagonismo com o professor-de-História-deputado-correto Fraga para, ao fim, estarem lado a lado contra o perigo em comum? Por que criou-se um vilão - o miliciano Rocha - de quem você consegue sentir verdadeira raiva verdadeira? Por que apontou para os verdadeiros culpados pelo problema da violência no Rio - os políticos? Por tudo isso, sim, mas, principalmente porque reafirmou e ressaltou o valor de nosso [nosso, brasileiro] primeiro super-herói, o Nascimento, que já vem pintados com as cores da modernidade, em que a dúvida e as atitudes contraditórias são as duas matizes mais fortes.

Nunca tivemos super-homens, homens-aranhas, justiceiros, ou jiraias, jaspions, ou mesmo asterixes, quiçá tintins. Já tivemos capitães-gays, mônicas até riobaldos. Mas ou eram paródias, ou eram voltados para o público infantil ou não tiveram o alcance pop que Nascimento atingiu com os dois filmes. Já tivemos anti-heróis, como Odete Roitman ou Nazaré ou mesmo Olavo, mas nunca um sujeito por quem torcer do início ao fim de uma produção cultural.

Nascimento tem a moral ilibada. Coloca na cadeia políticos só com o seu depoimento. Tem um grupo que o protege e antevê quando sua família será atacada. Além disso, ele é irônico, pai apaixonado pelo filho, e luta do lado certo da lei, numa sociedade carcomida pela corrupção. Também é um homem e, como tal, sujeito a problemas e erros diversos - o que o aproxima dos mortais normais.

Parte da responsabilidade fica, é claro, com Padilha, diretor-economista, que gosta de uma dialética quase marxista em seus filmes. Parte do Bráulio, roteirista de trocentos filmes brasileiros de sucesso; e parte do próprio Rodrigo Pimentel, que viveu, na vida real, esse capitão do Bope que passa por tanta mudança. Mas dou o meu crédito maior para Wagner Moura. Francisco Bosco disse em sua coluna e eu repito aqui: feliz de nós que vivemos na mesma época que um ator desse naipe.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Escolas de Nordeste a Sul

Estive, por conta de um frila, em dois colégios na semana passada, finalistas do prêmio de Gestão escolar. Um fica na periferia da periferia da periferia, ou seja, em um bairro pobre e distante do centro da cidade de Russas, a pouco mais de cem quilômetros de Fortaleza, no Ceará. A outra fica em Blumenau, uma espécie de filial da Alemanha, mas com tempero brasileiro, como comprova o horário de início de sua Oktoberfest.

Fora essas generalizações, há uma outra que me chamou bastante a atenção. E que, acredito, merece ser compartilhado. Ambas as escolas têm turmas em tempo integral. Na primeira, no calor do Ceará, próximo de uma grande área de plantação de cajus, um dos momentos mais importantes para as crianças é a hora do banho. Em Blumenau, não há banho, e olha que dizem que chega a fazer 40 graus no verão no município.

Isso não quer dizer, claro, que um povo é mais limpo que o outro. Não há qualquer ligação com isso. Só achei curioso como, de certa forma, ainda está instituído no dna comportamental - chamemo-no assim - alguns traços dos nossos formadores, sejamos índios ou europeus.

Em Blumenau, perguntaram se eu não tinha vontade de ir a Oktoberfest, evento que realmente atrai muitos locais. Em Russas, as coordenadoras, todas muito simpáticas, perguntaram se eu não queria tomar um banho antes de pegar a estrada em direção a Fortaleza. Declinei por vergonha, e fiquei pensando em seguida se elas estavam me achando um sujeito sujinho, desses que não gostam de água. Ah, as tradições misturadas do Rio de Janeiro...

sábado, 23 de outubro de 2010

Diferenças e semelhanças entre as Oktoberfests

Estive, por coincidência, em Blumenau, durante a época em que acontece a Oktoberfest brasileira. Como já estive – dessa vez, sem qualquer coincidência – em Munique [doravante München], durante a mais famosa festa alemã para a cerveja, resolvi fazer um texto comparativo entre as duas experiências, mostrando suas diferenças e semelhanças.

                       
München
Blumenau
Chegue cedo. Mesmo que a abertura da festa esteja marcada para o meio-dia, os alemães vão para os pavilhões às 7h, para conseguir um lugar onde se sentar. Chegamos às 11h, pensando que estávamos bem, que arranjaríamos um espaço, mas penamos por duas horas até que um grupo de alemães adolescentes se sensibilizaram conosco e nos deixaram dividir o mesão com eles.
Chegue tarde. Vacinado pela festa alemã, corri para os pavilhões assim que aportei na cidade e adentrei o local às 18h. Não tinha ninguém. Todos os três pavilhões estavam completamente vazios e algumas barraquinhas se davam ao luxo de estarem fechadas. Ao conversar com moradores, eles até riram, quando disse a hora que cheguei. A organização da cidade me fez esquecer que estava no Brasil. 
Cerveja, só sentado: a razão por que os alemães chegam cedo à festa é que só se serve cerveja para quem está sentado a uma das mesonas. Isso quer dizer que, mesmo nos pavilhões, você pode passar horas de bico seco. Não quer dizer, porém, que não exista o “jeitinho alemão”: quando alguém se levanta para ir ao banheiro, há sempre um esperto que se senta só para pedir a cerveja e depois se levanta. Como se diz “malandragem” em alemão?
Cerveja em qualquer lugar: o esquema é igual a de qualquer outra grande festa brasileira a que eu já fui: você compra um tíquete nos caixas e escolhe entre as possibilidades a que você tem direito. Como estava vazio na hora que cheguei, a tranquilidade imperava. Mas, ao sair, já comecei a perceber certas filas se formando para comprar os tíquetes. E, dizem, à noite, quando a festa fica realmente cheia, fica insuportável. É fila para tudo.
Uma cerveja e várias cervejarias: É tradição entre os alemães produzirem um tipo de cerveja apenas para a Oktoberfest. Elas são mais alcoólicas [em torno de 8%, uma porrada para quem não está acostumado] e são servidas naquelas canecas enormes de um litro, chamadas Maß, que também é a maneira como se chama o tipo de cerveja, um lager mais encorpada que a tradicional german pilsen. Você pode escolher beber nos pavilhões das cervejarias locais de München, como Späten, Lowenbrau, Paulaner, etc. Nada mal, hein?
Várias cervejas e algumas cervejarias: a festa é geralmente patrocinada por uma grande marca, como a Brahma, este ano [eca], que banca toda a programação de dois dos três pavilhões. Já no terceiro, maravilha das maravilhas: encontramos as marcas menores, locais, de cervejas artesanais. São tão pequenas que, comparativamente, a Eisenbahn, que é de Blumenau, parece uma gigante. Há ainda a Wunder, também da cidade, e a Opa, de Joinville, entre diversas. Eles levam muitos tipos de chopes, como o Pale Ale, Porter e um Brown ale que tomei, excelente. Não fazemos nada feio em comparação.
Não pague para entrar, reze para beber: A festa bávara acontece em um campo aberto, com todo mundo tendo direito à entrada e à circulação. Se você for um abstêmio – pecado dos pecados – é capaz de voltar sem gastar um centavo. O problema é o preço das Maß: algo em torno de 8 euros. OK, é um litrão, ou seja, bem servido, e ainda mais alcoólico que o normal, portanto, é capaz de você não beber tanto. Mas, se você se atrever a converter, vai pensar duas vezes. Eu nem gosto de me lembrar de quanto gastei...
Entradas caras, bebidas, ok: Em Blumenau, se paga para entrar no parque onde ficam os pavilhões. Em dia de semana, o meu caso, nem é um acinte: paga-se R$ 6. Mas na sexta, o preço já sobe para R$ 15. No fim de semana, o valor da entrada sobe para exorbitantes R$ 30. Para melhorar, aceita-se carteirinha de estudante – há muito campo de estudo – e quem for vestido com as roupas típicas dos bávaros não paga a entrada. Mas o melhor é o preço dos chopes: todos saem por R$ 4,25. Quem comprar Brahma não sabe o que está perdendo...
Comes: Se eu já tinha gasto os tubos com a cerveja, economizei na comida. A única coisa que comi lá foi um lanche junto com os adolescentes alemães –  eles foram extremamente simpáticos – que consistia numa espécie de pretzel feito em casa e mais com cara de pão e uma pasta com mostarda e um tipo de embutido, que não me lembro – foram MUITAS Maß, posso assegurar.
Além do “bebes”: Cheguei faminto e aproveitei que o lugar estava vazio para comer uns pratos exóticos. Ou alguém já comeu codorna recheada assada? O recheio era – novamente – um tipo de embutido e a codorna era pequena o suficiente para não matar quem me matava. Por isso, recorri ao x-alemão. Um sanduíche, sem queijo – a mania de colocar “x” na frente dos sanduíches é gaúcha, como o tradicional x-coração – em que se mistura frango, linguíça, carne de boi e molho vinagrete, na chapa e coloca tudo num pão. Excelente.
Turistas: fuja do fim de semana dos italianos, o primeiro das duas semanas da festa. Os adolescentes alemães disseram que eles arrumam muita confusão e não são sociáveis com os demais. Posso acreditar. Eles me pediram, em certo momento, para pedir a um grupo esporrento ao nosso lado para fazer menos barulho. Fiquei numa situação...
Locais: indo numa quinta-feira, e mais cedo que o normal, não encontrei ninguém que não fosse de Blumenau. Mas dizem que há também uma enxurrada de cariocas, gaúchos, paulistas nos fins de semana, principalmente o primeiro, que também é, normalmente, o do feriado de 12 de outubro.
Fora do tempo: por mais incrível que possa parecer, a Oktoberfest de München acontece em... setembro. Há uma explicação, mas, bem, esqueci. Foram muitas Maß...
Outubro. A data varia, mas geralmente são três semanas. Neste ano, termina neste domingo. Se você não for multimilionário para poder viajar para Blumenau, vai ficar para o ano que vem sua primeira participação.



quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pela defesa das Katilenes e dos Lucivaldos

Eu quero defender as Katilenes, as Claudenices, as Josemaras, as Junderlinas, os Gleydsons, os Lucivaldos. Não por pena - claro que não -, mas porque acho que estamos formando uma tradição de nomes tipicamente nacionais. Assim como a língua falada no Brasil é totalmente diferente do português de outros países, inclusive de Portugal, tendo até mais importância, de certa forma, que todos os outros  países lusófonos juntos, acho que estamos criando uma nova forma de nomear as pessoas que não respeita a herança europeia.

Somos, sim, filhos do Velho Continente, com tempero africano e um passado indígena, mas assim como aconteceu com outros aspectos culturais, acredito que a maneira de nomear as pessoas está se transformando para algo único, brasileiro, nosso, herdeiro dessa mistura tão cantada, e muitas vezes – infelizmente – desprezada.

Claro que pode parecer fácil a outrem que um sujeito que teve um primo chamado Mayko – isso, com “y” e “k” - e uma mãe Wanya - “w” e “y” -, além de irmãs Thabata e outra Andressa... Emília, e cujo nome, caso fosse menina, seria Marjorie [mesmo Ronaldo - o nome de meu pai, porque nasci no dia do aniversário dele - não é lá uma joia comumente elogiada pela sua “nobreza”] defender a causa. Mas a minha intenção é defender a nossa forma de criar nomes.

Mesmo Mayko, Wanya, Thabata e Ronaldo têm uma correlação com nomes europeus – Andressa, eu não sei – a saber, respectivamente, inglesa [o que o Michael Jackson fez com o mundo], russa [vide o “Tio Vania”, diminutivo de Ivan], inglesa [minha mãe via série americana] e alemã [vá entender...], . No caso das Katilenes e Gleydsons, não. Ou melhor, não à primeira vista. Eles são junções, adaptações, incrementos, e até invenções de outros nomes. Sim, há misturas de alguns europeus, outros sem origem facilmente identificável, e ainda os que são simplesmente transliterações fonéticas [o caso do meu primo Mayko, o mesmo do lateral da seleção, Maico, ou do famosíssimo candidato a qualquer coisa Uóshton, no Rio].

Há os que dirão que são “feios” os nomes assim, que dói no ouvido falar essas palavras. E aí entra aquela impressionante resposta que se repete sobre o gosto – cada um tem o seu. Fora esse argumento lugar-comum, podemos dizer que há um costume – no sentido de se acostumar, ou de estarmos acostumado – a termos nomes portugueses e os valorizarmos, como se isso desse uma espécie de nobreza automática ao seu portador. Na “pior” das hipóteses, queremos um nome europeu, caso de Tatianas [russo] e Guilhermes [alemão], por exemplo. O diferente choca o ouvido, sempre. O diferente, se for pobre, é pior, é brega – pior dos xingamentos nos tempos modernos.

Mesmo raciocínio, penso agora, do que acontece com a música – não aleatoriamente dois sinais sonoros captados pela audição. O que é feito fora do eixo, fora da normalidade, tende a ser visto com preconceito. Sempre é ruim, até que um erudito vá lá nos cafundós do Pará e “descubra” a guitarrada para o “Brasil”. Em seguida vira moda, hype – o oposto do brega. O processo é conhecido.

Isso não quer dizer que vamos ter um boom de Katiuscia e Astrogildos nascidos nas melhores casas do ramo no Rio e em São Paulo. O nome é deveras pessoal e estamos muito entranhados nesse preconceito. Mas que seria bom se ninguém julgasse pessoas pelos seus nomes. E se julgasse, que vislumbrasse um ato de inovação por parte dos pais, que estão criando uma nomenclatura tipicamente nossa.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

'A tortura do silêncio' de Hitchcock

Eu confesso, Alfred Hitchcock é um escroto. Desses que hipnotizam quem quer que assista a qualquer um de seus filmes. Aconteceu comigo ontem, domingão, após almoço farto, o sofá convidativo, liguei a televisão só para constar e peguei o jornal para ver as mentiras do dia contra a Dilma e a favor do Serra. Eis que me deparo com "A tortura do silêncio" ["I confess", no original], do inglês no TCM e resolvi deixar, apenas para fazer um barulho. Resultado: não consegui mais ler jornal nem fazer nada além de assistir até o fim o filme, com Montgomery Clift e Anne Baxter, de 1953.

Começa o longa bem no estilo de Hitchcock. Mostrando onde estamos [Quebec] e o que está acontecendo [um assassinato]. Em seguida, sem saber quem é o assassino, o vemos descer um rua escura. A primeira impressão é que será um filme sobre "quem matou?", mas aí não seria um Hitchcock. Ele já disse que, para criar suspense em cenas, gostava de mostrar os dois atos acontecendo ao mesmo tempo e alongando a duração da tomada. Foi o que fez. Logo em seguida vemos o rosto do assassino se confessando a um padre [Clift] - daí o título original - e percebemos a natureza do filme. Será um embate entre a Justiça dos homens versus a Justiça divina.

Mas, eis que, quando você está já se aclimatando a essa nova moral da história, e quase voltando a ler o jornal, Hitchcock te dá outra rasteira. O padre já teve uma namorada [Baxter], com quem se reencontrou recentemente. E ela, por sua vez, era chantageada exatamente pelo fulano assassinado. [Nova] Moral da história: o padre se torna o principal acusado.

Que o Hitchcock tem essa capacidade de mudar o ritmo das histórias, no meio do caminho, já é sabido por qualquer um que assistiu a "Psicose". Mas ainda não deixa de causar muita surpresa a quantidade de reviravoltas que ele dá em tão curto espaço de tempo. Percebemos o padre se afundando, se complicando, e nos perguntamos se ele conseguirá aguentar toda a pressão ou vai quebrar os votos religiosos de confissão para... confessar quem é o verdadeiro assassino, acabando assim com a própria pena. Conforme vamos avançando na história, vamos descobrindo mais informações sobre os personagens, que mudam a forma de encará-los, para concluir num final apoteótico e, como não poderia deixar de ser, surpreendente.

Mesmo que a obra seja baseada em um a peça, não tiro o mérito de Hitchcock por - antes de mais nada - ter escolhido esse tipo de argumento original. E por não tê-lo transformado em um filme sobre, simplesmente, um assassinato.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Air no ar

Toda geração tem o folk que merece. E não estou me referindo ao formato voz-e-violão, tão tradicional, ou mesmo à origem da expressão, que vem de folclore, mas à percepção de uma música mais calma, sem tanto gigantismo. Não é uma balada, simplesmente, tem mais punch, aquela característica tão comum a boxeadores e músicas cujo grave faz qualquer quadril mais duro requebrar, ou pelo menos obriga as pernas a se mexer.

A dupla virou trio com o batera (veja mais fotos aqui) [foto: Lucíola Villela / G1]
O Air, o "folk" da nossa geração, tocou ontem no Circo Voador, na Lapa, num formato com Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, a dupla de franceses vestidos como se estivessem num embalo de quinta à noite, à frente e um batera - ah, a bateria acústica, aquela que dá organicidade a qualquer música eletrônica mais fria - atrás. Os dois se dividiram para tocar os inúmeros teclados e, surpresa, Godin ficou no baixo e... violão.

Recorreram pouco às bases pré-gravadas, optando por interpretações mais cruas de diversos hits, de toda a carreira. O primeiro e mais conhecido disco, "Moon safari", fez o sucesso do público, que chegou a cantar as melodias de músicas como "La femme d'argent", ou toda a letra de "Kelly watch the stars" e, já no bis, "Sexy boy" - o que, convenhamos, não é nada difícil.

Os franceses, apesar de aparentar estarem se divertindo - principalmente Godin -, se mantiveram naquela posição blasé, tão caro aos conterrâneos de Prost e Proust, e às meninas de todos os lugares. Mas as projeções do telão, que passavam por cima das camisas brancas da dupla, esquentavam a galera, que parecia num pôr-do-sol à beira da praia.

Ao fim do show curto, mas intenso, pequeno, mas do tamanho certo, com uma plateia empolgada, ninguém queria ir embora e desfazer a sensação de bem-estar, de tranquilidade, de eteridade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Serra vai ganhar

Hoje, lendo os jornais e as suas pesquisas, tive esse insight que macula o título desse post - que, deixemos claro, não é a minha opinião, nem a minha vontade.

É óbvio - para mim - que a maioria das vezes que tenho uma dessas percepções sem qualquer explicação concreta, eu erro. Mas, bem, eu tenho uma explicação concreta. Ou, pelo menos, a minha projeção é baseada num dado concreto. Ou pelo menos que se vende, melhor, se mostra, como concreto. Porque as pesquisas erram. Erram mais que as margens de erro gostaria que elas errassem. Por isso, não dá para confiar cegamente na pesquisa. Ou não. 

Antes de me chamarem de Caetano, quero dizer que não é uma questão de desconfiança cega ou confiança enxergando, mas de como esses números influenciam no tal frigir dos ovos. Como o eleitor brasileiro, que tem a fama de não gostar de votar em perdedor - que eu, particularmente, acho que faz parte das nossas mitologias, assim como o Curupira - votaria apenas em quem está na frente. Não é bem assim que penso.

Preparem-se, vamos adentrar o ambiente das teorias da conspiração. No primeiro turno, erraram as pesquisas ao apontar que a Dilma venceria num primeiro turno. E, mesmo quando a "tendência" mostrava que não era seguro dizer que ela venceria no primeiro turno, como nos números da boca-de-urna, ela aparecia, na margem dos 50%, quando, no final das contagens, ela tinha 47%. O erro era de 2%. 

Sugiro que o problema do primeiro turno foi o clima de já-ganhou, que ignorou os escândalos da Casa Civil e a importância - mesmo em queda - da imprensa. As declarações de Lula dizendo que ele era a opinião pública, mais que um absurdo em si, mexeu com os brios dos homens da mídia, esses sujeitos que acreditamos sermos os donos da verdade imparcial, para beneficiar a quem nos agrade. De uma hora para outra, descobriram, não o Serra, que esse eles já tinham descoberto há muito, mas a Marina. Foram semanas de matérias mostrando como a candidata verde era a solução para todos os nossos problemas. O resultado se viu. 

Nem entro no mérito do crescimento dos votos para a Marina por conta dos indecisos - até acho que foi isso. Mas que a mídia a "descobriu" no momento oportuno, já que o Serra não tem assim tanto mais sabor que um picolé de chuchu, logo que Lula dava como ganha a eleição. E dava como ganha a eleição por conta das pesquisas.

Dito isso tudo, saio um pouco do campo das conspirações, para a sua vizinha a das especulações. A diferença entre Serra e Dilma, com o perdão da má palavra, é ridícula. Oito pontos percentuais, sendo que quatro podem ser comidos pela margem, está praticamente num empate técnico - e olha que as pesquisas inflaram a candidatura de Dilma no primeiro turno. A sensação de "vai dar" cresce fortemente, imagino, entre os tucanos e a luz amarela-avermelhada já pisca freneticamente entre os petistas.

Junte a isso a forte campanha contra Dilma, mostrando o que agrada e escondendo o que não-interessa, e os seus próprios atos falhos, vejo Serra como o próximo presidente. Infelizmente, como dito antes [depois explico melhor isso].

A diferença de votos vai ser pouca, o que é saudável para uma democracia. Mas também preocupante, para um povo pouco afeito a se sentir discordado. No dia seguinte, quando as urnas decretarem o vencedor, o país terá que se unir, não mais com um ou outro político, mas em torno de um noção de nação, superior a essas pequenezas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Desimportâncias

- Vi, dias desses, em uma dessas colunas de pequenos textos de um jornal de grande circulação, uma alusão a um livro escrito a quatro mãos por... quatro pessoas. Bem. Não sei de quando é essa expressão, portanto, não sei se a referência é à época em que todos escrevíamos com canetas-tinteiros. Entretanto desde a massificação da máquina de escrever, é complicado pensar que alguém batuque apenas com uma das mãos. O que me faz pensar sobre a origem dessa expressão. Será que deveríamos atualizá-la, ou é melhor mantê-la no original, como acontece com o "discar" dos telefones? Ou ainda foi um simples e curioso erro que desencadeou todo um raciocínio sobre a nostalgia das expressões?

- A minha tendência é acreditar na última opção, do erro. Principalmente porque no mesmo espaço, há questão de semanas, saiu uma nota em referência à vinda da dupla [sic] Belle & Sebastian ao Brasil. Sem mais comentários.

- Ó como tá forte o meu preconceito. Agorinha mesmo, vi um moleque correndo na rua descalço, a toda. Pensei: daqui a pouco passa a assaltada. Para a minha surpresa, de repente, ele voltou, tão rápido quanto ia, e ainda sem nenhum calçado. Antes de ter qualquer outro pensamento preconceituoso, fiquei apenas intrigado. O que o moleque tá fazendo? Ando mais um pouco e vejo: ele estava marcando o tempo de sua corrida, contra os amiguinhos. Estamos tão mal-acostumados que quando vemos atletas pensamos em ladrões. Vergonha de mim.

Sobre o aborto

Quando eu comecei a escrever aqui, ainda tinha ilusões de que um dia me transformaria em um Escritor. Com o tempo as ilusões foram embora, deixando um ranço bem amargo. Com o tempo, porém, pude simplesmente entender o que me fazia querer escrever, o prazer de concatenar as palavras para se transformarem em uma sentença, que logo vai dar um panorama sobre um aspecto. Gosto de narrativas, de ficcionalizar, de pensar sobre um tema utilizando a imaginação como fio condutor. Me diverte. Hoje, sem a pressão autoimposta de ser um Escritor, às vezes até escrevo. E, não querendo ser mais ninguém, às vezes sou apenas eu. Além disso, percebi também que, como já disseram, é impossível fugir do meu tempo - histórico e sensorial. Por isso, publico esse continho, nesse momento.