quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Crise imobiliária

Com a questão da casa razoavelmente resolvida - até segunda ordem -, já podemos levantar algumas suspeitas mais concretas. Ou podemos falar nossas besteiras de sempre, mas fingirmos que é baseada na opinião de outras pessoas - o que jornalista faz, né.

Aparentemente é balela associar as Olimpíadas com a dificuldade de se conseguir um canto para se morar aqui. Em um dia movimentado, que visitamos 13 diferentes imobiliárias, conseguimos conversar com algumas pessoas do ramo e eles nem sequer citavam o evento esportivo. Para eles, a dificuldade tem a ver com a crise americana, que - não acho coincidência - teve seu início no ramo imobiliário.

Segundo um dos corretores com quem batemos um papo, antes desse probleminha da hipoteca nos EUA, o crédito para se conseguir uma casa era ridiculamente fácil na Inglaterra. Bastava apresentar um contracheque no banco para arranjar a grana emprestada e dar de entrada num flat. Agora, diz ele, é preciso ter ao menos 25% de todo o valor para se conseguir o financiamento da casa própria. Assim, esse pessoal que não consegue juntar uma grana razoável, partiu para o mercado de aluguéis, e acabou inflacionando os contratos.

Mesmo assim, o mercado ainda não faz tantas exigências como no Brasil. É possível, por exemplo, alugar uma casa sem um fiador - que é exigido apenas no caso de não se comprovar a renda da pessoa. O problema não é exatamente alugar um casa, o processo burocrático para tal, mas encontrar uma casa. Nesse mesmo dia em que visitamos as 13 agências, só conseguimos ver um apartamento além dos dois que já tínhamos marcado previamente. E foi com ele que ficamos - por uma questão de precaução.

Também não vale o processo brasileiro de se conferir as imagens na internet - quiçá nos jornais. Mesmo que o processo não seja tão rápido, como apregoam os próprios corretores, assim que o anúncio aparece num site, o lugar já foi embora. E ainda há o migué londrino de se colocar o anúncio como se fosse uma isca e atrair os interessados. Você liga para a agência e deixa seus contatos, seu perfil e, caso algo se encaixe apareça, eles te ligam de volta. Claro que isso não é um problema em si, mas é só para você saber que eles não são assim tão corretos, não.

Além disso, há o problema do quando se mudar. Como a rotatividade dos imóveis aqui é grande - há realmente uma maré de gente que vem para Londres estudar e chega todos os setembros e vai embora no ano seguinte - há a questão de você gostar do lugar, achar o preço ótimo, mas só estar livre em janeiro de 2012. Portanto, se programar é uma vantagem.

No mais, as dicas de sempre: compre um sim card [sugiro a Fodavone], carregue 10 pounds [e ganhe 300 sms e acesso a internet] e tente abrir o mais rápido possível uma conta de banco. Se abrir no Brasil no HSBC, uma conta Premium, a sua vida fica bem mais fácil aqui.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Mais coincidências

Londres tem oito milhões de habitantes, mais ou menos [acho que a informação é meio furada, mas vá lá]. Qual é a chance de eu encontrar com o dono da loja que eu desbloqueei um celular e que me cobrou os olhos da cara no metrô, numa linha completamente diferente da que eu uso e da que passa perto da loja dele? E da Renata encontrar uma amiga brasileira do trabalho em um restaurante, no meio da noite de sexta-feira?

Outra, menos fortes numa escala das coincidências: e de eu ler uma biografia sobre Schopenhauer, filósofo alemão, que nasceu numa cidade que hoje pertence à Polônia, mas foi descoberto na Inglaterra e, lá pela página 50, citar o outro livro que eu também estou lendo, "Tristram Shandy"?

'And I feel fine'

Quando o homem se transforma em criador, sente que deverá fazer muito mais, tudo quanto lhe for possível. Passou-se a buscar o futuro em acumulações desordenadas e febris. A felicidade do conhecimento puro desapareceu, ficou somente a ânsia desnuda por sua aquisição ou pelas vantagens que esta poderia proporcionar. A "Verdade" se tornou apenas aquilo que poderia ser "Realizado". Foi isso que desencadeou a religião secular do Progresso e do Desenvolvimento.
- Rüdiger Safranski, em "Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia".

E:
Nos dias que correm, a erudição, as ciências e as artes são desprezadas quando não se comprova claramente que elas possam ser colocadas ao serviço do falso esquadro das necessidades ordinárias. A alegria que sentem os estudiosos através da posse de conhecimentos pelo simples amor da ciência, sem se preocupar com as vantagens que possam tirar dela, é coisa que os hamburguenses não podem compreender. Eles não aplaudem o exercício do pensamento que floresce através da expansão do espírito e pela informação e desenvolvimento geral das ideias, premiam somente os esforços que possam ser imediata e lucrativamente utilizados por eles, que possam ser úteis para a sua cidade ou empregados em favor de sua profissão. [...] São os comerciantes que carimbam um valor nas coisas e nas pessoas.
 - Johann Anton Fahrenkrüger em "Versuche eines Sittengemälder", publicado em 1811, e reproduzido na página 48 do mesmo "Schopenhauer...".

domingo, 25 de setembro de 2011

Sem legenda

Uma temporada em um país de língua inglesa pode parecer que não vale para nada, num primeiro momento, mas há um ganho quase imperceptível: conseguir assistir a filmes sem legenda. Isso não é só apenas mais, digamos, natural - você pode perceber exatamente o que as pessoas disseram e não o que foi colocado na tradução* - , mas você tem tempo para reparar mais no filme, nos atores, em cada enquadramento. Não quer dizer que eu consiga entender tudo - não mesmo - mas já dá para me virar, já dá para sacar todos os contextos e, dependendo do filme, 90% das piadas. Isso também não quer dizer que os atores são muito diferentes entre si - em cinema, filmam tantas vezes cada tomada que dá para editar e pasteurizar tudo, sem que percebamos grandes afetações ou problemas graves de interpretação. Por isso - e também por implicância, claro - digo que todos os atores são iguais.

Ontem vimos dois filmes: "The invention of lying" e "The kids are all right" [incrível como esse segundo título é complicado de se pronunciar para um brasileiro que não é do interior de São Paulo, por conta da junção desses "r" ingleses, guturais]. E além do roteiro, da direção, foi possível, por exemplo, reparar no Ricky Gervais e em como ele é o tipo de comediante cínico e irônico que me agrada, e em como a Julianne Moore consegue se destacar, mesmo dentro desse cinemão pasteurizado [caramba, acabo de descobrir que ela tem 51 anos! Annete Benning, que parece muito mais velha que Moore na tela, só tem 53. Que coisa...].

[Outra interrupção, antes do prosseguimento - um dia vou escrever só sobre essas interrupções, esses parênteses. Além disso, tenho um título de livro para escrever - "Procrastinação" - que seria exatamente sobre como podemos circular no mesmo lugar e, ainda assim, andar para a frente. Veja os casos de "... Brás Cubas" e "... Tristram Shandy" - Mas a interrupção não era para falar sobre interrupções, mas que eu tinha escrito ".... alright", junto, como uma palavra só, e depois descobri que no título original a expressão estava separada. Isso me lembra que "for ever" eram duas palavras - e ainda hoje muitas pessoas a grafam dessa maneira -, mas o mais comum é encontrá-las em conjunto. Suspeito que, ao menos na Inglaterra, "as well", uma expressão usada a todo momento aqui, o que não é, mesmo, o caso de "also" - que suspeito ser uma expressão americana, assim como "pretty", no sentido de "bastante" e outros exemplos - também se tornará uma única palavra no futuro. Fim da interrupção.]

"The invention of lying" se baseia exatamente nessa premissa que é autoexplicativa no título: como seria um mundo em que fosse impossível mentir. E, repentinamente, alguém mentisse, sem explicação. Lembra, um pouco, "O mentiroso", por um lado, e "Show de Truman", por outro - só para ficar nos filmes com Jim Carrey. Mas o humor é muito mais sutil que em "O mentiroso" e o filme é muito... menor [?] ou se propõe a menos que em "... Truman". Mesmo assim, Mark Bellison [Gervais] inventa nada além da religião, quando precisa confortar a mãe à beira da morte. A senhorinha está triste porque acredita que após morrer vai encontrar o nada absoluto, e Mark, então, inventa o paraíso.

Acho curioso o medo das pessoas em relação ao "nada absoluto". Isso mostra que cada uma dessas pessoas vive um vida não muito boa, do ponto-de-vista do que ela acredita profundamente do que ela deveria fazer, e, ao chegar ao fim, se arrepende pelo que vivera - o que remete, diretamente, ao conceito de eterno retorno de um certo alemão bigodudo. Elas querem ter mais tempo, mas o que elas fariam com mais tempo? Qual é o problema do nada - já que não há saudade, não há qualquer tipo de sentimento - nem negativo, nem positivo? Será que ao se viver a vida com o máximo possível de energia e - para usar uma expressão, digamos, filosófica - vontade, essa mesma sensação se apregoaria?

Já "The kids..." é uma comédia romântica moderninha, em que o casal principal é formado por duas mulheres. A grande bola-dentro do filme é a escalação do elenco. Além de Moore e Benning, há Mia Wasikowska, a Alice do filme de Tim Burton, e o sempre adorável Mark Ruffalo. O filme é extremamente simpático, mas, ao fim, parece uma propaganda conservadora sobre a família - o que não é, por favor, um problema. Ser conservador ou liberal não modifica em nada o caráter das pessoas. Só é curioso em se tratando de um casal lésbico.

* Há um momento do "The kids..." que Nic, a personagem de Benning, fala o de Ruffalo que precisa das opiniões dele como de um "dick in my ass". Bom trabalho aos tradutores.

sábado, 24 de setembro de 2011

Metros de metrô

Esse é o mapa do metrô de Londres. De 1908.


O metrô de Londres, apesar de o mais caro da Europa, continua me fascinando. Ontem fomos do leste ao oeste, e de novo ao leste, e enfim ao centro e voltamos ao norte. Ao todo pegamos o metrô dez vezes. Foi, certamente, o nosso maior gasto nessas duas primeiras semanas aqui. Mais que em pints - o que é, convenhamos, um absurdo. Mas já imagino como reverter isso.

Nesse tempo pesquisei algumas coisas, bobas. Tipo. Transporta mais de um bilhão - isso, quase uma Índia - de passageiros por ano - é o terceiro da Europa, atrás de Moscou e Paris. É o mais antigo metrô do mundo, de 1863, e o segundo maior em extensão, perdendo apenas para Xangai. Sua primeira escada rolante - que não está mais em funcionamento, claro, - completaria 100 anos em 2011. Sua maior escada rolante tem 27 metros de extensão [mais que uma piscina semiolímpica].

Até agora, toda a geografia que eu aprendi de Londres tem a ver com o formato do metrô.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Velha casa nova

Estava enlouquecendo antes de achar a casa / apartamento que iríamos comprar no Rio, há mais de cinco anos. Todos os imóveis que eu visitei eram tão horríveis, mas tão horríveis [lembro de um especificamente que fomos, num fim de semana, que fedia a urina!], que quando achei um razoável, arrumadinho, de um quarto, num prédio com trocentos outros apartamentos, decidi fechar o negócio. A conversa chegou a avançar, mas como estava inseguro, mudei de ideia. Foi a melhor escolha que eu fiz.

O nosso, apesar de ser extremamente barulhento, é duas vezes maior que o de um quarto - pode ser considerado um três quartos [aliás, o que mais me encantou nesse nosso foi a sinceridade do vendedor, que nem era um corretor propriamente dito, mas o advogado da família proprietária do imóvel, ao dizer, no anúncio do jornal, que o apartamento era um "dois quartos + 1 menor + dependência". Achei fora do normal...], num prédio muito menor, na esquina de uma rua sem saída, na via do Pão de Açúcar. Sempre me imaginei - coincidentemente - morando nessa rua, a Avenida Pasteur.

Quando entrei no apartamento, fiquei boquiaberto. Era enorme.

Antes, errei o endereço e fiquei esperando o vendedor no prédio ao lado, de luxo, desses que tem um apartamento por andar, e com o vidro do teto ao chão em todos os cômodos. Perguntei ao porteiro deste prédio se tinha algum apartamento para vender, e o cara disse que sim, no primeiro andar. Não acreditando, inquiri sobre o preço do condomínio - uns R$ 700, se eu não me esqueci - e comecei a fazer contas para saber se conseguiria bancar esse valor. Liguei para a minha irmã, falei que valia muito a pena, ela me encorajou a continuar. Depois de uns 15 minutos esperando o vendedor - um atraso grande até para brasileiros -, percebi que algo estava errado e fui conferir o endereço. Era o nosso vizinho.

Avistei o Bozzi - o nome do nosso prédio - e vi que ela era diferente dos demais. Tinha um jardinzinho à frente e a estrutura era mais baixa que os do seu lado. Depois, descobri que ele era quase um octogenário, construído ainda na década de 1930. Subi no elevador pantográfico e encontrei a porta de madeira, que é mal-pintada por dentro. Entrei com o vendedor e sabia que aquele era "o" apartamento. Não importa o que eu pudesse encontrar depois. Era aquele.

Essas decisões são sempre complicadas quando não temos certeza - principalmente quando estamos comprando, e não alugando, um apartamento. É um investimento de um dinheiro ganho com bastante dificuldade que pode sumir de uma hora para outra. Sem confiança, as decisões ficam ainda mais difíceis. Não podemos pensar que o que encontraríamos em seguida poderia ser melhor. A nossa decisão é soberana. Optamos, com o máximo de informações que colhemos até aquele momento, por uma conclusão. A partir dali, todas as demais alternativas são hipóteses que não existiam até então. Não é possível esperar que todas as chances apareçam para, então, partir para uma definição. Só há o presente. E, eu descobri isso recentemente, essa máxima vale para qualquer tipo de escolha.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

House hunting

Não é tão mal como pode parecer. A dificuldade é aumentada porque você está em uma cidade nova, com regras inusitadas, com uma língua diferente, e querendo muito tirar suas roupas de dentro daquela mala, onde ela está há mais de uma semana - certamente terá caixismo. A procura por um apartamento em Londres pode parecer ruim, e até é ruim às vezes - principalmente por ter que aguentar a malandragem dos corretores -, mas, pensando direitinho, é bem mais fácil conseguir um lugar bacana aqui que no Rio, por exemplo.

Principalmente porque aqui um lugar como Kensal Rise, que é tipo Marechal Hermes, extremamente residencial, com casas bonitinhas e tals, fica a 10, 15 minutos do Centrão da cidade, de Oxford Circus por exemplo, via metrô, que é, inclusive, logo ali. Ou seja, o óbvio: um transporte de qualidade dá vida às áreas mais afastadas. Isso sem falar que aqui há áreas legais de se morar em qualquer latitude - não precisando ficar na South Zone - pelo contrário até.

Fico imaginando como seria a vida no Rio caso o trem - por exemplo - funcionasse. Se as pessoas não demorassem duas horas [na melhor das hipóteses] para chegar no Centro, vindas de Nova Iguaçu. Se elas pudessem morar em casas grandes, com quintal e, para trabalhar em algum lugar da capital, tivessem apenas que pegar um vagão confortável que chegasse em - digamos - 40 minutos na Central e dali fizessem a transferência para o metrô até, sei lá, Botafogo, chegando em mais 20 minutos. Uma hora de Nova Iguaçu a Botafogo. Seria possível? Será que teríamos tantas pessoas assim querendo morar apenas na Zona Sul, encarecendo enlouquecidamente os aluguéis dessa região? Será que não espraiaríamos a vida da cidade para as áreas correlatas? Será que não sairíamos do umbigo para enxergar as áreas ao redor? Será que não enriqueceríamos culturalmente com tantas influências? [Pensei agora que as associações de moradores dos bairros ricos seriam contra porque não iriam gostar de ter pobre nas suas calçadas...]

Claro que sempre teremos áreas mais caras que outras. Quem mora em Oxford Circus - deve existir um ser humano nessas condições, mas não devo conhecer em toda a minha existência - paga muito mais que um reles mortal [ o/ ] num aluguel. As casas no Leblon de frente para a praia continuariam sendo um absurdo, mas eu posso viver sem isso, desde que seja tratado com um mínimo de dignidade. O que não é caso, na maioria das vezes.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Cidade de imigrantes


Londres é uma cidade tão exótica que quando vamos em uma vizinhança com a maioria de londrinos-caucasianos, estranhamos.

Antes de vir para cá, tínhamos casais-amigos morando aqui que tinham vindo da Índia [ele de Kolkata, ela de Chennai, ambos de Mumbai], da Itália [ele com dupla nacionalidade italiana, ela, com dupla japonesa, ambos brasileiros, ou em outras palavras, da república porto-alegrense], do Canadá [ela trabalhou com Renata, ele é irmão do marido de uma amiga da Renata - só descobrimos no casamento - ambos do Rio], e um casal, e agora uma bebezinha, de Londres. Mas mesmo que eles tenham um sotaque forte de quem estudou em boas escolas, e todo o humor de quem cresceu com a ironia como forma de comunicação, ele é filho de sueca e ela tem pai espanhol. Ou seja, Londres é uma cidade de imigrantes, como é, por exemplo, Nova York. O próprio "Lonely Planet", o mais tradicional dos guias, afirma isso em seu overall. A diferença é que Nova York, e todos os EUA, assim como muitos dos países das Américas, foram formados a partir de ondas de imigração - o que não é exatamente a primeira associação que temos com Londres e a Inglaterra. Mas a verdade é que eles também foram formados por povos de outras localidades, no caso, os saxões, que vieram da área que hoje é a Alemanha, há muitos e muitos séculos.

Ontem fomos visitar os londrinos-natural-born em Fulham - um bairro bucólico, cheio de parques, e londrinos-caucasianos. Foi muito difícil ver alguém que fugisse do estereótipo, branco, alto, louro/ruivo, magro. E isso, é claro, se chama a minha atenção, chama a atenção dos seus próprios moradores. Louise - a mamãe de Rosie - disse que quer se mudar, quando der, para uma área que fosse mais... mixed. E, para compensar essa unilateralidade, ela vai colocar a neném em uma babá que fala espanhol - já que ela, Louise, não sabe falar.

Os próprios londrinos sentem falta da mistura.

***

Nesse périplo por apartamentos, ida em universidades, registro em polícia, temos conhecido apenas brasileiros, russos, indianos e chineses. E todas as vezes que eu comento sobre os Brics, o meu interlocutor me dá um sorriso amarelo [principalmente se for chinês], de quem nunca ouviu falar dessa sigla, mas não quer interromper a conversar com perguntas desnecessárias. Ou acham que é "bricks", e pensam em construção, no sentido de renovação, ou ainda em um diminutivo de "Brick Lane",  o lugar onde se poder comer as mais exóticas comidas - mesmo para Londres. O que comprova isso? Absolutamente nada. Mas não vejo isso como coincidência.

***

Fulham é a terra de Johnny Rotten. Não pode ser boa vizinhança.

domingo, 18 de setembro de 2011

Funk londrino

Aconteceu. Estava demorando. Estava achando algo estranho. Já estava há uma semana aqui em Londres e não tinha esbarrado com nenhuma banda tipo incrível. Foi totalmente sem querer, como acontece com as melhores coisas, ou com as coisas que mais te surpreendem. [Porque expectativa influencia diretamente na primeira relação com os objetos, sejam artísticos ou não, já que você não criou nenhuma imagem mental e eles são apresentados como "novidades", nesse sentido de surpresa.] Andávamos por Camden, num dia frio e chuvoso, em que tive que, inclusive, comprar um casaco, para aguentar o tranco, e descobrimos a feirinha do bairro.

À rua, parece o calçadão de Madureira, ou de Nova Iguaçu. As barraquinhas parecem com as da Uruguaiana, com a diferença que você encontra comida de vários lugares do mundo - inclusive os onipresentes churros brasileiros - é a mesma barraquinha que vai andando de feira em feira. São vários mercadinhos, com diversos perfis - antiguidades, comidas, apetrechos, cacarecos, roupas de diversos segmentos, lps e música. Mas achei curioso que não tivesse um lugar para escutar música. De qualquer forma, fomos andando aleatoriamente, que é uma das melhores maneiras de se passear, até que ouvimos uma música extremamente suingada vinda de um lugar razoavelmente distante. Fomos atrás, tal qual personagens famintos de desenhos animados quando encontram um comida saborosa.

Chegamos lá - e lá era um lugar chamado Proud Camden, que aliás vai ter um show hoje, domingo, chamado Brazil Tune, com um cantor de São Paulo chamado Dani Turcheto... alguém conhece? - e uma banda estava destruindo tudo num palco pequeno, quase amador, com uma plateia ínfima, mas fiel, sentada em sofás confortáveis e bancos de madeira. Eram o Ma'Grass.

Mr. Right - Ma'Grass by Ma' Grass Band

Nessa página do Soundcloud, que o vocalista, baixista e líder da banda, Matteo Grassi, divulgou várias vezes, dá para ouvir quatro músicas do grupo e perceber todo o ácido do funk. Mas eles não são só funk - o que para mim já seria ótimo -, há jazz em abundância e pitadas de reggae e de african beats - eles dizem também que são influenciados pela música latina, mas apesar de apresentar como músico convidado um moço cujo nome é Oswaldo Santos, acho que eles têm mais tendência à salsa que a alguma coisa brasileira.

O Ma'Grass - corruptela do nome do líder, que, nitidamente tem parentesco italiano e deixa isso claro em músicas como "Liberi" - é como se Stevie Wonder estivesse ainda vivo e ligado no 220 volts - aliás, a voltagem de Londres. É como se toda a geração funkie dos anos 1970 desse uma repaginada nas suas músicas e ficasse muito mais... funkie. Saca o The Commitments? Melhor.

O baterista Jules Weishaupt toma conta direitinho da cozinha, junto com Matteo, que tem a ajuda do guitarrista Antoine Valy, para deixar livre os teclados de Jan Blumentrath e , ontem, o trompete de um sujeito cujo nome não é fornecido na página deles, além de um saxofonista que falou sobre uma noite jazz às terças-feiras, num lugar chamado The Silver Bullet, em Finsbury Park, que é recepcionada pelo quarteto do Bukky Leo [afrojazz].

Sempre achei que o melhor da música feita em Londres não era o rock, nem mesmo o punk, apesar de eu ter sido criado na melhor da tradição dos três acordes. Mas nessa mistureba de sons que sempre dão em boas coisas - vide toda a música brasileira. Sou mais o "Sandinista" que "London Calling", por exemplo. E mesmo que se fale num renascimento em Londres da música folk, com pitadas de bluegrass e country, com bandas como Mumford & sons, tenho mais tendência a gostar dessas músicas em que a cintura não consegue ficar parada - mesmo para durões como eu.

sábado, 17 de setembro de 2011

Você é um "foodie"?

Não sei muito bem como responder à questão, que é meio óbvia. "Foodie" não é exatamente um gourmet, que sabe tudo sobre onde comer, o que vai pedir, conhece todos os ingredientes, sabe nome e sobrenome dos chefs etc. Foodie é apenas quem gosta de comida boa.

Estivemos ontem - quase que por acaso - no Borough Market novamente. Passávamos por ali, após fazer o rezistro na poliça, e tínhamos que fazer uma hora até ir para o outro lado da cidade [saímos do sudeste e fomos para o noroeste] para começar a peregrinação por um flat.

Eu fiz o pior pedido que poderia ser feito. Escolhi uma das very traditional English pie com recheio de porco e um queijo azul. É tão calórico que só consegui comer metade - principalmente porque o cara não esquentou para mim. Estava, mesmo assim, ótima. Renata foi de sanduíche de pato confit, que estava excepcional. Mas não resistimos e compramos também um queijo desses moles, tipo camembert ou brie, por um preço incrivelmente barato, isso sem falar nas duas bandeijinhas de morango por 1 pound [alguém sabe como colocar aquele sinal estiloso de pound aqui?].

Claro, que ainda provamos embutidos italianos e alemães, doces portugueses, curry verde tailandês, azeites de todos os sabores, cogumelos...

Acho que além da cerveja, que merece um capítulo inteiro a parte, vou sentir muita saudade dos derivados de queijo. Até o mais simples cheddar comprado no seu Manel da esquina pode ser pouco, médio ou muito maturado e custar, no máximo, 1 pound a pecinha, que dá para vários dias. Isso sem contar no iogurte, que é um creme que não escorre. Ai, ai, ai.

Talvez isso seja uma resposta para a pergunta do título. Mas sem qualquer exageros. Porque somos exageradamente contra exageros.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Passagem aumenta e greves

Aumento da passagem para pagar os custos de infraestrutura das próximas olimpíadas, estampava a manchete do jornal vespertino de anteontem. Suspeito que, com a exceção da palavra "vespertino", essa poderia ser a principal notícia de um periódico carioca. [Aliás, em falando em vespertino, o "London Evening Standard" é uma febre. A partir de umas 15, 16h brotam trocentos entregadores às saídas dos metrôs e TODO MUNDO lê esse jornal. Renata acredita que algo assim, mas para motoristas, no Brasil, funcionaria bem - considerando o engarrafamento nosso do dia-a-dia. Tenho minhas dúvidas. Acho que caberia melhor para a galera que pega o Central, desde que não fosse tão cheio, porque o povo entra ali e não tem espaço nem para respirar, quiçá para ler um jornal.] Além dessa informação que nos afeta diretamente - a reportagem ainda acrescentava que os transportes em Londres são os mais caros de toda a Europa, e um dos mais caros do mundo [estamos sentindo isso na pele], e que os apartamentos aqui são os menores entre os europeus - havia uma outra informação sobre uma greve em massa para o dia 30 de novembro, a maior desde a década de 1960 ou desde não sei quando. Eu que precisei recentemente dos serviços da Biblioteca Nacional e, depois, dos dos Correios, sei como é ficar sem poder fazer o que quer. Enquanto isso, estamos experimentando as alegrias e as aflições de o que eles chamam "househunting". Se tal ato já tem até um verbo para isso - a língua se adapta aos nossos atos - só demonstra o quão valorizado é um apartamentinho aqui.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As línguas inglesas

Nós somos colonizados pelos americanos, quando o assunto é a língua inglesa. Raros são os que aprendem inglês como os britânicos falam - nem estou falando de sotaque, porque aí, a questão é: que britânicos? Mas com relação a algumas palavras, que são comuns aqui e não são lá do outro lado da poça, a.k.a. Oceano Atlântico.

Antes de encerrar o assunto sotaque, basta dizer que quando vim aqui pela primeira vez, tive dificuldade de comunicação no momento que tentei pedir "tomeiroes". Nossa amiga Lou me olhou como se eu estivesse falando português. Não adiantava eu repetir, que ela não entendia. Até que eu apontei o fruto vermelhinho, que aliás é lindo aqui. Ela: "ah, tomatols". Depois descobri que os irmãos Gershwins tinham feito uma música exatamente sobre as diferenças de acento, e com o tomate como personagem principal, que ficou eternizada na voz de Ella Fitzgerald e de Louis Armstrong [abaixo], "Let's call the whole thing off".



Voltando para as diferenças de palavras, basta lembrar que o termo para metrô não é "subway", mas "tube", ou, no máximo, "underground". E um dia eu pedi para ir no "restroom", e o cara me disse que ali não era um "restaurant". Aqui é "toilette".

Aliás, o Oscar Wilde [irlandês] tem uma frase muito boa sobre essas diferenças: "We have really everything in common with America nowadays except, of course, language." O também irlandês George Bernard Shaw, contemporâneo de Wilde, ateou fogo nas diferenças: "England and America are two countries separated by a common language".

Esses irlandeses.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Salomés ou de como eu queria apenas desbloquear o celular, mas acabei na National Gallery

A minha missão era mole. Desbloquear um dos celulares que temos - o outro já era desbloqueado. Mas, se não temos a Uruguaiana para nos ajudar, onde vamos? Procurei uma loja da Vodafone perto de casa e descobri que no nosso centrinho não há. O poliça sugeriu que eu pegasse o ônibus 29 e saltava na Main Street - entrei no coletivo e fiquei esperando uma rua com esse nome aparecer. Até que eu percebi que talvez fosse "main" um substantivo comum. Acabei em Trafalgar Square.

Lá eu sabia, ao menos, que encontraria uma loja da Vodafone. Mas eu não sabia que a loja da Vodafone não faz esse tipo de serviço e que o atendente indicaria um amigo dele, que fica num estabelecimento muito do estranho. O cara, certamente, me roubou. Me cobrou 25 pounds. Disse que não tinha esse dinheiro e paguei 20. Se falasse que pagaria só 10, suspeito que ele também aceitaria - o cara era indiano. [Em pouco mais de 20 minutos que permaneci no lugar, vi eles enrolando uma coreana, cobrando um absurdo por um adaptador para uns espanhóis e armando o bote para uma brasileira.]

Além desse assalto à mão desarmada, ele falou para eu voltar em duas horas - provavelmente o tempo de ele levar num lugar mais barato e fazer o serviço. Foi aí que eu percebi uma faixa em frente à National Gallery: "free entrance". Como eu não tinha um pence, fui eu para lá.

Admito que tenho um pouco de implicância com museus, em geral. Há tanta gente em frente às telas que você fica perdido. Heidegger dizia que a obra deixa de ser de arte quando entra num museu para se transformar em objeto cultural. Tenho que concordar com ele. Por isso, costumo gostar mais de obras menos conhecidas, de pintores pouco famosos. São as que estão mais vazias, em que os caçadores de figurinhas artísticas ignoram completamente. Nesses lugares, posso ficar parado durante minutos, sem pensar em nada, me desligando, me transportando para a realidade daquele quadro à minha frente.

Uma das primeiras obras que eu fiquei impressionado foi "A filha de Herodias", de Sebastiano del Piombo [à esquerda e aqui]. Não tinha qualquer informação sobre o quadro, mas o olhar da moça me prendeu. Ela é Salomé, a famosa Salomé; ele, São João Batista. Segundo a bíblia, ela pediu a cabeça dele, porque ele caluniava sua mãe, a tal Herodias. São João Batista dizia que Herodias havia trocado Herodes Filipe, pelo seu irmão, Herodes Antipas. Há uma descrição de uma dança sensual em que Salomé teria seduzido o tipo, Antipas, em troca do assassinato do homem que batizou Jesus.

Eu não sabia nada disso e cheguei a pensar que ela fosse filha do primo de Jesus. Porque, na tela, não vemos um rosto de satisfação, mas algo invocado. Ela está com o semblante fechado e, eu arrisco dizer, contrariado, revoltada até. Não pela calúnia, me pareceu, mas pelo fato de ter assassinado um homem santo, um profeta. Como se tivesse obedecido a mãe contra a sua própria vontade. Há um vinco no rosto, e um vermelho nos olhos, bem no canto, próximo do nariz, que me fez pensar que ela teria chorado, chorado pela morte do Batista. Como se ela não tivesse compactuado com o pedido da mãe, mas fosse sua obrigação, uma obrigação de filha, segui-la. João Batista, por sua vez, quase sorri, como se soubesse que, apesar de morto, sua voz continuaria a repercutir.

Por acaso - ou não - fui andando - tinha ainda mais uma hora e meia antes de voltar para pegar o celular - e encontrei uma outra obra sobre a mesma passagem, mas agora de um nome da arte muito mais famoso: Michelangelo da Caravaggio, chamada "Salomé recebe a cabeça de João Batista" [ao lado e aqui]. Nesse caso, a legenda - e a imagem também - era[m] mais clara[s]. Salomé nem olha para o rosto do Batista. Ignora o presente, com um revirar de cabeça, que beira o nojo, olha para fora da tela, com um pouco de vergonha do que tinha feito. Se na obra de Piombo, Salomé encara o espectador, como se pedisse a atenção, nessa de Caravaggio, ela quer apenas sair da tela. Segura a bandeja, com a cabeça do Batista com a boca aberta, com desdém, empurrando para outra pessoa a segurar, ou a recebendo desesperadamente. A legenda dizia que era incomum esse tipo de pintura, em que Salomé é retratada desconfortável nessa situação. E basta conferir a passagem da Wikipedia da peça de Oscar Wilde para saber como as pessoas a enxergam como uma seguidora incontestável da mãe.
Por que não me olhas, Iocanaan [aquele que anuncia o Cristo, no caso, são João Batista]? Teus olhos, que eram terríveis, tão cheios de ódio e escárnio, estão fechados agora. Por que estão fechados? Abre-os! Ergue as pálpebras, Iocanaan! Por que não me olhas? Estás com medo de mim, Iocanaan, e por isso não me olhas? E a tua língua, que era como uma serpente vermelha expelindo veneno, não se move mais, nada diz agora, Iocanaan, aquela víbora vermelha que cuspilhava veneno contra mim? É estranho, não? Como é que a víbora vermelha já não se move?... Consideraste-me ninguém, Iocanaan. Desprezaste-me. Pronunciaste ignóbeis palavras contra mim. Trataste-me como uma meretriz, uma dissoluta, a mim, Salomé, filha de Herodíade, princesa da Judéia! Bem, Iocanaan, eu estou viva; mas tu estás morto e tua cabeça me pertence
A repetição de temas, até o início da era Moderna, não era um problema, pelo contrário. As mitologias nascem dessa revisita, dessa necessidade de contar diversas versões - até mesmo contraditórias - para os mesmos mitos. Agora, sofremos de uma febre de novidade, que se mostra inútil e infértil..

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mudanças

Se mudar [fiquei um tempo pensando se deveria começar um texto com uma próclise, já que pela "gramática culta" estaria errado. Mas como eu ignoro - no sentido de não saber e no sentido de não me importar com - a "gramática culta", decidi manter o pronome antes do verbo ao iniciar um texto. Isso me faz lembrar dois episódios envolvendo a questão: o famoso poema "Pronominais", de Oswald de Andrade - que não sei exatamente de quando é, mas é bastante antigo a ponto de estar no inconsciente coletivo, e demonstrar que essa é uma discussão antiga e, a meu ver, ultrapassada; e o início de "Moby Dick", quando Melville escreve "Call me Ishmael" e os tradutores brasileiros tascavam "Chamai-me Ismael", que, como o Sérgio Rodrigues muito bem salientou, destoava de todo o tom do resto do livro.], como ia dizendo, se mudar é uma tarefa complicada por si só. Eu já me mudei algumas poucas vezes, comparado com alguns conhecidos, mas tenho algumas histórias, como quando me mudei apenas 40 números de uma mesma rua - no caso a São Clemente - e carreguei cama e adjacências pelas calçadas, com a ajuda de um amigo. Foi um pouco estranho, para não dizer embaraçoso ou constrangedor.

Mas mudar de país... bem... Mesmo que seja com toda a ajuda, e para um país como a Inglaterra, que não é tão burocrático como o Brasil, é bem complicado... O moço que assina o blog Singaporean in London dá uma série de dicas sobre o que ter, o que saber, o que perguntar, etc. e tal. Por exemplo, ele afirma que não é possível alugar - ou é muito difícil - alugar um flat sem ter uma conta bancária, porque o aluguel é deduzido diretamente, no débito automático. Portanto, devemos ter uma conta para ter uma casa, mas, pensei, e se pedirem um endereço - logo, um casa - para termos uma conta? Tentei explicar para Roy o "dilema Tostines" - ele pareceu entender.

Apart this - essa expressão é bastante usada aqui, e é ótima, não? -, se fosse só isso, seria só burocrático. A questão é mais, digamos, geográfica: onde morar? Londres, diferentemente de outras cidades em que há um centro rico, é mais espalhada. Aqui, é possível morar em qualquer lugar e ter acesso a um centrinho, com pub, cabeleireiro e loja de aposta - em todos os lugares que visitamos havia isso. Claro que continua tendo um centro rico, a área 1, mas é impraticável para simples mortais [ o/ ]. A partir do centro, há uma série de áreas, que o circundam, e que vão se afastando. Quanto mais longe do centro, da área 1, da chamada City, mais barato de viver, casas maiores, mas mais dificuldade de transporte, mais dinheiro pago em metrô - que é também um custo a se considerar, levando em conta que uma viagem comum da área 6 a 1 pode chegar a £ 8 [se puder dar uma única dica ao visitar Londres é: comprem um Oyster card. É tudo o que o Bilhete Único deveria ser].

Hence, devemos: ficar perto da universidade, que é na  área 4, ou mais próximo do Centro? Devemos escolher o lado Oeste, mais rico, mais bonitinho e mais caro, portanto casas menores; o Leste, que está entrando na moda ["trendy", é a expressão usada], mas é longe demais de onde Renata vai estudar? Ou o Norte, que é um lugar um pouco mais desvalorizado?

Se a vida fosse um "Você decide", agora entraria o Antônio Fagundes e daria uns telefones para ligar. Mas, se for de Londres, acrescente um "0" antes do número, por favor. [Essa piada interna é um oferecimento da Vodafone.]

domingo, 11 de setembro de 2011

Famosa samosa

Renata chegou. Isso quer dizer que fizemos programas mais leves hoje. Fomos ao Borough Market.

Decidimos não saltar na estação mais próxima [London Bridge] e descer na anterior [Waterloo] - porque era mais rápido e porque teríamos a desculpa de caminhar beirando o Thames. [Antes de continuar, vale duas notas: hoje as interrupções de tráfego do metrô nos atrapalharam, mas pouco. E que a linha Jubilee, acredito que seja a mais antiga da cidade - ao menos é a mais profunda no underground -, tem um vidro nas estações, imagino que para evitar eventuais suicídios.] Essa nossa antecipação foi uma grande bola-dentro. Está rolando apenas neste fim de semana um festival, em que há várias barraquinhas vendendo artesanatos, mas, principalmente, comida. Não havia comida de todos os lugares do mundo, como já encontrei aqui em outras feiras, mas principalmente da Coreia - aparentemente uma das patrocinadoras do evento - e da Polônia, onde ocorrerá a próxima Eurocopa, ano que vem, na cidade de Gdansk, junto com a Ucrânia, parece.

Mas havia uma barraquinha de churros brasileiros, diversas de tacos mexicanos, várias de paellas espanhola, e uma que vendia sambosa, da Etiópia e da Eritreia. Adivinhe qual eu escolhi?

A sambosa nada mais é que a famosa samosa indiana, mas com recheio etíope - no caso, lentilhas. Samosa, para quem não sabe, é um tipo de pastelzinho, frito, que vem com recheio normalmente de batata, mas pode ser de qualquer coisa. É um petisco que se pode comer em qualquer lugar e é ótimo para aquela hora que estamos com fome não sabemos de quê.

Na última vez que estivemos aqui, fomos a outra feira - cujo nome, claro, eu esqueci - onde encontrei comida das ilhas Maurício. Era - razoavelmente - parecida com a da Índia, o que me dá vontade de e argumento para sugerir que a Índia é uma grande influência - ao menos - na costa leste da África. Já sabia, por exemplo, que Bollywood é um sucesso no Oriente Médio, e no chamado Sudeste asiático, e certamente a comida deve seguir esse caminho.

O caso da samosa/sambosa ainda tem o "agravante" da sonoridade ser bastante parecida, o que reforça esse parentesco. Aliás, essa pequena mudança na fonética me remeteu a outra mudança que apostaria ter acontecido da mesma maneira. No Brasil, chamamos aquele famoso prato de repolho alemão de "chucrute". O original é "sauerkraut". Para mim, uma coisa deu na outra.

Essas mudanças fonéticas são muito comuns, na influência de uma cultura em outra. Borges disse algumas vezes que o famoso Thor, deus nórdico do trovão, que virou super-herói da Marvel, nada mais era, de acordo com alguns estudiosos, que a forma que os nórdicos chamavam Heitor, da mitologia grega, "um príncipe de Tróia e um dos maiores guerreiros na Guerra de Tróia, suplantado apenas por Aquiles". Os do Norte da Europa queriam ter um grande épico pelo qual cantar, assim como os do Sul, e começaram a transliterar alguns personagens. De certa forma, já imaginava isso, quando chamava o Heitor Pitombo, que é fascinado por histórias em quadrinhos, de "hei, Thor!" [Aparentemente, todos os amigos dele sempre fizeram o mesmo, desde quando ele era uma criança].

Desvelando os véus

O Brasil é um país curioso em várias acepções da palavra "curioso", mas uma em especial me chama a atenção daqui de Londres: ter uma nação do nosso tamanho e com tanta gente e falar apenas uma língua. Mesmo que tenha variações regionais, sotaques e até mesmo áreas no sul que se fala alemão ou italiano e no norte que se falam trocentas línguas indígenas, podemos afirmar que a imensíssima maioria da população se comunica única e exclusivamente na última flor do Lácio.

Se compararmos com países com o nosso tamanho [EUA por exemplo, que nem tem língua oficial] ou o número de pessoas vivendo, acho que somos um caso único. Na Indonésia, uma posição à nossa frente no ranking dos populosos, há a língua oficial, o indonésio, mas, de acordo com o wikipedia, "muitos indonésios, além de falar a língua nacional são fluentes em outras línguas da região, como o sundanês e o javanês." Depois da gente, no ranking, vêm Paquistão e Bangladesh - e aqui se encerra nossa comparação.

[Me lembrei do "Filhos da meia-noite", do inglês de nascimento, mas indiano de família, Salman Rushdie, quando o personagem principal, indiano muçulmano, descreve como sua babá era um ignorante analfabeta, mas falava trocentas línguas diferentes.]

Ontem, consegui identificar - repito, consegui identificar - cinco línguas: inglês, português, francês, italiano e espanhol. Com a ajuda de Roy, descobri que em um vagão de trem havia gente falando em hindi e marathi. E ouvi uma senhora de cabelos azulados falando algo que eu posso jurar que era eslavo, mas se russo ou outra língua que o Fabrício Yuri domina, não tenho certeza. Além disso, almoçamos em um restaurante Punjabi, da região que se divide entre Índia e Paquistão [sim, há um outro lugar fronteiriço entre esses países irmãos que amam se odiar, que não a Caxemira e onde as pessoas não querem se matar], em que é claro que as pessoas falavam urdu. E não duvido que alguma das inúmeras senhoras usando véus nas ruas se expressa em árabe.

Aliás, falando em véus, descobri como somos ignorantes em relação a qualquer assunto da religião muçulmana - pelo menos eu sou. Descobri que eles têm um tipo de comida chamada halal, que, assim como a comida kosher dos judeus, respeita uma série de procedimentos na hora de matar os animais - não vejo coincidência nessa aproximação, mas parentesco. Segundo Roy, um dos procedimentos é drenar o sangue do bicho porque há o pensamento de que muito das impurezas do carneirinho estaria no sangue. Me remeteu ao episódio do sangrador do "Histórias do Brasil".

Em falando em parentesco, ontem enquanto andava no lado leste da cidade, houve um momento em que "esbarrei", ao mesmo tempo, com uma moça e sua filha envolvida em um dos mil véus, e dois judeus ortodoxos, daqueles que usam chapéus e trancinhas [repare que a minha ignorância não tem preferências]. Como estava com Roy, éramos naquele momento um hindu, dois judeus, duas muçulmanas e eu, um ex-católico.

Outro detalhe que descobri - apesar de já ter ouvido falar - é: não há apenas um tipo de véu, mas diversos. Confundir isso deve ser - imagino - o mesmo que não reparar que a sua mulher cortou o cabelo. Suspeito que as moças que usam os véus não mudam de véu para véu, conforme, sei lá, o clima. ["Hum, hoje, vou usar um mais fechadinho porque está frio."] Mas porque envolve a sua relação com a religião. Ontem, enquanto esperava no aeroporto Renata chegar, percebi três gerações de muçulmanas com tipos diferentes de véus. Quanto mais velha, mais pano. Mesmo assim, a mais nova, apesar de usar roupas ocidentalizadas, não mostrava nem mesmo uma das canelas, quiçá o pescoço.

Também é curioso a indústria do véu, na moda. As lojas aproveitam que aqui as pessoas ganham em pounds e colocam para vender as mais garbosas hijabs, al-amira ou shayla, ou até mesmo uma niqab. Vi uma adolescente muçulmana negra com um chador preto brilhante. Claro que eu não aprendi esses nomes e essas distinções em um dia de andada pelas ruas londrinas. Descobri que a BBC tem um infográfico simples e bem informativo sobre os diferentes panos que se coloca em volta da cabeça ou do corpo. Vale a conferida.

sábado, 10 de setembro de 2011

Impontualidade britânica

Cai o mito. Por seis minutos. Estávamos no norte da cidade, indo para a área do estádio de Wembley  [a toda hora eu confundo com Wimblendon. Estávamos indo para aquele lugar onde se joga com a bola grande] e esperávamos uma das muitas linhas de metrô. Nessa, diferentemente de outras mais constantes, há um painel que mostrava a que horas chegaria o próximo trem - igual ao que acontece em outros muitos lugares do mundo, em que há organização. E eis que o painel indicava uma hora e... não, não, o trem não chegou no horário. Ao menos a locutora - ou a voz que diz "Stand clear" e "Mind the gap" - avisou que aquele trem que chegava à estação às 4h28 era o trem atrasado de 4h22. Afinal, eles continuam protestantes e éticos.

***

Pensei em uma camiseta, usando a logo da Gap, com o dizer: "I don't mind the gap".

***

Algumas estações e inclusive linhas inteiras estão sendo fechadas aos fins de semana, para obras visando as Olimpíadas do ano que vem. Claro que isso não atrapalha em nada o funcionamento da cidade. Ou, ao menos, o meu deslocamento.

***

E falando sobre as olimpíadas, começou ontem, dia 9, as inscrições para voluntários para os Jogos Paraolímpicos ["paraolímpicos" perdeu o hífen? - vou me abster da piada de cunho duvidoso]. Há uma campanha maciça nas ruas para que as pessoas participem. Aliás, há uma campanha também grande para as Olimpíadas, em si.

***

E falando sobre voluntários... Vi hoje um anúncio impensável no Brasil, em que sugerem às pessoas trabalharem por 16 horas mensais - de graça - na polícia! O slogan - se eu me lembro bem - era "A new Scotland Yard". Imagine a galera passando dois dias na PM ou mais especificamente no Bope? Acho que haveria fila. O slogan? "Venha brincar de polícia e ladrão de verdade." Ou "Paintball com balas de verdade". "Tiro ao alvo móvel". Ou "O velho Bope".

Pints & pubs

Segundo dia

Você descobre que está em Londres não pela quantidade de indianos e jamaicanos e coreanos andando nas ruas, falando dialetos e línguas nacionais. Nem pelo clima - supposed to be - frio, chuvoso, escuro [não está frio, garoou e está um nublado branco]. Nem mesmo pelos "cheers, mate" ou pelos "lovely lady" onipresentes. Mas pela cerveja. Amarga, quente, com baixa carbonatação. E excelente.

Ontem, cometi o meu mais grave erro: me senti em casa de cara. E, como sempre, optei pelas cervejas das quais nunca tinha ouvido falar. O que - nada a ver com falsa modéstia, mas com a globalização das marcas - foi razoavelmente difícil, e me levou a cometer o outro erro de sempre, comprar gato por lebre. Mas chegamos lá.

Uma das tradições que sempre ouvi falar sobre Londres é a dos pubs que, além de fabricar a própria cerveja, tiram o líquido sagrado dos seus barris sem usar gás carbônico e sem máquina de pressão . É tudo no muque. A pessoa do outro lado do balcão - pode ser um japa com mais tatuagens que João Gordo, ou uma loura saída de um comercial da Volvo, if you know what I mean - tem que fazer força para tirar sua ale de dentro das câmeras onde é armazenada. Claro que não há refrigeração - a temperatura é perfeita lá fora. E o amargor, bem, quem sou eu para negar a tradição de atração pelo lúpulo?

O problema desse tipo de estratagema é - imagine - esquecer de todos os tipos que você tomou ontem. E nem foram tantos pints assim. Porém, seguindo também outra das tradições londrinas, fomos em uns quatro pubs e em cada um deles, tomamos um pint. No penúltimo, já sem opção, pedi aquela marca verde que era a que se repetia em todos os lugares e eu não conhecia. De cara, vi que algo estava errado. Havia muitas borbulhas. Provei, doce demais. Depois de eu muito pensar, meu camarada Roy chegou a conclusão de cara: era cidra. A inglesa do meu lado, ao escutar toda a conversa, não se furtou de comentar: "Fail". Roy, polite como um gentleman indiano, falou que tomaria para me ajudar. Então, para manter a tradição que eu acabara de inventar - ei, estamos em Londres, não? -, terminei a noite com uma Guinness. Acho que deveria ser a lei. Todas as noites abaixo de 20 graus célsius devem terminar com uma porter desse porte. E antes de ir para casa, comer um kebab!

Trinta e dois


Primeiro dia – 08/09/2011 – quinta-feira, aeroporto do Rio de Janeiro

Trinta e dois deve ser um dos números mágicos da cabala. Além de ser a junção do algarismo “3” – que remete à santíssima trindade que rege os que seguem a sagrada escritura – e do “2” – do par, do casal, da coincidência – e de ser a idade conhecida pela mesma escritura em que Cristo morreu na cruz , é também o peso limite para as malas em voos internacionais.

Se você for um reles mortal [ o/ ], você pode levar até duas malas com essa massa cada [um amigo físico implica com o termo “peso” para determinar... o peso] mas não pode transportar uma única de 42 quilos. Adivinha qual era o meu caso.

[Nunca imaginei que um dia pudesse ultrapassar o limite e nunca me imaginei abrindo aquela mala imensa no meio do aeroporto para fazer uma reengenharia. Tipo: saca a cueca e mete o sapato chulezento. Ou tira a roupa suja e atocha ao lado do terno de casamento. Sempre tinha visto outras pessoas fazendo isso e pensava: “há! Deu mole.”]

O argumento da companhia aérea é: “’A Europa’ não aceita além desse peso.” [Imagine como os ingleses se sentiriam feridos em seus egos se soubessem que estão sendo chamados de europeus...] “A Europa”, milênios após a popularidade do personagem mitológico grego, voltou a ganhar uma personificação. Voltou a ser sujeita de si.

A ameaça – me contou a simpática atendente – é de a bagagem se perder. Ela – “A Europa” – só receberiam bagagens de até 32 quilos. Após isso, não*. Devem colocar num cemitérios de malas abarrotadas e, depois, exportam para países subdesenvolvidos junto com o lixo atômico. Tenho certeza disso.

De qualquer forma, pelo blefe ou pelo aviso, considerei que era melhor não me arriscar. Principalmente quando o que está em jogo é toda a roupa da sua vida [agora eu sei o peso que eu carregava nas costas...]. Abri as malas [“Há! Deu mole”] e tasquei livros, sapatos e outras quinquilharias em uma outra bolsa onde carregava eletrônicos e afins. Na mala-imensa ficou só roupas. E três garrafas de cachaça que, agora, sem tantas peças a pressioná-las, poderão sambar, evoluir na passarela aeronáutica, até que uma delas, mais saidinha, certamente se esparramará calmamente sobre calças, casacos, camisas, shorts... Em uma tacada, posso ficar sem eletrônicos – que, claro, serão chutados pelos moços nem tão simpáticos da companhia aérea –, sem presentes e sem minhas roupas. E, claro, minha bagagem reserva viajou – está viajando, vai viajar, dependendo de quando for a leitura – sem cadeado. Tudo bem, vou estar na Europa.

* Conversando com um amigo-de-voo, que fez seu mestrado em direito em Londres, ele sugeriu sem muita certeza que a questão envolveria legislação: os trabalhadores das companhias não podem, por lei, carregar mais que esse peso.

ps. tudo chegou inteiro. Menos a rodinha da mala de rodinha, que quebrou. Claro.

domingo, 4 de setembro de 2011

Perenidade da arte

Se há um conceito que eu gosto a priori da arte de rua é a sua perenidade. Estava eu voltando para casa e vi uma cena que é recorrente no universo do pessoal do grafite e da pichação ["xarpi"]. Um fulano estava desenhando por cima de outro que tinha feito o seu desenho há mais tempo. Há um movimento de substituição. Há a percepção que a sua produção tem uma data de validade. Há a noção de que somos todos substituíveis, finitos. Há uma sugestão do nosso tempo atual em que as pessoas não idolatram obras de pintores. [Ou não. Porque há sempre um louco que quer quebrar a parede para levar um Banksy para casa...]

Ou ainda porque cada situação é mais rápida e as pessoas querem substituir e consumir uma nova obra, em que libere suas endorfinas reservadas para os trabalhos que dão prazer.

***

O passado é quase uma exigência de nossa memória e uma coincidência de nossas ações. Por isso, talvez, queiramos tanto preservar nossos monumentos. É desafiador pensar uma outra pessoa, em outro tempo, vivendo dentro daquele mesmo espaço. Como se vê, é mexer na relação espaço-tempo.

***

As obras de arte sofrem desse mesmo raciocínio. Todas as pessoas querem ver a "Monalisa" e a "Capela Sistina". Bem, é claro que por outros motivos além desse, mas também porque são antigas, são obras que nossos avôs, nossos pais e nós mesmos nos acostumamos a repetir que são belas, impressionantes. É a tradição da arte. Gostamos porque fomos acostumados a gostar.

***
É errado destruir a obra de outrem para produzir a sua? Tão errado quanto desenhar pela primeira vez. Por que a primeira deveria ser a melhor, ou a protegida? Isso lembra o conceito de "aura" do Benjamin, que todo mundo que fez comunicação deve ter lido [não é o meu caso]. A "aura" me lembra algo parecido com a alma. O que não é de assustar considerando o misticismo de seu autor. Mas é de assustar as pessoas ainda acreditarem em coisas como essa. Parece que Nietzsche não passou por aqui.

***

"Artista é o caralho", diz o Rubinho Jacobina [que eu conheci de "oi-oi", rapidamente, no lançamento do "Autoassassinato" - hoje em dia tenho uma vergonha desse livro... do segundo "grande" também tenho, mas menor. Desse... nossa. Acho tão banal....] E não tem como negá-lo. Por que o "artista" deveria ser diferente do restante das pessoas? Por que as pessoas deveriam pagar para elas cantarem, para elas escreverem, para elas desenharem? O que é isso?

Escuto: exatamente porque eles não são diferentes deveriam receber dinheiro pelos seus trabalhos. Mas quem disse que cantar, escrever e desenhar é algo que deveria ser pago? Ou ainda, ou melhor: por que isso deveria ser quantificado por outra pessoa além da pessoa que quiser pagar? Tabelar a arte é destruir um de seus principais e intransferíveis segmentos que dá ao espectador o fiel da balança. Ou, em outras chulas palavras: gosto, cada um tem o seu.