quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Westvleteren 12

Todo ramo do conhecimento tem seus ícones. Entre as cervejas, é a Westvleteren 12.

Imagine uma cerveja que sempre é eleita nos sites de votação popular na internet como a melhor cerveja e, mesmo assim, - ou por causa disso - é complicadíssima de ser encontrada. "Por causa disso", na frase anterior, tem dois sentidos. O primeiro, óbvio, é: se é a melhor cerveja do mundo, será bastante procurada, logo, difícil de ser encontrada, por ser escassa. Entretanto, há também o caso de, por ser difícil encontrá-la - como é o caso da Westvleteren 12, por motivos que serão explicados mais à frente - quem a toma, tende a valorizá-la acima das demais.

A Westvleteren 12 é uma das sete trapistas - o que, por si só, já lhe traz uma certa aura de exclusividade. A única, porém, que não é vendida em larga escala. Os monges que a produzem já disseram que "we make the beer to live but we do not live for beer". Eles restringem a produção a pouquíssimas [comparativamente] garrafas por ano e fazem os compradores assinar um termo impedindo que as garrafas compradas - só podem ser adquiridas no máximo uma caixa com 24 a cada mês, por pessoa - sejam revendidas. Como são católicos, não visam o lucro e essas garrafas são comercializadas com preços incrivelmente baixos, para qualquer tamanho de cervejaria. Como vivem num mundo que ignora regras, essas mesmas garrafas que saem por um pouco mais de 2 euros lá na abadia, chegam ao Brasil por mais de R$ 100. Na Bélgica, é complicadíssimo encontrá-las fora de Westvleteren. Não impossível.

Desistimos de ir para a cidade de Vleteren, onde ficam os monges, porque o aluguel do carro era caríssimo - algo como três vezes mais que foi alugar um carro em Oxford. Além disso, tínhamos apenas um dia, que já estava tarde na hora que decidimos sair, para ir à abadia, porque os monges fechariam as portas para o descanso de domingo. Por fim, não tínhamos reservado nossa cota e só teríamos acesso a uma porção menor vendida do lado de fora, na lojinha - uma porção extra, feita apenas com o intuito de reformar o monastério. Não deu.

A partir de então, buscamos em todos os lugares que visitávamos - Bruxelas, Bruges, Antuérpia - o santo graal das cervejas.

Em Bruxelas, em um bar que dizia ter centenas de cervejas belgas, conseguimos comprar garrafinhas da Blonde e da 8 - mas nada de 12. Mesmo a 8, compramos as últimas unidades. Cada garrafa, a 9 euros. Em nenhum outro lugar, de Bruxelas a Bruges, encontrávamos a 12. Em Bruges, ainda fomos numa espécie de museu da cerveja, que dizia ter todas as cervejas belgas existentes em exposição, e ainda diversas para vender - mas nada de 12, o ápice.

Na Antuérpia, já tínhamos desistido de procurá-la, me contentando com uma futura visita a Westvleteren para, aí sim, comprar a caixa com tudo o que tem direito. Eis que entramos numa loja pequena, com o intuito único de comprar uma garrafa de Mongozo - a cerveja que tem gosto de leite de coco - e, para comprovar como era complicado encontrar a Westvleteren, perguntamos por ela. A atendente, uma garota de olhos puxados, se abaixou atrás do balcão, como se fosse num lugar não exposto, escondido, reservado para produtos proibidos e se levantou com diversas. Ecce homo. Estava ali, diante da gente, a 9 euros novamente. Compramos. Agora acho que não vamos para o céu.

Trouxe para casa para ter a experiência completa, com um copo digno, em um dia especial. Dizem que quanto mais tempo você a deixa na garrafa, mais ela fica gostosa. A ver. Ou melhor, a provar.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Fetiches de escritores

Em Oxford, encontramos em exposição uma série de cartas do Kafka para a sua irmã mais nova, Ottla. Nas correspondências, descobrirmos que ele era vegetariano - e mal visto por isso, por seu companheiros [Kafka tinha um pouco de mania de perseguição, não?] - e que ele dava apoio à sua irmã, indo em direção contrária aos anseios dos pais - ela quer estudar, o pai não deixa; Kafka, então, oferece pagar a faculdade dela. Além desses aspectos mais práticos do dia-a-dia, podemos ver a letra do escritor, a letra que ele escreveu seus mais conhecidos textos.

Aliás, apesar de toda a confusão por conta do seu espólio - basta lembrar que Max Brod, aquele que, segundo a lenda, deveria queimar tudo, levou todo o material para a Israel, e hoje em dia, além deste país, a Alemanha e Oxford tentam ter sob suas posses as versões originais dos textos kafkianos - é possível ver os manuscritos de algumas das obras mais famosas de toda a produção do tcheco. Entre elas estão: "Die Verwandlung" - que é traduzida comumente como "A metamorfose", apesar de eu já ter ouvido que o correto seria algo como "A transformação" - e "Das Schloß" ["O castelo"].

No primeiro, é possível ler, com a letra bastante da comum, que eu não consegui identificar nenhum detalhe que ressaltasse, apenas, talvez, um ligeiro tremido, a famosa frase inicial: "Als Gregor Samsa eines Morgens aus unruhigen Träumen erwachte, fand er sich in seinem Bett zu einem ungeheuren Ungeziefer verwandelt." [Cabe também dizer que jamais Kafka escreveu sobre uma barata, mas sobre um "inseto monstruoso".] No segundo, a última sentença, largada pela metade, que dá a impressão que não há saída, mesmo, para o pobre K.

Depois, fomos a Stratford-upon-Avon, uma das inúmeras cidades ao lado de Oxford que tem hífen. Há Bourton-on-the-Water, Moreton-in-Marsh, Stow-on-the-Wold entre outras várias na região de Cotswold - apesar de Stratford não ser exatamente dessa região, mas ficar ao lado.

Além da bela paisagem natural, a Stratford que fica sobre o rio Avon tem um cidadão mundialmente famoso. William Shakespeare nasceu, foi batizado, casou e está enterrado lá, segundo consta. A igreja onde a maioria desses eventos aconteceu se chama Holy Trinity - é possível ver uma cópia do papel de batismo e de óbito. É pequena, mas extremamente bem cuidada, principalmente por ser do século xiii - mas já havia um prédio ali muito mais tempo antes, de acordo com a própria igreja. A construção parece esconder inúmeros mistérios, cada um dos detalhes do teto é diferente do outro, como se eles tivessem sentidos ocultos que só os iniciados conseguem captar. Fiquei tão impressionado, que caí no golpe da lojinha ao lado - no caso, da Royal Shakespeare Company - e comprei uma edição [excelente] de "The tempest" - já lida e a ser comentada outro dia.

Após essa peregrinação, fiquei a me perguntar: o que vale ver a letra de Kafka - se você não é aquele especialista que descobre facetas de sua personalidade pela sua caligrafia - ou o sepulcro do Shakespeare? Absolutamente nada. São só fetiches, que funcionam de maneira muito parecida com as indulgências, que eram vendidas pelos católicos para a salvação da alma dos pecadores pré-reforma. Como se ao ter contato com esses elementos dos grandes mestres, você também fosse, de alguma forma, tocado por eles, fosse agraciado, e um pouco da "magia" desses personagens passasse para você também. No máximo, ou na melhor das hipóteses, entretanto, funciona como aquela pena que o Dumbo usava para voar. Um amuleto. Nada mais.

Ou, para ler/reler as obras de ambos, que é o que, no fundo, vale a pena, mesmo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Oxford e os estudantes

A primeira impressão de Oxford não foi a única que ficou, mas vale o registro. Assim que chegamos à casa em que ficaríamos no esquema Bed&Breakfast - o melhor do mundo -, conversamos com sua dona sobre o que fazer na cidade conhecida pela universidade onde passaram de Einstein a Oscar Wilde. Kathryn, a senhora que já tem netos e uma biblioteca pequena, mas bem interessante, com obras indo de Johnatan Frazer a Anthony Bourdain, começou a indicar programas e sugeriu que o melhor a fazer era pegar um dos diversos walking tours que há na cidade para ter mais chances de entrar nos prédios das faculdades. O argumento dela era que havia uma barreira entre a cidade e a universidade, que os muros escondiam jardins incríveis e que nem sempre era possível ter acesso a essas áreas mais escondidas.

Não pegamos um walking tour, nem tivemos acesso a áreas secretas. Essa informação, porém, ecoou outras que, coincidentemente - e não -, tinham ligação a esse assunto. É curioso, para não dizer vergonhoso, que em cidades "universitárias", os universitários se sintam superiores aos cidadãos comuns. Entretanto, esse comportamento parece ser deveras comum.

 Na biografia de Schopenhauer, seu autor, Rüdinger Safranski, conta que havia diversos embates físicos entre estudantes e os moradores da cidade de Göttingen, e como estes eram humilhados pelos alunos, que, quando expulsos da cidade pelos habitantes durante as brigas, exigiam diversas regalias para retornar. Como eles faziam a economia girar, consumindo em estalagens, bebendo nas tavernas, geralmente as exigências eram aceitas. Também é narrado como alguns alunos implicavam com outros na Universidade de Berlim, a ponto de envolver o reitor da época, no caso, nada menos que Fichte, que sempre se posicionava contra as badernas e as confusões, chegando a perder seu emprego por isso. Schopenhauer, como é de se imaginar, jamais fez parte desses entreveros.

Já em Oxford, há uma passagem famosa sobre esses embates chamada St. Scholastica day riot, em que, ainda no século xiv, após serem expulsos pelos estudantes, os moradores se reuniram e voltaram com força total - isto é, com machados, pitchforks e outros instrumentos agrários - e atacaram os alunos. Saldo de dezenas de mortos de ambos os lados [os números dizem 63 acadêmicos e cerca de 30 locais]. Novamente, a comunidade teve de arcar com os custos pelos prejuízos. Os prefeitos, a partir de então, foram obrigados a pagar uma multa, simbólica, humilhante, à universidade a título de perdão. A tal multa foi paga até o século xix, quando um prefeito falou "tá bom, né", e parou de pagá-la unilateralmente. Somente no século xx, praticamente ontem, houve uma cerimônia em conjunto entre comunidade e universidade, selando, finalmente, a paz entre as duas instituições.

É normal, ou esperável, portanto, que Kathryn ache que haja uma segregação - porque há, ou havia até pouco tempo.

Embora não impeça, também, que a simpática senhora consiga enxergar as vantagens de se viver num lugar, assim, rodeado de conhecimento. Ao comentarmos que, apesar de ser uma cidade universitária, as ruas eram calmas, ela comentou: "Oxford é cheia de gente de inteligente". Parece, mesmo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Esportes ingleses

É curiosa a afeição que os ingleses têm por esportes. Em geral. Parece com a de americanos, mas é mais. Sem comparação com os brasileiros, que são monotemáticos quando esse é o assunto. Aqui, dá para saber o perfil da pessoa, ou pelo menos construir o primeiro elemento de entendimento social, se descobrimos qual é o seu esporte favorito ou, no caso do futebol, por que time torce. Chelsea, por exemplo, é time dos ricos. Críquete, esporte dos riquíssimos.

Curiosamente, em relação ao críquete, os indianos, e vários países pobres de colonização inglesa, tipo Quênia, são igualmente fanáticos pelo esporte. Como se fosse uma pequena ironia do destino do esporte que era dedicado à nobreza na Inglaterra ter que receber africanos, caribenhos [que competem unidos como "Índias ocidentais"] ou indianos e paquistaneses [quando duelam, é tipo Argentina x Brasil no futebol, mas com armas nucleares de cada lado] em seus campos. Aliás, há um belo e longo filme indiano chamado "Lagaan" [é muito curioso nós brasileiros não termos ideia desse filme que é mais que um clássico indiano, é uma instituição do povo do subcontinente, como é, por exemplo "Aquarela do Brasil" para esse outro país continental] em que se fantasia o início do críquete na Índia, como se fosse um disputa territorial, entre opressores e oprimidos. Os oprimidos se unem em torno do esporte, esquecendo suas enormes diferenças - é só lembrar que a Índia tem cerca de 30 línguas que são faladas por, no mínimo, mais de um milhão de pessoas; e que há hindus, muçulmanos, sikhs e outras religiões. Não é preciso dizer quem ganha a partida.



A metáfora de guerra e união dos povos pelo esporte me apareceu ontem, no texto de um colunista que falava sobre a Haka, a dança tradicional que o All Blacks - o time de rúgbi da Nova Zelândia - executa antes de participar dos jogos. A dança é feita pelos maoris, o povo que habitava as duas ilhas ao sul da Austrália antes da chegada dos ingleses, que a executavam antes de batalhas, e cuja intenção é mascarar seus medos e passá-lo para o adversário, além de atingir, mesmo que como metáfora, a imortalidade, ou pelo menos o sentimento de invencibilidade. Eu lia o texto do Henry Swarbrick, e me arrepiava no meio do metrô lotado de saída de trabalho. É exatamente nisso que eu acredito ser o melhor do esporte, e o melhor da música, do cinema, da vida, enfim. Fazer as ações como se estivesse tirando a última força de dentro de si. Como se fosse a única verdade a se descobrir. Como se possuísse alma, tivesse punch, fosse "tru", nas palavras do .

Além disso, a dança é executada por todo o time, seja branco-filho-de-europeu-emigrante ou moreno-neto-de-polinésio, demonstrando que, ao menos dentro do campo, eles têm apenas um único corpo, o da Nova Zelândia. O que demonstra como o esporte, novamente, pode ser um sinônimo de agregação entre culturas e que, se não podemos voltar ao passado e mudar o que aconteceu, podemos aprender com essa história.

ps. Os All Blacks jogam no sábado contra o time da Austrália por um lugar na final do campeonato mundial de rúgbi - a outra semi é disputada no domingo entre França e País de Gales. Nem preciso dizer por quem estou torcendo.

pps. E falando de esporte nascido inglês que vai para o mundo e representa a união de culturas, o que dizer do futebol, e do futebol no Brasil?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Humor britânico

É muito comum que escutemos que o inglês tem muito [bom ou mau] humor, ou como é engraçado o "humor inglês", mas, assim como os duendes, não é tão fácil saber, à primeira vista, o que seria isso, essa categoria de comportamento, de relacionamento e de comunicação. Dizem que é sarcástico, irônico, e não perdoa ninguém. Pelas primeiras experiências que eu tive aqui, sugeriria que é mais que isso.

Mesmo nos momentos mais adversos, há alguém que fala uma frase de efeito e provoca um sorriso. Eles não querem a gargalhada, mas um esgarçar de leve do rosto, para fingir manter a fleugma [isso, com "g", para ser ainda mais tradicional]. Ontem, talvez tenha sido o ápice. Mas antes de ontem, temos outras boas histórias.

Já contei do dia que cheguei e, ansioso para tomar o maior número de ales possíveis, cai no golpe da cidra. Ao acabar as torneiras das marcas conhecidas, pedi aquela, que eu nunca tinha ouvido falar. Era a famosa. Contei a história para Roy, e a inglesa, ao lado, ouvindo toda a história, se dignou a apenas falar: "fail".

Ou de como a atendente do metrô, uma coroa com cara de vovó, ao receber o meu cadastro preenchido com a minha horrorosa letra de mão, perguntou, com a maior fisionomia séria do mundo, se eu escrevia em híndi. Respondi, para tentar manter o nível, que não, mas que admitia o desperdício do talento.

Conversando com o meu contato na firma que é a dona do flat onde moramos, perguntei se não iríamos receber as informações para fazermos o pagamento do aluguel. Ele respondeu que não ter a conta era uma ótima desculpa para não pagar a grana.

E ontem, quando fomos nos registrar na polícia do bairro, o poliça que nos atendeu fez um show de calouros com a gente, com perguntas e respostas e piadas em todas as frases. Descobrimos que ele havia sido chef e trabalhado com outros brasileiros, de quem aprendera apenas uma frase em português: "bunda mole". Educado, o poliça.

Gordon Ramsay


Foi um dia de achados e surpresas. Nada muito exageradamente grande, como é a tradição em restaurantes mais cheios de frescuras. A primeira foi descobrir na prática, porque na teoria, ao olhar o mapa, já tínhamos essa informação, que Camden termina [ou começa, dependendo do ponto-de-vista] no Regent's Park. O que nos levou à segunda descoberta: dá para vir a pé - com disposição - aqui de casa para lá.

A terceira foi que restaurantes mais cheios de frescuras realmente não servem porções mais cheias de comida. E a quarta é que, ao comer devagarinho, "apreciando a comida", é possível ficar satisfeito com pouco. Desde que o seu prato seja extrema e deliciosamente gordurento como o meu era.

Ah, sim, fomos em um dos trocentos restaurantes do Gordon Ramsay, talvez o mais famoso dos famosos chefes ingleses. Ao menos, é o único unissex, diferentemente do Jaime "ai como sou legal e louro" Oliver e da Nigella "wannabe hot" Lawson. Mas todos estão devidamente ricos, com diversos livros e utensílios domésticos que levam as suas marcas e caras sendo vendidos nas melhores casas do ramo. Aliás, é no mínimo curioso pensar que a Inglaterra tem a tradição de não ter tradição na cozinha, e termos três nomes ingleses, enquanto os franceses não chegam lá do outro lado do Atlântico com tanta popularidade - talvez seja a barreira linguística, por mais weird que isso pode parecer. A verdade é que esse país, por não ter uma cozinha própria forte - não, fish and chips não é legal - e por ter um passado de colonização dos mais diferentes cantos do mundo, é muito aberto para experimentações, misturas, e adaptações, e, principalmente, gostos diversos.

Escolhemos o York & Albany, ou melhor, ele nos escolheu, sem sabermos que era uma casa do chef Ramsay, como  o chama, porque era o melhor custo-benefício, dentre os apresentados no evento chamado London Restaurant Festival, em que é possível comer dois "courses" em lugares bem bacanas por até £10. No caso do York... saiu por £ 20, um menu fixo, com entrada e prato principal. Como ficamos impressionados com o ambiente e porque éramos os únicos de camisetas, resolvemos pedir um vinho também. O segundo mais barato, claro, para fingir que não estávamos escolhendo pelo preço [era um Montepulciano d'Abruzzo, que, poxa, que pena, estava esgotado, e o garçom sugeriu o merlot mais baratinho, mesmo, que era mais a nossa cara].

Eram três opções de courses: vegetariano, peixe ou carne. Como me importo com os animais de sangue quente, fui pela carne. Antes, para matar a fome, nos serviram pãezinhos com manteiga e sal marinho por cima. A manteiga aqui é outro nível, mesmo. O primeiro prato foi uma terrine de coelho, com um manteiga de uma noz, que não consegui identificar, e um purê microscópico de passas - tudo excelente, mas muito pouco. Ficamos assustados. No tempo certo, entretanto, veio o segundo, e aí, sim, uma compensação: Bochechas de touro - me lembrou a consistência do rabo -, com língua, num purê de batatas levemente defumado, e cogumelos salteados. Espetáculo. Carne gordurosa, cheia de caldo, com a língua cortada tão em cubinhos que Renata achou que eram cogumelos.

Se valeu a pena? Certamente. Se eu voltaria? Depende do orçamento. Não é todo dia que você consegue bancar os preços do chef Ramsay. A comida, porém, vale certamente.

sábado, 8 de outubro de 2011

St. John's Wood

Depois de um longo inverno - mentira, foi uma minihotwave, ou um "verão indiano", como disseram e exageraram, respectivamente, aqui - finalmente achamos uma casa. Uma casa, não, uma minicasa, porque deve ter no máximo 30 m². Cumpria, entretanto, as nossas exigências: era razoavelmente perto do metrô e na cama é possível sair pelos dois lados. As nossas exigências mudaram tanto nessa semana de procura... [Aliás, ontem fiz quatro semanas aqui, e amanhã, um mês.]

O bairro é igualmente minúsculo. É lembrado, por fãs de música, pela Abbey Road - aquela rua - que fica a cinco minutos daqui de casa. Pelos ingleses e indianos fãs do esporte, também é o lugar do estádio mais conhecido de críquete - este esporte, não esse [aliás, acabei de descobrir que sinuca tem mais audiência na televisão aqui que corrida de carro]. E, para turistas em geral, basta dizer que fica perto do Regent's Park, o segundo e, talvez, mais bonito parque aqui de Londres.

No dia-a-dia, você não atravessa a Abbey Road - apesar que, sim, talvez -, não vai a jogos de críquetes - mesmo porque eles podem demorar mais de três dias - e não vive no Regent's Park - infelizmente. O que torna o bairro único é o fato de ele não seguir a tradição de outros bairros aqui. Ou algumas tradições.

Em outros bairros, a distribuição física é assim: há a estação do metrô, que sai na rua principal, ou muito próxima a ela; nessa rua principal, há - sempre - pubs, salão de beleza e uma casa de apostas, além de uma série de lojas, dependendo do tamanho do seu bairro. Nas ruas de trás, em paralelo com a rua principal, ficam as casinhas em estilo vitoriano, que foram convertidas e hoje abrigam até quatro flats. Fomos em vários bairros, e eles respeitavam, razoavelmente, esse mesmo processo. Além disso, você sempre encontrará uma vendinha, chamada aqui de off-licence, pilotada por um imigrante indiano, paquistanês, bangladeshi, ou árabe ou persa, em que é possível comprar groceries e bebida. E sempre há um restaurante indiano, em que se vende curry a no máximo £4.

Em St. John's Wood, não. Segundo meu amigo Wikipedia, as construções aqui são do mesmo século XIX, mas do tipo "Villa", como, aliás, me parece ser a nossa. Um pátio interno, com casas ao redor. Não vimos também nenhuma off-licence, mas uma delicatessen, ou uma padaria francesa, ou um açougue, ou duas lojas de vinho, ou um empório de produtos italianos. E, em vez de restaurante indiano, há franceses, e italianos caros.

A vizinhança é basicamente de gente rica. Há muito árabe com cara de sultão, por exemplo. Um dia, vi um fulano com aquele paninho na cabeça que os reis da Arábia Saudita usam. Há quase engarrafamento de Porsche diariamente. Além de um dia ter visto uma fila encabeçada por uma Ferrari. Para terminar, Kate Moss mora aqui.

Acho que um dia vão descobrir que não pertencemos a esse lugar e nos expulsar.